Capítulo 8 - Guerra

38 7 6
                                    

Austra, capital de Yogratax...

Quarto mês, 2.999...

O príncipe olhava para a mesa bagunçada, repleta de pergaminhos abertos, mapas, instruções, cartas amigas, cartas inimigas. Passou a mão pela bochecha, levando-a até os cabelos escuros que lhe caíam em leves ondas pelos lados do rosto, e ali a deixou, apoiando a cabeça. Um gesto que contava sobre a exaustão que vinha sentindo. Estava tão distraído que se sobressaltou ao ouvir a voz familiar à porta.

— Devia descansar um pouco. Ou... talvez, antes disso, achar uma boa mulher, caridosa e nada exigente que lhe aceite em sua cama. Quem sabe assim, você consiga se distrair, ter um bom momento, e...

— Gauargi! Ótimos conselhos, como sempre. — interrompeu o príncipe, sentindo-se cansado.

— Sim, poderia afirmar que você é um tolo por não me ouvir. — o jovem se aproximou e apoiou-se casualmente no espaldar da cadeira vaga, em frente à mesa. — Mas não o farei. Contudo, você realmente deveria descansar, não servirá para muita coisa exausto como está. Sei que já olhou uma centena de vezes as respostas que recebeu, de todas as cartas que mandou pedindo informações sobre uma garotinha ruiva, de olhos verdes, com pequenas sardas salpicadas pelo rosto e uma mancha em forma chama nas costas.

O príncipe inspirou fundo e esfregou o rosto com as duas mãos antes de se dirigir ao amigo que lhe olhava com certa preocupação.

— Se a encontrássemos, daríamos um fim a esta guerra, sei disso! Meu pai pode ter desistido e se deixado levar por seu orgulho ferido, diante de tudo que ouviu, mas eu sei... — um breve silêncio se abateu sobre a sala, antes que o príncipe continuasse. — Eu temo que o rei Aylard esteja afundado em sua amargura e cercado de péssimos conselheiros, e que nada o faria encontrar a razão a não ser sua filha. Consigo lembrar apenas de uma frase dita por ele, no último encontro que estive presente, 'a Chama de Urunir se foi'. Era como se referia à Alynor. Ele irá continuar com os ataques até que acabe com todos nós ou até que seu próprio reino seja destruído. Meu pai não ficará apenas vendo Urunir atacar. No momento, podemos estar na retaguarda, apenas nos defendendo, mas logo nossos ataques começarão.

— Eu entendo, meu amigo. Contudo, nesse momento, minha preocupação com você é maior. Venha, vamos ao menos fazer uma boa refeição. Seu pai já está aflito o suficiente com a situação do ataque, não quer preocupá-lo ainda mais ficando doente. — ao ver que o príncipe se levantava, o jovem sorriu e passou seu braço ao redor do ombro do amigo. — Isso! Vamos lá. Aproveite que Eveline não está aqui para requerer toda sua atenção. Quem sabe encontremos uma servente ruiva com o rosto salpicado de sardas que não seja exigente...

A frase foi interrompida pelo bufar irritado do príncipe, que se livrou do braço do amigo e seguiu na frente.

— É... muito cedo. — lamentou, Gauargi.

O príncipe ainda era fiel à promessa que fizera quando criança e sua procura pela princesa Alynor continuava, ainda que, nos últimos anos, a busca não fosse prioridade, ficando em segundo, talvez terceiro plano e isso o acertou em cheio, quando a guerra estourou. Sentia-se culpado por ter negligenciado sua busca. Gauargi sabia da promessa, sabia de todos os acontecimentos, pois ele havia estado ao lado do amigo desde o início. Fora um dos que ajudou Tristan a montar a armadilha e também ficou ao lado do príncipe na hora de receber o castigo, quando todos os outros se haviam escondido. O futuro conde de Urda era o melhor amigo de Tristan e ele mesmo havia conduzido algumas investigações sobre o paradeiro da princesa, quando seu amigo pareceu priorizar outras coisas em sua vida. Essas investigações haviam parado há algum tempo e o jovem também se sentia culpado por isso. Talvez, apenas houvesse aceitado que a princesa realmente estava perdida para sempre, por isso, deixara de lado as investigações que fazia. Precisavam focar em ajudar o reino de alguma maneira e ele não sabia se retomar as investigações ajudaria ou não. Enquanto isso, o jovem zelaria pela saúde do príncipe, assim como auxiliaria no que fosse necessário durante o conflito.

Tristan seguiu até a cozinha, estava vazia naquela hora, era tarde, mas as cozinheiras haviam deixado seu prato guardado. Ele comeu, mesmo sem apetite.

— Tristan, que bom que o encontrei! — a voz de Tarquin, firme e muito semelhante a própria voz do príncipe herdeiro, preencheu o aposento, parecendo muito alta. — Vou partir ao amanhecer para escoltar nossa mãe até a Pradaria. Não sei quanto tempo vou ficar fora, então queria me despedir.

Tristan levantou-se e deu um abraço no irmão mais novo.

— Proteja nossa mãe e cuide-se! Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para findar esse conflito.

Tarquin olhou para o chão e mirou as pontas das próprias botas.

— Acha que há chance? De findar a guerra sem maiores danos? Acha que vai conseguir encontrar Alynor? — sua voz estava vacilante. Não gostava de tocar no tema, pois sentia-se culpado por negligenciar o assunto nos anos que se passaram.

— Ah, ele não perde as esperanças, Tarquin! Não se preocupe. Provavelmente, serei eu a encontrar a bela prometida de seu irmão. Salvarei o dia, como sempre! — Gauargi tentou amenizar o clima que se instalara no ambiente.

Tarquin sorriu.

— Espero que consiga. — estendeu a mão para o jovem ruivo e a apertou, se despedindo e partindo em seguida.

Um momento de silêncio se fez quando o mais jovem se retirou. Tristan tomou seu lugar na mesa longa de madeira clara e Gauargi caminhou até o outro lado, sentando-se de frente para o amigo.

— Peço desculpas pelas troças, mas não sei como lidar com toda essa situação. É algo que nunca esperei presenciar, um conflito desta proporção entre Yogratax e Urunir.

— Eu entendo. Assim como eu terei que relevar seus deboches, você terá que relevar minhas reações imediatas a eles. Assim é a vida! — ambos sorriram e mais um momento de silêncio se seguiu. — Amanhã rumarei para oeste, para verificar os vilarejos e cidades que podem ser afetados pelas batalhas. Vamos evacuar todos. Não sei como meu pai planeja lidar com tudo isso. Ainda que houvesse tensão, ele foi pego totalmente de surpresa. Jamais imaginou que Urunir fosse fazer um ataque. Desde que eles conseguiram passar despercebidos e atacaram diretamente a capital, eu tenho pensado nisso. Por quê? Depois de tanto tempo.

— Péssimos conselheiros. Péssimas decisões. — filosofou Gauargi. — Não era você que simpatizava com o conselheiro mais jovem, o excepcional Adrik Molferath?

— Talvez ele seja minoria. Ele parecia ser sábio, principalmente para a idade. Me senti muito estúpido conversando com ele, naquela ocasião, em Campolina.

— Talvez ele não seja grandes coisas e você, seja, realmente, estúpido. — provocou o ruivo.

Tristan o ignorou e voltou a atenção ao prato de comida, o remexeu mais do que comeu. Era impossível ter apetite.

— Seu pai não me designou para qualquer local, então vou seguir com você amanhã. — complementou Gauargi.

O príncipe fez um gesto afirmativo com a cabeça e continuou sua tentativa de se alimentar.

A Chama de UrunirWhere stories live. Discover now