— Ela partiu – respondeu secamente Juan.

O jovem começou a organizar a defesa do castelo, não sabia se os vikings viriam saquear Luco de Ástures. Ordenou que batedores fossem enviados para espionar o movimento dos nórdicos e que todos os habitantes da cidade se escondessem nas montanhas próximas, ficando no local apenas os soldados.

Seu desejo de correr atrás de Jamila teve que esperar, ele não podia abandonar sua cidade natal e seu pai.

Três dias depois os batedores retornaram informando que os vikings, após saquearem Gijón, voltaram para o mar, navegando na direção oeste. Nesse dia Dom Iglesias recuperou a consciência e o chamou até seu quarto.

Juan entrou no aposento, padre Paulus estava sentado junto a cabeceira da cama. Dom Iglesias estava deitado, sua face pálida, os lábios contraídos em uma fina linha.

— Aproxime-se Juan – pediu com voz fraca.

O jovem caminhou até a cama e sentou-se na beirada dela.

— Estou morrendo – começou o Duque — Minha esposa e meus netos, onde estão?

— Partiram no dia em que senhor voltou – respondeu Juan.

— Jamila, ela é uma mulher incrível – continuou — casei-me com ela para que meus netos tivessem a companhia da mãe.

— Agradeço senhor – murmurou Juan.

— Ela o ama, o casamento, foi apenas um acordo – disse e tossiu ficando com os lábios sujos de sangue — Eu nunca a toquei.

— Eu sei.

— Depois que Manoel, Madalena e Felipe morreram pensei que minha vida fosse acabar, conhecer seus filhos trouxe alegria novamente para meu mundo – disse com voz apressada — Quando fui informado sobre sua suposta morte pensei muito em sua mãe e em tudo que eu fiz na vida, principalmente minha falta de amor por você.

— Não se esforce, senhor – pediu Juan — Eu não fui um bom filho.

— Deixe-me falar, já me confessei e recebi a extrema unção – pediu pegando na mão de Juan — Sua falha como filho somente refletiu meus erros como pai. Imaginar que você havia falecido causou-me profunda dor e pesar e pedi perdão à sua mãe e a Deus.

Juan se esforçou para impedir que lágrimas aflorassem em seus olhos.

— Quando acordei e padre Paulus me disse que você estava vivo e no castelo, mandei chamá-lo, é a chance que Deus me deu de me redimir – outro acesso de tosse fez o corpo de Dom Iglesias tremer.

Padre Paulus colocou uma caneca em seus lábios e o fez beber água.

— Quero que me perdoe, meu filho – disse com voz entrecortada — Eu sempre o amei, se o afastei de mim foi por você me lembrar muito sua mãe, a quem amei por toda minha vida. Eu o culpei indevidamente, conviver com meus netos me mostrou o quanto eu errei.

— Pai... – murmurou Juan deixando as lágrimas escorrerem livremente pela face.

— Eu me orgulho de você, do homem e guerreiro que se tornou. Depois que eu morrer, procure Jamila, traga-a e aos meus netos de volta, esta terra pertence a vocês – pediu contraindo o rosto de dor.

— Assim o farei – disse segurando as mãos do pai com força.

— Adeus meu filho – disse Dom Iglesias e expirou deixando a cabeça cair para o lado.

Juan pegou seu pulso, mas não sentiu o coração de seu pai. Gentilmente colocou as mãos sobre seus olhos fechando-os.

— Adeus meu pai, eu também o amo – disse com a voz embargada de emoção.

O Duque de Ástures foi enterrado após uma breve cerimônia, ao lado do túmulo de Manoel, Madalena e Felipe.

Durante duas semanas Juan organizou o Ducado, depois partiu para Oviedo deixando-o sob a responsabilidade de Padre Paulus. Por mais que desejasse não adiantava sair atrás de Jamila, ela deveria estar longe demais para alcançá-la.

Por isso ele se apresentou ao rei para informá-lo do falecimento de seu conselheiro mais antigo e do ataque viking.

O rei já estava ciente da incursão bárbara que vinha assolando a costa do reino das Astúrias e que chegara a Alasbuna, que os cristãos chamavam de Lisboa, uma cidade que já fora atacada várias vezes pelo exército real, mas que continuava sob o domínio muçulmano.

— Recebi um pedido de trégua do Emir Abdemarrão – disse o rei quando o recebera em um jardim interno do castelo, após lhe dar condolências pela morte de Dom Iglesias — Ele pede ajuda para combater a incursão viking.

— E o que vossa majestade decidiu? – perguntou Juan.

— Vou enviar uma tropa de cavalaria para demonstrar minha boa-fé, afinal, agora temos um inimigo em comum, se permitirmos que os bárbaros se instalem na Hispânia, como se instalaram na Frísia, teremos dois inimigos para combater – explicou.

— E quem comandará essa tropa? – perguntou o jovem.

— Alguém que você conhece – disse o rei e fez um sinal para um oficial.

O homem abriu uma porta e por ela entrou Dom Rodrigo Alvarez Ibãnhez, o antigo líder da Ordem dos Cavaleiros de São Tiago de Compostela.

— Olá, Juan – disse com um largo sorriso o cavaleiro.

— Acompanhe Dom Rodrigo nessa expedição, quando voltar confirmarei você como o novo Duque de Luco de Ástures – ordenou o rei.

— Sim, majestade – respondeu Juan fazendo uma mesura enquanto o rei voltava para o interior do castelo.

— Como você está Juan? – perguntou Rodrigo.

— Meu pai faleceu, um vassalo dele foi atacado e a cidade de Gijón saqueada, a mulher que amo foi embora com os filhos que acabei de conhecer – respondeu amargurado.

— Tudo faz parte dos desígnios de Deus – respondeu o fidalgo.

— Os muçulmanos chamam de maktub, estava escrito – afirmou dando de ombros enquanto caminhavam pelo jardim.

— Sim, eu conheci alguns muçulmanos durante minha peregrinação – respondeu parando para encarar o jovem — Devo admitir, mudei muito nessa viagem.

— Como assim? – perguntou Juan curioso, Dom Rodrigo sempre fora inflexível com seus ideais.

— Conheci cristão maus, assim como muçulmanos bons, visitei Jerusalém sob controle muçulmano onde impera o respeito às crenças que consideram a cidade sagrada – começou — Depois visitei Roma, onde conheci a corrupção dos religiosos. Em ambas as cidades há homens honestos e desonestos.

— Quer dizer que não deseja mais expulsar os árabes da Hispânia?

— Não, ainda tenho esse sonho, mas acredito que possa existir uma convivência pacífica com quem desejar permanecer na Hispânia sob domínio cristão – respondeu — Por isso aceitei a ordem do rei para comandar a tropa que auxiliará o Emir a combater os bárbaros pagãos, será também uma boa oportunidade para conhecer suas táticas e a força de seu exército.

— Então seremos espiões – constatou o jovem

— Algo do gênero – respondeu Rodrigo piscando um olho — Posso contar com sua ajuda?

— Sim, tenho velhas contas a acertar com um general do Emir e essa parece ser a chance perfeita – rosnou Juan pensando em Jamal.

— Irmão, a vingança nunca é um bom caminho – suspirou Rodrigo.

— Não, mas a justiça é, e é justiça que buscarei contra um homem vil e traidor – respondeu.

— Que assim seja – decidiu o fidalgo — Partiremos amanhã.

Antes do alvorecer Juan galopava com a tropa de cavalaria comandada por Dom Rodrigo, composta de oitenta cavaleiros.

Deveriam se apresentar ao Emir em Córdova o mais rapidamente possível

A GUERREIRA INDOMÁVELWhere stories live. Discover now