Capítulo 20 - Aliviar-se.

Start from the beginning
                                    

♢♦♢

Fernando, antes concentrado em seu desenho, parava para apontar seu lápis, cujo a ponta já deixava a desejar. Se ajeitou no sofá antes de continuar e voltou a olhar para a página em que uma adorável cabana tomava forma em meio à floresta, até que barulhos na porta de entrada roubassem sua atenção.

— Voltei! — O instrutor surgia, agora encostando a porta e deixando as chaves no apoio.

— Eu tô cansado só de ver você. — Fernando brincou, ao vê-lo completamente ensopado de suor, enxugando a própria testa.

— Nem eu sabia que podia ir longe assim, foi o meu recorde. — Carlos também riu, tentando controlar a respiração cansada. — Agora preciso de um banho, eu tô podre!

O riso do artista diminuiu ao ver o amigo andar pela sala, em direção ao corredor, sem esperar estar na privacidade de seu quarto para retirar a camiseta que usava. Carlos ainda andava enquanto esticava os braços para puxar a peça e revelar seu abdômen, agora sumindo para o quarto antes que Fernando pudesse ter um ataque cardíaco.

Fernando jurava a si mesmo que não cometeria nada de indevido pensando no amigo. E por mais que a abstinência lhe importunasse, o máximo que faria naquele momento seria eternizar aquela memória daquela bela visão.

Olhou para seu caderno de desenhos e pensou por um segundo. Encontrando uma folha mais escondida adiante, começando os contornos do que acabaria sendo o retrato do homem mais sedutor que já havia conhecido.

♢♦♢

Terça-feira, vinte de setembro.

Fernando ganhou um despertador de mesa de Carlos, então não foi difícil acordar na hora certa para ter tempo de se trocar e tomar o café antes de irem à consulta médica.

Enquanto se arrumava, um leve receio tomava conta de si. Não estava com medo de fazer os exames, pois a curiosidade de saber o que se passava consigo era maior. Mas a preocupação para caso tivesse algo grave ou incurável era evidente. Estar nas ruas desprovido de qualquer higiene ou cuidados médicos básicos, lhe deixava exposto para tudo o que mais tinha medo.

Quando saiu do quarto, sentia-se sem apetite. E embora Carlos fizesse o café da manhã, resolveu comer pouco. O artista ainda estava tenso, hora ou outra a preocupação voltava para lhe deixar ansioso. Fernando engoliu em seco, olhando nos olhos do amigo por alguns segundos, que brilhavam, esbanjando encorajamento. Desejou ter aquela bendita animação todos os dias, mas já se contentava em simplesmente poder admirá-lo nesses momentos.

Não se passou muito tempo e já chegavam ao consultório, encarando alguns pacientes esperando ao balcão de recepção. Fernando olhou tudo ao redor, até parar seu olhar sobre Carlos, que abriu um sorriso brincalhão em seguida, lhe dizendo em voz baixa:

— Você tá com trinta e oito, né?

— Sim. — Respondeu, logo notando o olhar do amigo pousar sobre um cartaz que falava da importância do exame do toque anualmente. — Tá se referindo àquilo?

— É. Logo chega sua vez. — O instrutor riu arteiro, ainda dizendo em voz baixa. — Mas é tranquilo, as pessoas fazem alarde à toa.

— Por quê? Você já fez? — Fernando quis saber, olhando a expressão do outro congelar-se.

— A-Ah, eu não, mas... Eu ouvi falar que é rápido e... Bom, só deve ser constrangedor, né? — Carlos respondeu, torcendo para que aquela desculpa servisse.

O artista olhava para a lacuna no rosto do amigo, não entendendo a súbita vergonha em uma brincadeira que ele mesmo iniciou. Talvez Carlos ainda não estivesse confortável o suficiente consigo para sequer lidar com assuntos médicos, então respeitou o silêncio dele em seguida.

Indigente [COMPLETA]Where stories live. Discover now