#33 - O Abrigo

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"Houve um lagarto que era a fim de mim. Seu nome era Graxxo. Sempre que eu aparecia na taverna ele vinha oferecer cerveja e conversa fiada. Era muito desagradável. O pior é que ele era um patrulheiro e, quando eu passava uns dias sem ir na taverna, ele acabava me achando. Só depois de um bom tempo é que entendi a sua obsessão por mim. Ele era devoto de Ionumajmazet. Eu devia ter desconfiado daqueles braceletes de prata. Finos, quase pulseiras. Por algum motivo, na cabeça doida de Graxxo, eu tinha alguma semelhança com a deusa que assume forma élfica, a deusa dracena de cabelos prateados, vaidosa e ambiciosa. Não sei o que aconteceu com ele. Faz décadas que não o vejo. Dada a curta vida dos lagartos, provavelmente já se foi. Não me arrependo por isso, mas não foi dessa vez que eu me envolvi romanticamente com alguém."


-- Então você também sabe curar... -- Wolfgar fala com o gnomo.

-- Claro que sabe! Ele é clérigo! -- Ezelius não resiste em entrar na conversa.

-- Tem clérigo que não sabe.

-- Tem: os de mentira.

-- Ei, por que não param com isso? -- Neriom pergunta, incomodado. -- E por que a gente está parado mesmo?

-- Os batedores estão procurando um lugar bom para passarmos a noite. -- All Thorn responde. -- Precisamos descansar.

-- Batedor? Mas batedor não é ele? -- O gnomo pergunta, apontando para o anão.

-- É, ele é o batedor e eu sou o fritador. -- Ezelius fala, sorrindo.

-- Deixa ele. Ele não domina jorneikanto ainda. -- O paladino pede, em socorro do gnomo.

De um jeito ou de outro eles param, mas Neriom continua por perto do paladino.

-- Batedores... Batedores, pequeno, são os que vão na frente da tropa estudar o caminho e os inimigos antes do embate.

-- Ah, vanguarda!

-- Parecido com isso.

-- Vanguarda é parecido com a gente conhecer. Wanpwardo.

-- Interessante. Olhe, já estão voltando.

-- Encontramos um canto. -- Haseid fala, animado.

-- Mas temos que partir logo. -- Sharon completa. -- Precisamos fazer alguns ajustes antes de descansarmos.

Atendendo ao pedido, o grupo segue aqueles dois. O tal refúgio não estava tão perto quanto alguns pensavam e eles caminham por quase meia hora.

Enfim, chegam a um pequeno morro, com algumas árvores mais grossas por perto.

-- Vamos fechar o acesso entre as árvores e fazer a parede que temos por essas pedras do morro continuar e formar um "U".

-- É, Haseid, acho que vai servir. -- All Thorn responde.

-- Vamos logo. Precisam de ajuda? -- Takeshi se prontifica. -- Posso fazer o quê pra ajudar?

Instruções são passadas e o grupo se divide. Enquanto os mais fortes fazem os ajustes no abrigo, os outros se ocupam de preparar a refeição. Após mais meia hora, eles estão sentados como se estivessem em volta de uma fogueira, mas não há fogueira. Eles comem frutas e comida de viagem.

-- Espero que os meus nobres amigos apreciem esta modesta comida. Infelizmente não era seguro acendermos uma fogueira por aqui.

Takeshi olha pra Haseid e lhe responde com tranquilidade:

-- Por mim, sem problema.

Ezelius se aproxima de Sharon.

-- Vá descansar primeiro, eu cuido do primeiro turno.

-- Tem certeza? Eu posso vigiar antes, como sempre.

-- Nada, vá lá! Você e o Ild. Eu vigio sozinho. Ainda estou carregado, se precisar usar magia.

-- Entendi.

-- Vocês precisam de ajuda na guarda do abrigo? -- O espadachim pergunta, prestativo.

-- Não. -- All Thorn é quem responde. -- Em situações normais, os elfos se revezam nesse trabalho.

-- Então tudo bem.

Terminada a refeição, Sharon faz uns gestos místicos com o arco na mão enquanto caminha pelo abrigo. Ergue-o por um tempo, concentrada. Enfim, relaxa e se senta.

-- O que foi isso? -- Neriom pergunta.

-- É uma habilidade do Açor Real. Eu ativei um alarme e qualquer criatura que entrar no nosso abrigo vai dispará-lo.

-- Hmmm... E leva um choque?

-- Haha, não, pequeno. Ezelius, Ild e eu receberemos uma mensagem mental. Só isso.

-- Entendi. E por que só vocês três?

-- Porque só nós três que costumamos ficar de vigia.

-- Ah, eu queria ver como é esse alarme!

-- Tá bem, da próxima vez eu te incluo. Agora, preciso descansar.

-- Bora.

Ele se deita perto da amiga, que sorri se lembrando dos tempos de escravidão há nem tanto tempo assim.

Seu sono é tranquilo e ela acorda com o feiticeiro tocando o seu braço.

-- Tudo calmo por enquanto. Agora é com você.

-- Tudo bem. -- A elfa responde. -- Vá descansar que eu assumo daqui.

Ela olho o gnomo dormindo de barriga pra cima, com o chapéu na cabeça. Pega seu arco e vai para perto da entrada, a dois ou três passos da passagem única para o mundo fora daquele abrigo.

Coberta com sua armadura de sombras, sem soltar o arco, Sharon deixa seu olhar pousado naquela passagem. Já plenamente recuperada, afinal os elfos precisam repousar tão pouco por dia, ela divide a atenção entre aquela passagem e os seus próprios pensamentos.

Aquele confronto nos portões já teria acabado? Haveria forças para amanhã? O que isso contribuiria ou atrapalharia? As horas se passam e ela divaga, formulando parágrafos inteiros sobre os acontecimentos recentes e sobre temas que julga serem importantes de se registrar. Ao amanhecer, com o grupo desperto, Sharon pega seu grimório e anota os registros pensados.

Após a refeição, eles partem. 

As Sementes do Mundo InferiorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora