#26 - Um Gnomo Enturmado

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"Não era a primeira vez que eu andava sozinha pelas matas em Mitronus. Era uma das poucas florestas daquele reino. Já se passavam dois dias quando ouvi uma canção élfica e decidi investigar. O som me levou até uma caverna. Na entrada, uma elfa meditava e entoava aquilo como um mantra. Fiquei observando por um tempo e, quando saiu do transe, ela já sabia que eu estava ali e há quanto tempo. Ela se chamava Zylceran e aquela caverna era seu lar. Uma caverna curta, ela garantia. Tornamo-nos grandes amigas naqueles tempos. Quando eu me cansava das ruas de Migluik, eu ia passar um tempo com minha amiga da caverna. Ela era calma, talentosa e trocava comigo conhecimentos sobre a Natureza. O mais estranho sobre ela é que era clériga de Roko, o deus preferido dos anões. Mas quem sou eu para criticar isso?"


-- Então, baixinho -- Wolfgar fala com Neriom --, você também é morador das minas?

-- Sou sim. E é engraçado você me chamar de baixinho. Você é maior do que eu, mas nem é tão grande assim.

-- Ha ha ha! Você é divertido!

-- É, não é? -- Haseid não resiste e entra na conversa também. -- Parece um brinquedinho de chapéu branco!

-- Ei, eu não brinquedo!

-- Me lembrei de uma música, anão, não sei se você conhece.

-- Manda!

"No meio da terra escondido
Onde nem se vê o céu
Tinha um monte de cogumelos
Cada qual com seu chapéu!"

Ele faz uma longa pausa, até Wolfgar cobrar.

-- E aí? Como continua?

-- Lembro mais não.

-- Pensei que falasse de gnomos, mas são cogumelos!

-- Ah, sei lá! E que música você lembra mais pra gente cantar?

Neriom deixa os dois discutindo e dá uma volta pelo navio. Encontra o monge sentado, como se meditasse, e se senta ao seu lado.

-- Oi? -- o elfo abre os olhos e o encara -- Precisando de alguma coisa?

-- Não, só cansei de música por enquanto. Quer dizer, com cerveja ainda fica bom de novo.

-- Eu entendo você.

-- A Sharon disse que eram um patrulheiro e um bárbaro, não disse que eram bardos. Ou ela disse bardo e eu entendi bárbaro?

-- Haha. Não, eles não são bardos. Até onde eu sei, eles não tocam nenhum instrumento.

-- Mas não pode ser sem tocar?

-- Eles não tem estudo de música. A magia dos bardos é fruto de talento e estudo. E treino, como para tudo.

-- Entendi. E por que eles cantam tanto?

-- Chamam isso de música de trabalho. Ajuda a passar o tempo quando se tem trabalho repetitivo ou entendiante para fazer. Navegar é um trabalho naturalmente entediante, quando se passa semanas sem ver ninguém além da tripulação.

-- Vocês estão viajando há tanto tempo assim?

-- Não, só um pouco. Os dois já foram piratas, pegaram o costume.

-- Sei... E você faz o quê agora?

-- Estou meditando. Aqueles dois cuidam bem do navio.

-- Sei... -- Neriom abaixa a cabeça e então se dá conta de que pode estar sendo inconveniente naquele instante. -- Sabe o quê? Vou procurar minha amiga pra conversar umas coisas.

-- Pode ir. Ela está lá em cima.

-- É. Até depois.

-- Até.

O gnomo se levanta e vai até o mastro. Os degraus, fixados em lados opostos, são meio espaçados demais para ele, mas ele sobe mesmo assim, sem nem se preocupar em como fará pra descer depois.

-- Sharon?

-- Oi, pequeno.

-- Como está aqui?

-- Está bom. Olha a ilha lá. Estamos quase chegando.

-- É? Que bom! Não achou ruim o paladino mandar você aqui?

-- Hahaha! Não, pequeno, ele não mandou. Ele sugeriu e eu gosto daqui. Por que pergunta? Ele mandou você vir?

-- Não. Na verdade... Eu disse que ia fazer companhia a ele, mas cansei e ele disse que eu desse uma volta.

-- Entendi.

-- Ele parece bem mandão. Queria ter um pouco daquele cogumelo.

-- Pra quê, Neriom? Ele é legal!

-- Eu sei que ele é legal, mas ele é muito sério! Queria só ver a cara dele se ele passasse por isso. Ia ser engraçado!

A elfa faz sinal de negação com a cabeça, imaginando as possíveis consequências dessa traquinagem.

-- Você vai ver! Quando achar outro, eu faço só pra ver no que acontece!

-- Você que sabe.

-- Me diz uma coisa: você tá com medo?

-- De quê?

-- A gente ia embora mas agora tá voltando. E pra enfrentar aquela rainha poderosa lá, ainda mais.

-- Medo não. Eu não queria voltar lá tão cedo, mas no fim vai ser uma chance de a gente se vingar. Quem sabe, depois disso não tenha mais ninguém fazendo trabalho escravo naquele lugar.

-- Seria mesmo bom. -- Ele olha ao redor pensativo -- Vou descer agora pra ver se o paladino precisa de ajuda.

-- Tá certo. Precisa de ajuda?

-- Pra quê? Pra descer? Eu desço sim!

O gnomo segue, pé após pé, descendo de toda aquela altura. Em pouco tempo eles chegariam naquela ilha para tentar cumprir a missão prometida ao dragão aprisionado. 

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