Essência desenhada.

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No quarto muito escuro Emilian foi abrindo os olhinhos, me encarou confuso sem saber por que eu o acordava no meio da noite.

– Vem comigo. – Sussurrei.

Saímos silenciosos do quarto e passamos pelo salão recém arrumado, não estava como antes, os ladrões tinham quebrado muita coisa, mas pelo menos estava arrumado. Peguei um lampião acendi e olhei para Emilian, ele esfregava os olhinhos.

– Melhor por um sapato. – Disse e ele com movimentos automáticos, feito um zumbi, calçou os sapatos. Peguei meu cantil já preparado e abri a porta, senti o vento frio, ninguém na rua, a lua branca no céu escuro.

– Vamos.

O caminho de terra era mais sinistro de noite, mas escondia suas belezas, vaga-lumes despontavam aqui e acolá, rãs disputavam no canto com as cigarras, Emilian molengão ficou pra trás, eu o chamei e ele apressou os passinhos me alcançando. Puxei o ar fresco, sorri e dei um soquinho no ombro do menino.

– Legal né?

Ele olhou ao redor, olhos profundos e cansados, sorriu de leve.

– Até que sim, mas por que estamos aqui?

– Nós vamos tentar algumas coisas. Na verdade não sei bem ao certo, pode levar isso como uma conversa.

– No meio da noite?

– Só assim pra ter paz, só eu e você, entendeu?

Ele fez que sim e mais acordado viu uma rãzinha por perto, a capturou com extrema agilidade, segurou com as duas mãos e veio me mostrar, gelei até os ossos e disse rindo meio nervosa:

– Sai pra lá Emilian.

– O que? Só um sapinho.

– EMILIAN!

Corremos pelo caminho e ele vinha rindo com a rã nas mãos. Chegamos ao lago onde fizemos o treinamento com Adriel de manhã, eu parei esquecendo o sapo, fiquei admirando o lago, Emilian também parou, de boca aberta e mãos frouxas deixou o sapo fugir saltitando pela grama. O lago era maravilhoso, cintilava como se estivesse coberto de pó de estrelas, a lua parecia muito baixa ali no lago, como se quisesse tocar a água, a luz refletindo na superfície lisa, o vento fazendo minúsculas ondas, desmanchando a ilusão de um espelho perfeito.

– Aqui é lindo. – Disse Emilian. – De dia já era lindo, mas...

– Agora é perfeito. – Comentei.

Eu senti no meu coração uma grande paz, como se estivesse onde deveria estar, de todos os lugares do mundo, era ali, naquele lago, nessa noite e com meu Emilian.

– Pronto pra conversar? – Perguntei.

– Pronto. – Disse ele sério olhando pra mim, direto nos meus olhos.

Sentamo-nos na grama úmida de orvalho. Falei de forma simples, com as palavras vindas diretamente do coração, sobre como ele andava nervoso, as consequências disso e de que eu tinha minha parcela de culpa, ele ouviu tudo atentamente o rostinho iluminado pela lua.

– Então eu proponho que nós dois tentemos nos controlar.

– Mas como? – Perguntou ele. – Eu sempre tento, mas nunca consigo.

– Eu também não sei ao certo, antes eu tentava enterrar os sentimentos, mas acho que cedo ou tarde eles voltam a superfície né?

Emilian concordou com a cabeça.

Escama NegraWhere stories live. Discover now