Escama Negra

Sentimento de Culpa.

Eu não escutava nada direito, minha cabeça gritava mais alto do que qualquer coisa. Sabia que falavam meu nome, que tentavam explicar alguma coisa, eu apenas tirava pedras, as levantava e jogava pro lado, pegava outra e jogava pro lado. Ouvi dizerem que estávamos sem tempo, que todos lamentavam a morte de Fidlian, mas que tínhamos que continuar ou tudo seria em vão. Escutei quando alguém disse que Emilian tinha pegado a marca que faltava, mas não dei atenção, eu não podia. Tocaram no meu ombro.

– Eu vou encontrar o corpo de Fid. – Respondi.

– Mas Plim.

– Eu vou cavar. Já disse que vou encontrar o corpo.

Continuei pegando as pedras, Liandra era a única que me ajudava desde o começo, mas até a ruiva parou e me encarou, de tal forma que parei também, as mãos falharam a pernas fraquejaram, tive que me ajoelhar, senti as lagrimas correndo todos me olhavam, por que me olhavam? Emilian chorava muito, ele devia estar compartilhando meus sentimentos. Liandra me abraçou.

Caminhamos pelos tuneis, não ouvi muita coisa, ninguém disse muita coisa, não vi quase nada nem percebi quando passamos pelo portão, eu estava pensando, eu só era pensamentos. Liandra avisou aos guardas sobre o desmoronamento e eles prometeram recuperar o corpo de Fid. Eu lembrei da família dele, da irmãzinha, do orgulho que Fidlian tinha se tornado para toda comunidade goblin, o primeiro magico...

Fiquei sentada em um canto, já havia muitos campeões ali, mas bem menos do que antes, pro tanto de gente que tinha entrado no pré-exame o numero de êxitos era mínimo. Os orcs estavam ali, alguns rostos conhecidos, mas quem? Eu...

– Por favor. – Disse uma vozinha de criança e eu levantei os olhos, uma garota muito linda, tão pequena quanto Emilian ou até menor. – Pode devolver o Bob? juro que nunca mais uso em vocês dragões, uma promessa do coração, juro.

Havia outros com ela e todos me olhavam. Alguém se aproximou e tentou tirar algo de mim, eu gritei e puxei de volta, saquei meu punhal e passei na pele de alguém que gritou e chorou, houve uma grande agitação, pessoas me defenderam e outros tentaram me atacar, houve gritaria e comecei a ver melhor as imagens. Pessoas se afastando a menininha segurando a mão que pingava sangue, ela estava chorando, assustada, alguém a ferira. Ivna me segurou pelos ombros e me sacudiu.

– Por que fez isso? Plim! Escuta, por que fez isso?

– Eu...

Ela bateu no meu rosto e a dor se espalhou pela minha face, conseguia enxergar nitidamente agora, Sará e Cecilia, Emilian com os Cavaleiros, Liandra estava o acalentando, ele parecia destruído, quebrado.

– O que houve com ele? – Perguntei assustada.

– Ele está assim desde a morte de Fidlian. – Disse Ivna. – Você precisa sair dessa Plim, precisamos de você, precisamos da nossa capitã.

Eu me levantei e caminhei até Liandra, ela me estendeu Emilian e nos abraçamos, ele parecia melhorar.

– Eu precisei. – Disse Emilian pálido e com os olhos mais cinzentos do que azuis. – Era muita dor pra um só carregar.

Eu agradeci e o apertei.

– Agora já pode deixar ir. – Eu disse e ele concordou, senti a dor se espalhar pelo meu coração, a tristeza inundando e manchando minha alma, mas ela estava leve, diluída, me sufocou depois afrouxou, a senti evaporando e o calor que meu Emilian me emprestava era reconfortante. Eu ficaria bem, e ele também.

Ficamos no salão até o tempo da prova se esgotar, nós tínhamos sido os últimos a passar. Depois fomos guiados para outra sala, onde um enorme banquete era servido, parecia que outras pessoas já tinham comido ali e apenas chegamos no fim da festa, talvez os outros campeões, os que não participaram do pré-exame. Repuseram a comida e conseguimos nos alimentar. Cecilia parecia um sonambulo e não respondia quase nada do que perguntávamos, ela estava exatamente como eu, mas ela não possuía um Emilian para carregar parte do fardo. A garota se culpava e no fundo eu a culpava um pouco, ela tinha tocado Fidlian sem luva e Davel acreditava que aquilo culminou na morte do amigo, ele deixou isso bem claro nos tuneis e nem olhar mais pra Cecilia ele olhava, até Liandra ficou mais fria com ela, embora a ruiva possuía maturidade suficiente para saber que Cecilia não tivera culpa de nada. Mas a própria Cecilia parecia não saber disso.