#20 - Entedidados

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"Já pude ler alguns pesquisadores falando sobre a origem da maldade e da bondade. É comum que o assunto termine chegando nos deuses reais. Há quem atribua a criação das espécies a deuses específicos. Ou a sua corrupção ou seu alinhamento. Assim é dito como anões, apesar da ganância e impulsividade, tendem a ser bons. Elfos tendem a não interferir em assuntos, ficando neutros. Orcos, gigantes e lagartos tendem a ser malignos. É interessante pensar em como essa maldade é percebida. Os lagartos, por exemplo, não me parecem ter intenção de fazer o mal pelo mal. Só não tem empatia. Tem dificuldade para perceber o sofrimento dos outros e isso é assim até entre os da mesma espécie. Talvez por isso bardos lagartos sejam tão marcantes. A arte ajuda a superar essa insensibilidade e os que conseguem são quase como quem ascendeu."


Um bom tempo já havia se passado e os barcos estavam mais próximos. Os que vinham do porto e o que vinha à frente. Usando o Açor Real, que é capaz de aproximar a visão como uma pequena luneta, Sharon começava a ver mais detalhes sobre eles.

– Estão armados de canhões. Parecem mesmo embarcações da rainha.

– Droga. – Toró comenta, ainda do mesmo lugar de comando da Estrela de Pedra. – Já esperava por isso, mas "droga" mesmo assim.

– E o que faremos? – Rosa, que estava ali perto, pergunta.

– Vamos ter que enfrentá-los para sobreviver, ué!

– Mas não temos chance. Só temos um canhão e eles são vários!

– Seis. – Sharon corrige.

– Mesmo assim.

– Rosa, sabe que pode confiar em mim. E você também, elfa! Se estiver assustada, posso te emprestar um pouco de coragem. Estou mais que acostumado a fazer isso pela minha tripulação, hahaha!

Aquele riso simpático e confiante quase distraiu Sharon, mas ela precisava falar sobre o que mais havia visto.

– Toró, o outro navio não é da marinha.

– E isso é bom? Quer dizer, ruim não é, mas já faz ideia do que pode significar exatamente?

– Ainda não. Deve ser um pirata ou mercador. Pelo tamanho dos membros da tripulação, são de povos diferentes, como aqui. Não vi nenhum que pareça oganter ainda.

– Tamanho dos membros... Dos membros...

– Algum problema?

– Não, só me distraí. Tenta descobrir mais sobre eles pra podermos ajustar melhor nossas expectativas. Onde está o Blugs?

– Não faço ideia. – Rosa responde.

– Deve ter se escondido de novo. – A orquina responde, chegando perto do círculo de conversa.

– E por quê?

– Coisa dele. Pensa que se não souberem que ele está aqui, ele consegue escapar mais fácil.

– Eu vi o goblin indo pro dormitório. – Neriom se juntava também.

– Toró – A orquina fala em tom sério, olhando para o seu capitão – Se eles estão atrás dos dois fugitivos, devíamos negociar entregar eles. Não precisamos de mais problemas!

– Nargol, olha o que está sugerindo. Sabe que não vou fazer isso.

– Devia. Não se pode confiar em elfos, principalmente nos da superfície. – Ela fala e caminha para o outro lado do barco, quase atropelando o gnomo.

– Liga não, elfa. Ela é assim mesmo, mas não morde.

Sharon vai até a proa com seu amigo por perto.

– É, gigante. Os piratas não gostam de nós.

– Talvez, mas sinto que dá pra confiar em Toró. Enquanto ele estiver no comando, estamos seguros.

– Sei... E se a gente tiver perigo?

– A gente dá um jeito.

– Sharon, já foi marinheira?

– Não. Por que a pergunta?

– Você fez tanta coisa e viajou por tanto lugar. Podia ter sido marinheira também.

– É, talvez... Olha, já dá pra ver o fim do mar do Porto.

– Onde?

– Lá na frente, dá pra ver a lava.

– Verdade. Aqui era bom, mas é melhor estar em casa. Ou conhecendo mais lugares.

– Você gostaria de viajar mais por aí?

– Com certeza, gigante! Pra você nem faz falta, mas tenho tanta coisa conhecer!

Sharon observa pensativa. Seu amigo gnomo olha tudo entediado. Ora fita o navio à frente, ora os de trás, ora tenta acompanhar a tripulação, mas nada lhe distrai por tempo suficiente.

– Sharon?

– Fala, pequeno.

– O que você costuma fazer pra passatempo?

– Como assim?

– Você viaja em muita aventura, mas aventura não é toda hora.

– Isso é verdade. Acho que te entendo. Como você fazia enquanto cuidava dos cogumelos?

– Ah, a gente cuida de verdade, não pode se distrair senão aparece ladrão de plantação!

– Mas você nunca se entediava fazendo isso?

– Eu entendia bem de cogumelo! Aprendi com meus pais!

Sharon olha para ele e sorri de sua confusão. Então volta a observar os navios com o poder do arco.

– Certo, a gente sempre tem coisas pra fazer. Ficar de vigília, buscar comida, descansar... Quando não tenho o que fazer, eu escrevo.

– Você escreve? Sério?

– Sim, em um diário que fiz em um grimório mágico.

– Nossa! Você também é maga!?

– Ainda não... – De repente algo chama sua atenção naquele navio distante. – Espere um pouco! Tem um cavalo no navio!

– Um cavalo?! E o que faz um cavalo debaixo da terra?

– Espera, espera! Não é só um cavalo! Eu conheço esse cavalo! Aquele navio está com o meu grupo!

As Sementes do Mundo InferiorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora