'Ange'
-Eu estava... – minha voz falha e eu nem sei o porquê que estou tão abalada desse jeito até porque, o que me importa se Davi guarda a foto de uma mulher em sua gaveta isso nem é da minha conta e nem tem importância!
-Estava o que? – pergunta franzindo a testa parecendo confuso em vez de irritado.
-Eu só estava... arrumando os documentos que me pediu! – digo sentindo o nó aumentar em minha garganta enquanto o sorriso lindo da mulher da fotografia dançava em minha cabeça... ela devia ser muito bonita... hum e daí! Qual é Angela...?
-Bem e já arrumou? – pergunta ele com seu habitual tom arrogante e impaciente.
-Sim! – digo num suspiro com os olhos fixos em sua gravata vermelha... eu não entendo, Davi sai com tantas mulheres lindas e ricas que me fazem parecer uma adolescente desleixada e isso nunca me incomodou, aliás, eu acho que essas mulherzinhas metidas e sem qualquer conteúdo de valor se não sobre roupas e joias eram perfeitas para homens metidos e arrogantes como Davi... então porque essa mulher da fotografia que nem ao menos vi o rosto está me deixando assim?...
Talvez porque ela não parecia ser como as outras, mesmo sem ver seu rosto seu sorriso não parecia superficial ou ensaiado e de alguma forma eu sei que ela, seja quem for, é alguém importante pra Davi, importante o bastante pra ele guardá-la com ele e que não é mesmo como essas vadias com quem ele sai... mas mesmo assim não é motivo pra que eu sinta como se tivesse levado um soco no estômago ou uma facada no peito e sentisse essa sensação estranha e ruim como se um vazio ainda maior me ocupasse e me deixasse sem fôlego.
-Então o que está esperando? – pergunta me fazendo olhar em seu rosto tão bonito... isso me faz pensar por um minuto que essa mulher da foto tem sorte de ter o coração de Davi apesar dele ser um cretino, ele deve ter uma parte boa em toda sua arrogância, uma parte boa que ele só deve ter por ela e com ela. Pensar nisso só faz aumentar o nó em minha garganta e minha indignação por estar me sentindo tão... tão... sei lá... afetada só por causa de uma fotografia!
-Nada, eu já estava saindo! – digo friamente dando a volta na mesa e me dirigindo a porta, mas quando passo por ele, me surpreende entrando na minha frente me bloqueando o caminho e me obrigando a olhar um pouco para cima pra ver seu rosto, porque mesmo de salto Davi continua um tanto mais alto, seu rosto está perto demais do meu, tanto que posso sentir sua respiração soprar em meu rosto e ainda seu peito quase toca o meu fazendo minha respiração parar em minha garganta quando encontro seus olhos muito intensos! Percebi que assim, tão de perto, eles não são tão frios quanto parecem de longe, posso ver alguma coisa significativa neles, mas não sei bem o que é, talvez tenha uma alma boa por trás de toda essa arrogância e frieza, mas que pertence a mulher da fotografia...
-O que houve? – pergunta um tom mais baixo que o normal, eu abro a boca, mas não sai nenhum som, o cheiro de seu perfume caro e amadeirado e ainda seu próprio que me lembrava vagamente de uma tarde no mar e nem tenho ideia de como isso é possível, o que me deixa com a mente ainda mais confusa enquanto me perco em seus olhos azuis... e isso não é pra acontecer!
Geralmente evito ficar tão perto dele, porque não gosto de como meu corpo reage quando isso acontece, mesmo que eu não goste nenhum pouco! Davi não vai me afetar como a todas as outras, eu sou diferente... eu sei como ele é e o que acha a meu respeito e não vou deixar que toda a sua aparência me deixe toda vulnerável, não depois de passar todos esses anos construindo meus muros de proteção contra homens como ele, apesar de ainda não entender o porquê ver aquela fotografia idiota me deixou tão abalada quando nem devia me importar então... Angela mantenha o foco e seja forte!
