Capítulo 43 - Redenção

16 4 2
                                    

O rapaz atravessou a porta dupla que dava para a nave da igreja. O sacerdote, um velho de seus setenta verões, trajava a costumeira veste de várias camadas, cada uma delas representando uma de suas posições na complexa hierarquia da igreja. A obrigatória peregrineta amarela cobria seus ombros e conferia-lhe um ar solene e orgulhoso devido às largas ombreiras por sob ela. O símbolo sagrado de Atos, provavelmente forjado em ouro maciço por um dos santos joalheiros de Alvorada, pendia pesado, pendurado ao velho pescoço por uma corrente de elos grossos, também dourados, cada um deles, devendo ser composto de ouro suficiente para um plebeu médio alimentar uma família por semanas. Quatro raios dourados despontavam das beiradas nos pontos que representariam norte, sul, leste e oeste em uma rosa dos ventos, simbolizando os quatro discípulos mais próximos a Atos, enquanto quatro prateados, pouco menores, os intercalavam. Quatro anéis engastados por pedras de diferentes cores eram ostentados em diferentes dedos das mãos, representando as artes sagradas nas quais o sacerdote era versado e sua barba era longa e alva, o que lhe emprestava a aparência de um homem repleto de sabedoria. Yurgan fez uma profunda reverência, reconhecendo nas cores observadas a experiência de seu superior, ao mesmo tempo, estranhando sua presença em uma capela localizada em uma cidade tão simplória.

— Que atribulações o traz aqui, meu filho?

Yurgan torceu a boca em um sorriso tristonho, atingido pela preocupação presente na voz do sacerdote.

— Não apenas atribulações têm o poder de trazer um homem à igreja, reverendíssimo. — Ele tentou encarar os olhos do homem, mas, compelido por uma força maior, baixou a cabeça, sentindo-se indigno.

O sacerdote soltou uma risada breve e rouca.

— Eu poderia acreditar se tratar de um viajante comum em busca de um momento de paz dentro desta capela, meu filho, não tivesse eu te observado enquanto se sentava todos os dias naquele banco, a encarar esta porta pela qual entrou.

Yurgan tentou novamente encará-lo, movido pela surpresa ao saber que o homem já o havia notado, mas, novamente, foi impelido a baixar a cabeça.

— Não costumo perder muito de meu tempo de frente para a janela como um destes velhos que gostam de saber da vida alheia. — Ele riu. — Mas, pelo menos uma vez por dia, na última semana, sentia algo a atrair meus pés em direção a ela e, para minha surpresa, toda vez que isso acontecia, lá estava você, sentado naquele banco. Admito que pensava, até hoje, se tratar de um mendigo. Estava sujo como um. Seus ombros estavam desgraçadamente curvados, como se cedessem sob o peso de mil pecados e era quase como se a luz de Atos não conseguisse te alcançar.

O homem guiou o jovem pelo corredor entre os bancos. As paredes internas da capela eram revestidas de reboco branco e, por toda a sua extensão, quadros de madeira entalhada contavam a história do santo peregrino, Atos, em sua caminhada.

No altar, as duas estátuas se erguiam, lado a lado.

Enquanto Atos era representado como um homem de rosto hirsuto, sempre a levitar, como se alçasse aos céus, Austra parecia uma mulher sisuda e de corpo atlético de guerreira, portando em uma mão uma balança enquanto na outra, empunhava uma espada. O rosto era coberto por uma venda e sua expressão era impassível. Yurgan encarava a obra de arte, idêntica à que havia em Schotsthala, o bastião da ordem, enquanto caminhava.

Os passos que o separavam da estátua de sua padroeira pareceram se tornar mais dificultosos à medida que se aproximava.

— É realmente uma obra magnífica, não? — O sacerdote perguntou, tirando Yurgan de seu devaneio e fazendo-lhe perceber que, em certo momento, havia estacado no meio da igreja. — Sabe quem foi Santa Austra?

Yurgan sorriu para o homem.

— É a padroeira da justiça. Rege os tribunais, juízes e contratos, além daqueles que buscam a defesa da verdade e do que é reto. De certo modo, é regente também da vingança. Porém, esta última é uma faceta à qual os homens tendem a buscar quando têm seus corações repletos de ódio, sem entender seus princípios, portanto, tem alguns anos que a igreja baniu a vingança das atribuições de Austra. — respondeu em uma voz comedida.

A Chama de UrunirTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang