No Frio do Oceano.

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Os dias no castelo arrastavam-se devagar, o tempo era horrível, chuvoso e nublado. Ouvíamos histórias sobre pequenas batalhas, até sobre gigantes que atacavam ao norte dali, mas os dias passavam sem nada acontecer no palácio. Cecilia e Sará resmungavam dizendo que já tínhamos perdido muito tempo.

– Provavelmente o exame já até aconteceu. – Comentou Sará para desespero de Cecilia.

– Tens razão, perdemos, pelos céus, um ano, teremos que esperar mais um ano para conseguir nossos objetivos.

Eu também queria ir, não entendia por que o sonho não avançava daquele ponto, das outras vezes sempre que acontecera o pior nós passávamos pra outro ponto, mas Ivna não queria me seguir, nem queria falar com ninguém, Beolá me tratava de forma fria, ela não sabia o que acontecera na floresta e eu não contava, o duque tinha falado bem claro o que aconteceria conosco se eu abrisse o bico, e era apenas um sonho eu não estava traindo Beolá de verdade, pelo menos achava que não, mas vê-la pelos cantos, olhando os filhos irem estudar... Nunca poderíamos imaginar que alguns dias atrás estávamos todos reunidos à mesa, cantando e comendo.

Emilian também ficara pensativo depois da floresta, ele tentava entrar nos sentimentos de Ivna, treinando empatia como eu ensinara. Uma vez o peguei sentado numa janela, olhando os telhados das casas, e ao longe; o mar infinito.

– Que foi Emilian?

– Só estou pensando. – Disse ele recebendo uma brisa refrescante.

– Sobre Ivna e Mandarim?

– Sim. Sabe, eu entendo, deve ter sido terrível mas... Numa situação como aquela, ela fez o certo, quer dizer, era só um gato.

Emilian me olhava calmo. Ele sabia que o que aconteceu na floresta tivera um enorme impacto em todos nós, em Ivna, em mim, e até no duque, mas pra ele no fim das contas tudo não passava de um simples gato.

– Mas foi mais que isso Emil.

– Mas... Se fosse pra te salvar, ou alguém do nosso grupo, eu mataria um gato, dois, três... Até... Mais que isso.

Eu sabia que ele era capaz daquilo, o observei e ele olhou pro horizonte, pro mar. Ele seria capaz de matar gatos, cães e pessoas, claro que seria, comecei a compreender que aquilo era sua natureza, tentei imagina-lo como um guerreiro ou soldado, eles também matam pessoas para protegerem quem amam, protegerem seu país, seu governante. Mas eu não conseguia deixar de me sentir mal por Emilian, se era tudo tão simples, porque eu não me sentia em paz com tudo aquilo?

As noites estavam cada vez mais difíceis. Estava fazendo um frio danado e parecia que iriamos congelar, minha mão ficava sempre fria, não importando o que eu fizesse, acabei ficando como Cecilia; de luva o tempo todo. Até Emilian começou a sentir frio, coisa que nunca acontecia, Sará parou de andar sem camisa, todos soltávamos fumaça pela boca e dormíamos num oceano de peles e cobertores. Até deixei que Emilian deitasse comigo a fim de nos esquentarmos. O estranho foi que acabei notando uma coisa, o dia começou a fazer sol, as chuvas cessaram, e as pessoas andavam bem arejadas e até vi quem suasse e se abanasse com leque. Mas eu continuava gelada até os ossos, na verdade cada vez sentia mais frio, Sará também, Emilian e Cecilia. Algo estava errado e eu começava a sentir que estávamos ficando sem tempo.

Comecei a tentar encontrar brechas nos horários de Ivna, alguma oportunidade para aborda-la, conversar e tentar descobrir o que eu deveria fazer. Mas não era fácil. O duque deu ordens para afastarem Ivna de mim, e quando algum tutor ou guarda me via junto dela eles a levavam, diziam que tinham assuntos importantes e nos separava, ela parecia não ligar muito, apenas seguia com os tutores, mas eu percebi como ela soltava vapor ao falar, como estava agasalhada até o pescoço. Ela estava como nós, e eu sabia o que significa aquilo, estávamos morrendo.

Escama NegraWhere stories live. Discover now