Não vou deixar que ele entre na minha mente assim! Lutei por dois anos pra me manter firme diante dele e vou continuar assim! Ele é bonito, mas não vou deixar isso me afetar!
-Não houve nada, agora se me dá licença... – digo tentando me desviar dele, mas por algum motivo, que eu gostaria muito de saber, ele entra na minha frente outra vez e outra enquanto começamos uma dança ridícula e descoordenada. – ah! O que foi? – pergunto por fim, parando e depois de colocar meu cabelo atrás da orelha cruzo os braços sobre o peito olhando-o irritada, ele semicerra os olhos para mim novamente me deixando um pouco desconfortável com sua repentina atenção.
-O que estava procurando em minha gaveta? – pergunta cético, engulo em seco e olho para sua mesa pensando se devia perguntar quem era a mulher ou só negasse que havia mexido em alguma coisa... – diz logo!
-Eu não... eu não mexi em nada, não seja tão paranoico! – digo me voltando pra ele, só que as últimas palavras saíram sem querer.
-Não acredito em você!
-Bem, isso é um problema seu!
-Está muito abusada hoje Winey!
-Não gosto que desconfiem de mim!
-Então não mexa onde não deve! – diz se aproximando ameaçadoramente de mim me obrigando a dar alguns passos para trás pra que não nos chocássemos e para me livrar da sensação que é sentir seu corpo perto do meu irradiando aquele calor e eletricidade me envolvendo como um grande e pesado cobertor.
-Já disse que não mexi em nada! – digo colocando minha mão aberta em seu peito para impedi-lo de se aproximar mais e olhando em seus olhos começando a ficar tão irritada quanto ele parece estar, se tem uma coisa que não admito é que me acusem de algo que não fiz e apesar de quase ter aberto a maldita gaveta eu não mexi em nada! A desconfiança e acusações sem provas foi o começo do inferno na minha vida e não quero isso de novo!
Ele ainda me encara desconfiado depois de olhar para minha mão em seu peito onde ela ainda está, e posso sentir seu peito firme e quente debaixo de minha palma, sentindo também seu calor subir por minha mão e se espalhar por meu corpo num raio de eletricidade, me deixando ainda mais irritada... não gosto dessas minhas reações, são desnecessárias e perigosas!
-Então por que parecia tão estranha quando entrei, hein? – pergunta envolvendo seus dedos em meu pulso e o segurando firmemente, eu tento puxá-lo, mas ele me segura, mesmo indignada com sua reação, não posso deixar de notar como seu coração batia rápido e forte sob minha palma...
-Não estava estranha coisa nenhuma, agora solte meu pulso, está me machucando! – digo puxando meu pulso com força e finalmente me solta.
-Não toque em mim novamente!
-Pode deixar, não vou! Agora me deixe ir! – digo tentando mais uma vez passar por ele e mais uma vez ele me impede me fazendo bufar e olhá-lo como se pudesse matá-lo. Eu preciso ir embora, minha cabeça está uma bagunça e não consigo entender o porquê de me sentir assim tão decepcionada e... sei lá... incomodada com a maldita fotografia, agora só queria poder sair daqui e respirar um pouco de ar puro e dormir até que eu possa me sentir eu mesma!
-Não vou deixá-la ir até me dizer o que estava procurando em minha gaveta, uma propriedade particular!
-Eu não estava procurando nada...
-Ah estava sim, não sou cego e nem surdo... – é, não vou conseguir acabar com isso até que eu diga o que ele quer ouvir! Então vamos à verdade!
-Ok... eu só vi uma fotografia e fiquei intrigada já que você não... bem não é de guardar fotos de mulheres, pelo menos não aqui... eu só fiquei confusa e...
-Você o que? – perguntou ele mudando repentinamente de semblante e postura se transformando totalmente, no seu rosto um olhar tão assassino e furioso que senti meu sangue gelar e fugir de meu rosto, eu nunca o vi tão irritado assim antes, não a ponto de seus olhos parecerem brilhar com a fúria.
-Mas eu não... vi nada! – digo na defensiva, ele semicerra os olhos ainda desconfiado e acusadoramente, posso ver sua mandíbula tensa conforme aperta os dentes com força. – desculpe, eu não sabia que era particular assim, não quis bisbilhotar nem ofender e muito menos te deixar tão nervoso! – digo abaixando os olhos para sua gravata quando o ódio e a dor em seus olhos se tornaram difíceis de encarar... eu não tinha ideia de quem era essa mulher na fotografia, mas posso ver e perceber que significa muito pra ele, mais do que eu podia imaginar e isso só me deixa mais incomodada e curiosa em saber se toda aquela dor, que pude ver tão nitidamente em seus olhos, foi ela quem causou e quem sabe é responsável por ele ser o cretino frio e mal humorado que é agora.
-Nervoso? Eu não estou nervoso! – diz irônico com um riso, ironicamente, nervoso e contido me fazendo olhá-lo novamente, preocupada – eu estou FURIOSO Angela! – grita me fazendo suspirar e pular assustada – como se atreve a mexer nas minhas coisas? – pergunta gritando como nunca o fez antes... como ninguém gritou comigo antes me fazendo recuar conforme se aproxima novamente, cada vez mais assustador e ele ainda disse meu primeiro nome e isso não é nada bom...
-Eu...
-Nunca mais, está me ouvindo? Nunca mais coloque suas mãos naquela gaveta! – continua com a voz alterada andando em minha direção enquanto me afasto andando de costas até esbarrar no encosto do sofá de couro marrom no centro da sala.
-Eu já disse que não vi nada! – digo firme e séria mesmo com meu coração batendo tão violentamente em meu peito que só falta arrebentá-lo. Quando encontro seus olhos estão mais machucados do que furiosos... o que foi que houve com essa mulher para deixá-lo assim? Estranhamente sinto raiva dela seja quem for por ter feito algum mal a Davi, eu nunca o vi tão ferido e desesperado assim e eu sei bem como é se sentir assim e não desejo isso a ninguém, nem mesmo a Davi!
Sinto uma dor no peito e aquela mesma sensação ruim no estômago só de vê-lo sofrer, apesar de, às vezes querer matá-lo não gostei nada de vê-lo assim tão... despedaçado diante de mim, ele sempre foi um homem forte, arrogante sim, mas seguro de si... sabe muito bem o que está fazendo e tenho que admitir, no geral é uma boa pessoa apesar de ser um cretino... posso ver a luta interna que está enfrentando, sei que ele está tentando esconder o que está sentindo, mas não está se saindo muito bem até porque apesar de não saber a razão, sei exatamente como ele se sente... sei ler essas coisas nas pessoas até porque eu as pinto em meus quadros e as sinto também!
-Sinto muito! – digo, mesmo que sinceramente odeie essas palavras e antes que pudesse me controlar e não me meter, mas é que me sinto tão culpada e... estranha... como se quisesse fazê-lo parar de sofrer... eu não acho que suporte vê-lo assim tão machucado quanto eu... não parece certo!
-Sente muito? – pergunta irritado – sente muito? Sente muito pelo que? – pergunta se exaltando novamente e erguendo as mãos para cima exasperado passando depois as mãos no cabelo deixando-os desgrenhados, por alguma razão isso me lembrar de quando meus pais brigavam e toda vez que meu pai erguia suas mãos assim as coisas não ficavam boas... sinto tremores tomarem minhas mãos e aquela maldita tensão tomar meu corpo lentamente... NÃO! Não aqui, não depois de tanto tempo! Respirando fundo tento manter o controle sobre meu corpo. Tenho que voltar a falar, me mentar no presente... me concentrar em Davi!
-Por... por...
