Capítulo 5 - Fadas - parte 2

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As jovens se encontraram em um beco que ficava entre duas casinhas de tijolinhos de argila.

— Conseguiu a agulha? — Maxine perguntou, baixinho, depois de observar os arredores.

Victoria tirou uma de suas ampolas de dentro de uma pequena algibeira e expôs, orgulhosa, a finíssima agulha brilhante que havia guardado dentro dela. Ela havia enrolado um dos antebraços em ataduras. Um preparo para a pantomima que viria mais adiante.

— Afinal de contas, por que carrega essas coisas? — Maxine ergueu uma das sobrancelhas, se referindo às ampolas de vidro.

Victoria cobriu a boca para soltar um risinho.

— Uma mania que adquiri quando estava em Lorcan. — ela abriu a algibeira, mostrando à amiga, várias quinquilharias das quais Maxine nem mesmo imaginava o uso. — É melhor estar sempre preparada para colher amostras, fazer testes, macerar alguma erva ou outro componente que pode ser utilizado para algum ritual ou mágica... enfim. Melhor ter e não precisar, do que precisar e não ter.

Maxine anuiu, concordando, em partes. Mais espaço vazio em uma algibeira também poderia se mostrar muito útil, além, é claro, de não possuir peso e não atrapalhar na hora de correr ou perseguir uma caça.

As duas seguiram para as proximidades da lojinha suspeita de Perin. Yurgan já esperava, impaciente, recostado a uma parede e Callon, já vinha na direção do grupo, saindo, sorrateiramente, de uma ruela.

— Não precisávamos ter nos separado. Afinal, tanto no boticário, como alfaiataria, podíamos ter encontrado a marca. — disse Yurgan, claramente constrangido por não ter pensado em tamanha obviedade.

O rapaz possuía uma mente pragmática e uma linha de pensamento reta e cinzenta, geralmente, escolhendo os caminhos mais óbvios e racionais para a resolução de problemas.

— É verdade! Nem mesmo pensamos nisso. — disse Victoria, dissimulando e recebendo um franzir de cenho do irmão em resposta.

— Bem, vamos lá ver se o desgraçado baixa o preço ou faz alguma outra proposta. — Callon liderou a volta à loja.

A sineta tocou e o vendedor, que estampava no rosto o seu costumeiro sorriso cínico, já estava a postos no balcão. O topo de sua cabeça parecia ainda mais liso do que anteriormente, o que fazia Maxine se perguntar se ele a havia polido. Imaginar a cena arrancou dela uma risadinha interna, a qual se esforçou para não externar.

— Voltaram! Que alegria. Como posso ajudá-los?

Naquele momento, como instruído, Victoria deixou à mostra, bem ao lado de seu irmão, a bandagem que cobria o braço e, então, se adiantou para entregar um frasco ao vendedor.

— Mas o que você está fazendo? Enlouqueceu?! — Yurgan se exaltou ao perceber a bandagem.

Por um momento, Maxine pensou que pudesse ter sido uma péssima ideia.

— O sangue é meu! E, se isso contribuir para que possamos resolver toda a situação, por que não? — Victoria deu de ombros.

— Isso é uma estupidez! Você não sabe o que ele pode fazer com o seu sangue! — continuou Yurgan, franzindo a boca em uma linha fina. A maxila se apertava constantemente..

— Tudo bem, eu me responsabilizo. — retrucou Victoria.

— Como se isso servisse de algo! De que adianta se responsabilizar por alguma coisa se estiver de cama, doente, enquanto alguém faz alguma mandinga com o seu sangue? Como pode ter certeza de que ele não vai vender o sangue da filha do magistrado para qualquer outra pessoa de índole duvidosa? Como pode ser tão inconsequente, Victoria?

O rapaz ainda tentou argumentar algumas vezes, deixando claro, em voz alta, o quanto desconfiava do tal Perin, que ouvia tudo aquilo, divertido. Ao contrário do que era de se pensar, ouvir as duras palavras de Yurgan sobre a sua índole, não parecia lhe deixar ofendido.

— Reitero. Isso é uma estupidez. — até mesmo a voz do rapaz era cinzenta. Mesmo claramente irritado, seu tom se mantinha imutável, como se, constantemente, estivesse argumentando.

Callon e Maxine olharam o colega sair e depois trocaram um olhar esperançoso. A vitória veio quando olharam o vendedor finalmente colocar as mãos no frasco. A expressão de satisfação se fez notável em seu rosto e os jovens respiraram aliviados, sabendo que ele havia comprado sua patuscada.

Victoria, depois de constatar que o negócio seria concretizado, deixou a loja pela porta da fachada, fazendo, novamente, a sineta tocar.

— Bem, vamos aos negócios. — ele girou a fina ampola entre os dedos, esboçando uma breve expressão de satisfação.

Quando os itens solicitados foram entregues, o vendedor seguiu para o fundo de seu estabelecimento, onde os jovens o perderam de vista. Poucos minutos depois, ele voltou, trazendo uma pequena garrafa transparente, redonda, com um líquido viscoso no qual a agulha flutuava.

— Aqui está o que precisam. A agulha vai funcionar como a de uma bússola. Ela vai apontar para aquele que possuir os resquícios da marca que me trouxeram.

Callon levou a mão até o recipiente e, depois de pegá-lo, girou-o em frente aos olhos, percebendo a maneira como a agulha girava junto com o líquido por alguns momentos e, depois, parecia escolher uma direção específica para a qual apontar.

Ao saírem da loja, os dois notaram que a discussão ainda seguia.

— Eu sabia que era uma má ideia. Não deveríamos nos ter envolvido em tamanha estupidez... — dizia Yurgan, quando foi interrompido pelo elfo e a jovem ruiva.

— Bem, podemos nos preparar. Já temos o equipamento necessário. — Callon nem terminara a frase quando foi fuzilado pelo olhar cinzento e furioso de Yurgan, que apertou o maxilar e se afastou.

— Para onde ele vai? — sussurrou o elfo para Maxine.

A jovem apenas deu de ombros e seguiu o rapaz.

— De qualquer forma, está muito tarde para começarmos qualquer missão. Infelizmente, nem todos conseguem enxergar na escuridão da noite. — disse ela.

— Deveras. Uma lástima! — Callon havia apressado o passo para acompanhá-la. — Mas devo dizer que, enxergar sob o manto da penumbra é muito mais interessante. — deu uma piscadela.

— E qual a diferença?

— Bom, enxergar na escuridão total serviria apenas para criaturas que, normalmente, vivem em cavernas subterrâneas onde a luz do sol ou de Candra jamais chega, como os anões em seus túneis, por exemplo. O que pode parecer interessante, mas, vem com uma desvantagem. — ele piscou as pálpebras, evidenciando um par de cílios muito longos. — Quando um anão está em completa escuridão, apesar de conseguir distinguir formas e profundidade com precisão, perde completamente a capacidade para a distinção de cores. Enquanto nós, elfos, podemos distinguir uma miríade completa delas, tendo apenas as estrelas como fontes de luz.

— Mas são cegos como humanos quando estão na escuridão total. — Maxine desdenhou.

— Cara Maxine, acenda uma vela a um canto de um cômodo banhado em escuridão e ela será tomada pela penumbra. Neste momento, um anão estará tão cego quanto um humano. — ali estava a característica arrogância e superioridade, tão famigerada nos elfos provindos da distante cidade de Zinfandel.

— Então, com um sopro, o anão voltaria a ter vantagem? — Maxine soou provocativa enquanto caminhava e deixava um Callon parado no meio da ruela pela qual seguiam. — Bom sono, Callon. Durma bem.

O jovem elfo suspirou, mas, como que para não se rebaixar a uma discussão que, provavelmente se estenderia noite adentro, balançou a cabeça em uma negativa e se virou para Victoria, ensaiando um floreio galante que foi repelido por um Yurgan irritado.

— Nos encontramos no Colho pela manhã, logo que o sol raiar. — gritou Maxine, do fim da ruela.

E assim, o grupo se separou para descansar, em meio a sua primeira missão.

A Chama de UrunirWhere stories live. Discover now