O tempo

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Olivia Lopes

O silêncio do apartamento recém-desocupado era ensurdecedor. As crianças, Laura, Henrique e Juliana, já dormiam em seus novos quartos, exaustas da mudança. Eu, me sentei na cozinha, tentando engolir um pedaço de pão, mas nada descia. As lágrimas brotaram em meus olhos sem qualquer esforço, deslizando pelo meu rosto sem dó.

Naquele mesmo dia, na nossa antiga casa, eu havia assinado o acordo de divórcio que Fernando me entregou. Ainda não podia acreditar que ele havia feito isso. Fechei os olhos por um instante, e as lembranças dos sete anos de casamento inundaram minha mente. A felicidade, os sonhos, os planos... tudo destruído pela amnésia.

Agora, era hora de seguir em frente. Me dedicar ao trabalho, aos meus filhos, reconstruir minha vida. Respirei fundo e enxuguei as lágrimas com a manga da blusa.

- Foi muito lindo enquanto durou, sussurrei para mim mesma, a voz embargada pela emoção. As lágrimas ainda molhavam a bancada da cozinha, mas eu sabia que era hora de ser forte.

Levantei-me e lavei o rosto, tentando afastar a tristeza. O futuro era incerto, mas eu estava determinada a superar essa fase e seguir com minha vida para mim e para meus filhos. A dor da perda ainda era forte, mas a esperança de um futuro melhor me impulsionava.

Com o passar dos dias, a rotina na nova casa se estabeleceu. As crianças se adaptaram rapidamente ao novo ambiente, e eu me concentrei em meu negócio de doces. O trabalho era árduo, mas me proporcionava a distração que eu precisava para lidar com a dor da separação.

Aos poucos, as feridas estão cicatrizando. O vazio deixado por Fernando ainda era perceptível, mas a esperança e a força dos meus filhos me davam a motivação para seguir em frente. Comecei a frequentar um grupo de crochê ao lado da doceria, uma atividade sugerida pelo psicólogo para trabalhar concentração, estava sendo ótimo para minha mente.

Um dia, enquanto organizava apresentação da festa da família das crianças na escola, todos os dias ensaiamos. A música está linda, me recordo que preferida delo Fernando, nunca imaginei cantar e tocar violão e Jujuba tocando bateria aos quatro anos de idade, instrumento combina bastante com sua personalidade. Todas as noites ainda durmo com casaco do Fernando, foi a única maneira que encontrei de sentir seu cheiro. Não o vejo mais, mas amanhã será inevitável.

Olho pela janela para a cidade lá embaixo. O sol se punha no horizonte, colorindo o céu de tons alaranjados e rosados. Era um novo dia, um novo começo. Respirei fundo e sorri. A vida estava apenas começando.

Estou atarefada na doceria, mas hoje e festa da família na escola da crianças. Laura e Henrique vão se apresentar no show de talentos. Por um momento fico distraída e acabo cortando a palma mão direita. Não vou desistir de apresentar. Fernando estava ensaiando com eles antes do acidente, mas agora sou eu que vou tocar. Acho que não está ruim. Subo tomo banho, visto uma calça jeans justa, com body vermelho de manga longa. Prendo o cabelo e scarpin branco. Estou pronta. Entro no meu carro, paro na farmácia compro um curativo para colocar na mão, mas olho as horas e decido fazer depois. Chego correndo, as crianças foram com Fernando e sua família. Logo avisto minhas crianças. Me aproximo. Eles estão radiantes. Pego o violão e digo.

- Agora é momento que colocarmos em prática nos ensaios. Vamos subir e arrebentar. Juntos para sempre.

Apresentador anuncia apresentação dos gêmeos Laura e Henrique do segundo ano turma B. Respiro fundo. Nos organizarmos na frente do palco, sinceramente a multidão meu deu frio na barriga. Henrique manda muito bem no violão, Laura na gaita e minha pequena Jujuba está mandando bem na bateria, mas hoje será na caixa de percussão. O grande dilema será eu. Era para ser o Fernando, mas encarei o desafio. Me posiciono, na frente do microfone. Começo a cantar " Sweet Child o Mine" em acústico. Henrique começa no solo de violão, eu depois de um tempo Jujuba começa as batidas na caixa, começo tocar meu instrumento, um frio na barriga fica intenso. Tento não olhar para plateia. No meio da música Laura faz um solo de gaita. A música contagia a mim e as crianças. No final somos aplaudidos de pé.

ALGEMADO EM VOCÊWhere stories live. Discover now