-Diz senhorita Winey! – grita me fazendo encolher surpresa por sua explosão novamente e me deixando realmente irritada... eu já estava acostumada que Davi gritasse comigo e me exigisse coisas... mas por alguma razão algo em seu tom cheio de um sarcasmo debochado como se quisesse me humilhar de alguma forma fez meu sangue ferver! Que se dane a fotografia e tudo o que ela causa, Davi não merece que eu me importe e nem quero me importar com isso! Ele sabe se virar sozinho e não precisa que mais alguém se preocupe com a porcaria da sua vida! Os tremores em minhas mãos aumentaram com minha irritação.
-Sinto muito por ter entrado na sua maldita sala! Sinto muito por ter sequer olhado na direção de sua maldita gaveta estúpida e sinto muito por trabalhar pra alguém tão... cretino como o senhor! – digo me desviando dele e indo o mais depressa possível até a porta me sentindo uma confusão! Talvez com raiva dele... ou de mim por me importar e me preocupar com seus sentimentos, por me importar com aquela fotografia, por me sentir incomodada com ela... com raiva por sentir raiva de alguém que nem conheço só por causa de Davi e completamente confusa por me sentir irritada com essas coisas que nem tem nada a ver comigo ou com minha vida e trabalho! Davi, para seu próprio bem, não me impede de sair de sua sala!
Entro na minha apressada já arrumando as coisas em minha bolsa jogando meu óculos e meu celular com força dentro dela e quando finalmente estou mais do que pronta para ir de vez embora, o maldito telefone toca e sei que é Davi, olho para o telefone como se fosse o culpado de toda essa confusão. Penso em ignorá-lo, mas respiro fundo e ainda com as mãos trêmulas atendo-o.
-Sim? – pergunto irritada soando rude e sem me importar com isso, seguro a mesa com a outra mão para evitar os tremores, mas eles não passam. Droga!
-Está se demitindo? – pergunta Davi com uma calma nada comum depois da discussão em sua sala, não consigo evitar a risada que escapa por entre meus dentes.
-Não terá essa sorte, senhor Collins! – digo ainda sorrindo, mas tudo o que eu queria era me livrar disso tudo, eu estou alcançando meu limite e não sei até quando vou poder continuar minha tortura...
-Ótimo, porque preciso que faça as coisas que mandei para seu e-mail para segunda-feira, sem atrasos e sem falhas e estava falando muito sério sobre aquela gaveta Winey, se souber que colocou suas mãos nela novamente...
-Ok, já entendi não vou me aproximar da sua preciosa gaveta! Era só isso? – digo pronta pra desligar o telefone, eu sei que ele ficou realmente abalado por eu ter mexido em sua gaveta e mesmo que não tenha a mínima ideia do porque, era melhor eu esquecer tudo isso e logo!
-Sim! – diz, sua voz soou receosa, como se não quisesse parar por aqui, mas eu também não estava bem pra continuar a discutir com meu chefe por hoje.
-Então, tenha uma boa noite senhor Collins... até amanhã! – digo de modo simpático até, não sei exatamente o porquê, talvez porque ele não vê a hora de se ver livre de mim e ainda sim não pode, gosto de o ver torturado assim como faz comigo!
-Angela, espere! – diz quando afastei o telefone da orelha, respirei fundo.
-O que é? – pergunto irritada, eu preciso ir pra casa, estou toda tensa e definitivamente meus tremores não passam e estou começando a ficar preocupada... um instante, ele disse meu primeiro nome? – senhor Collins? – pergunto depois de alguns segundos de silêncio da parte dele, mais silêncio – Davi? – pergunto preocupada que tenha acontecido alguma coisa... talvez finalmente tenha tido uma síncope...
-Você realmente não viu a foto, não é? – pergunta como se tivesse feito um grande esforço pra conseguir respirar.
-Não, eu não vi!
-Era só isso, boa noite! – diz e desliga o telefone.