#02 - Ingressos Comparados

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"All Thorn, o paladino humano da ordem de Suno Brilhante, é quem lidera nosso grupo. Vivemos muitas aventuras juntos e já salvamos a vida um do outro incontáveis vezes. Aquela parecia ser apenas mais uma dessas ocasiões, acontece que Ic'tlun, o ogânter feiticeiro, conseguiu me pegar. Poucos dias de escuridão depois, estava sendo negociada em um salão. Não sei os detalhes da negociação ou se era de fato uma negociação. Acontece que me vendaram e me levaram para trabalhar numa mina. Uma elfa com boa formação — se descontarmos os anos em que vivi nas ruas — tendo que fazer trabalho braçal em troca de morada e alimento. Patético, mas não havia como escapar. Naquela ocasião, eu pensava no que All Thorn, Ezelius, Ild, Wolfgar e Haseid estariam fazendo enquanto eu estava presa."


O dia amanheceu naquela mina estranha e, ainda tudo escuro — afinal só mediam o dia e a noite pelas horas de dormir e despertar, crendo que os guardas seguiam uma rotina assim em suas vidas pessoais —, começa novamente o trabalho.

Neriom foi mandado para algum canto distante e Sharon se sentia aflita pela possibilidade de ter perdido o primeiro amigo após tanto tempo presa. O fato de poder conversar com ele já era o suficiente para que fosse promovido a esse status de amigo.

Avançaram um pouco naquela parede e, para sua alegria, à tarde Sharon foi levada para outro corredor, de onde podia ver seu pequeno amigo trabalhando desastradamente ao longe e ganhando chicotadas como recompensa.

Ela pensava no quanto eram difíceis os primeiros dias. Hoje não passa uma semana em que não receba algumas chicotadas, mas no começo é muito pior. Ela lamentava não ter dado algumas dicas que talvez tivessem livrado Neriom de uma ou duas daquelas chicotadas.

Na verdade ele não era o único novato. Havia alguns efanos espalhados. Aqueles sujeitos de cara estranha e pés silenciosos. Ao longe, a mulher-lagarto eventualmente espiava a Sharon ou o Neriom e fazia que não com a cabeça. Mas continuava seu trabalho.

Enfim, tudo acabou por aquele dia e eles foram levados pelos guardas grandes e descoloridos para suas selas.

Ogânteres traziam à Sharon uma boa recordação de seu amigo Haseid, mas eles eram bem diferentes. Sharon sorri ao pensar no que seu amigo teria dito sobre essas diferenças: "Eles não têm o mesmo charme".

Os três foram novamente levados àquela sela. Havia três tigelas dessa vez. A nova — modo de dizer, pois parecia bastante usada também — trazia uma pasta cinza e algumas cabeças de cogumelo. Era a ração do gnomo.

– Como foi seu primeiro dia?

– Cansativo. Deram muito dinheiro, como chama? Chicote! Quem é o vendedor que eu reclamo?

– Você quis dizer gerente? Ha ha ha... Você é engraçado.

– Sharon, um dia você me mostra a natureza lá de cima?

– Claro! Por que não?

– Eu estou realizando um sonho.

– Você sonhava ser escravo?

– Claro que não! É banana dizer isso. – Neriom fala, procurando as melhores palavras. – Eu ouvi o chamado da deusa.

– Mara?

– Kreskajia. A deusa da natureza! Ela me chama em meus sonhos há anos e ela gosta de mim. Ela pede que eu seja suas palmas.

– Não seriam mãos?

– Sim, suas mãos! Eu quero entender esse pedido. Eu preciso. Poucas criaturas são tão florestais como os elfos, é o que dizem. Conhecer você é mesmo muito bom.

– Sei. – Sharon tenta demonstrar indiferença, mas no fundo foi tocada por aquelas palavras. – Neriom? Como você veio parar aqui?

– Ah, eu vim porque quis. Pro reinado, pelo menos.

– Você vai ter que me contar essa história!

– Claro! É assim...

– Pena não termos bebida.

– Você bebe?

– Claro! Uma cerveja anã iria muito bem!

– Eu quero blugon.

– Blugon? O que é isso?

– Você não conhece? Você adorar muito! Como eu dizia, eu fui chamado pela deusa. Quando eu saber que no meio do Mar de Fogo havia uma terra com praia e floresta eu fiz de tudo pra vir pra cá. Paguei um marinheiro e ele prometeu me trazer em segurança. Gastei tudo que eu tinha nessa viagem.

– Mas deu certo? Conseguiu conhecer a floresta?

– Não. O capitão cumpriu com acordo, ele me trouxe em segurança. Mas quando chegou no Porto do Rei Pirata, ele vendeu Neriom para trabalhar em mina.

– Não acredito.

– Não mentiroso!

– É só modo de dizer, Neriom.

– Ah, entendi. E Sharon? Como parou aqui?

– Minha história é bem diferente. Eu estava em uma missão com meus companheiros. Na cidade do Lago Ardente, fomos recebidos por um grupo de capangas e tivermos que enfrentá-los.

– Enfrentar? E você luta?

– Luto sim! Sou uma excelente arqueira.

– Então é verdade que os elfos são todos bons arqueiros...

– Nem todos, mas eu sou.

– E como foi lá no Lago Ardente?

– Certo, enfrentamos aquele bando e a luta estava muito difícil. All Thorn estava para ser morto, mas eu consegui arrastá-lo e salvar sua vida. O feiticeiro deles ficou com muita raiva e me trouxe pra cá.

– Nossa! E esse All Thorn? É seu namorado?

– Ha ha ha ha! Não, é um amigo, faz parte do grupo. ele é humano. Um paladino.

– Paladino? Com cavalo e tudo?

– Com cavalo e tudo. Um cavalo muito especial também.

A mulher-lagarto olha com raiva para os dois e eles resolvem deixar o resto da conversa para outro dia. Ainda teriam bastante tempo juntos, afinal.

As Sementes do Mundo InferiorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora