Quartos.

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Me arrumei pra dormir cedo, entrei no quarto que usamos na viajem de ida. Estava vazio e escuro, era engraçado como parecia enorme sem as vozes e as pessoas balançando nas redes, apenas escuridão e som de patinhas na madeira, provavelmente algum rato. Peguei o lampião e andei, cheguei ao fundo do quarto e vi meu antigo cantinho, a teia de aranha havia sumido, o quarto pareceu mais deserto ainda. Comecei acender outras lamparinas, umas seis e espalhei ao redor, não iluminou o quarto inteiro mas ficou bem menos assustador. Coloquei minha rede nos suportes e bati a poeira dela, depois Emilian viria com a dele e eu o ajudaria a estica-la ao meu lado. Peguei meu livro e minha maçã, deitei sentindo o corpo dar uma leve relaxada, ficar mais leve, mordi a maçã, acida e doce, comecei a ler.

– Ei. – Disse uma voz grave e séria. – Não é pra ninguém estar aqui.

Olhei e vi na porta um soldado parado.

– Vim mais cedo do que os outros só isso. – Respondi.

– Mas vocês não dormirão aqui. Pode sair.

– Agora vai ser difícil. – Resmunguei não querendo por nada do mundo deixar minha redinha e o quarto que tinha acabado de arrumar. O soldado se aproximou e percebi que teria problemas. – Qual é cara, me deixa em paz, já deu trabalho pra arrumar tudo e....

– Você é surda? – Ele tinha o nariz parecido com uma batata, as sobrancelhas bem grossas e os cabelos lambidos pra trás. – Vocês - Não - Dormirão - AQUI!

– Calma.

Ele pegou e virou a rede, eu caí no chão me apoiando com as mãos, meu livro caiu de capa aberta e a maçã rolou pela madeira empoeirada. Eu senti a raiva chegando.

– Seu desgraçado.

– Não quis ouvir. Agora se mexa.

O soldado se afastou e ficou esperando, eu o olhei com os olhos se enchendo de lagrimas, eu odiava aquilo, minhas lagrimas sempre vinham quando estava com raiva, contente ou triste mesmo. Enxuguei os olhos, apanhei o livro, tirei a rede e a coloquei debaixo do braço, vi a maçã mordida no chão, mas quando a peguei percebi que tinha poeira e um fio de cabelo grudado nela, deixei no chão desejando um bom apetite para o rato.

O soldado me guiou pelo corredor e parou na frente de uma porta.

– Aqui.

Abri a porta e vi um quarto bem menor, já iluminado e com as redes penduras, redes maiores e mais novas. Eu encarei o guarda e ele deu um sorrisinho, eu queria amassar a cara do safado, entrei no quarto respirando profundamente. Dei uma olhada e entendi o que estava havendo, o quarto era menor e o numero de redes dava certinho para nós campeões. Elas estavam terrivelmente perto uma da outra. Olhei pra trás a fim de reclamar com o soldado mas ele já tinha saído.

– Filho da puta. – Resmunguei.

Caminhei tentando escolher uma rede um tanto mais afastada, abri uma e vi um corpo lá dentro, me assustei até perceber ser Emilian encolhido, ele me olhou, quieto, por um tempinho.

– Oi. – Disse ele.

– Oi. O que tá fazendo aí? – Comecei a arrumar outra rede pra mim, coloquei meu travesseiro e meu livro dentro dela e joguei a antiga num canto.

– Só pensando. Eu...

Encarei Emilian, ele parecia preocupado, meio cansado, até mais magro e na verdade eu não via ele comer bem já uns dois dias, desde... Desde o teste.

– Pode falar. – Incentivei. – O que foi?

Emilian fitou as próprias mãozinhas, suspirou e olhou pra mim, os olhos azuis, o cabelinho negro e liso colado na testa, ele deu um leve sorriso que mudou suavemente suas feições, os olhos, o rosto...

Escama NegraDonde viven las historias. Descúbrelo ahora