Capítulo 4 - Trajes.

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Capítulo 4 — Trajes.

— Posso ver os desenhos que você fez hoje? — Carlos indagou, parecendo despertar Fernando de algum transe.

— Ah, claro. — Pegou o caderno ao lado. — Só não repare em alguns detalhes mais explícitos do que deveriam, foi o que veio em mente.

— Você se inspirou em algo? — O instrutor perguntou, abrindo o caderno.

Quando Carlos colocou os seus olhos sobre a folha, não precisou perguntar mais uma vez sobre qual tinha sido a inspiração de Fernando, claramente via que aquelas imagens fortes se davam aos seus dias nas ruas.

O artista esperava pelas reações, observando a expressão atenta dele enquanto olhava a primeira folha. O desenho estampava uma mulher amamentando uma criança enquanto olhava para um ponto fixo à sua frente, com uma expressão esgotada, o olhar dela, apesar de parecer distante, parecia carregado de sentimento, como se ela pensasse em toda sua vida até o momento.

Carlos deslizava seus dedos pelo papel e parecia analisar cada traço, parando para olhar com cuidado a criança no colo da mãe, o bebê estava com as mãozinhas para cima e o olhar inocente de quem ainda não sabia o quanto sofreria naquela vida. Já em outro ponto na mesma página, pessoas rasgavam sacos de lixo, revirando os restos junto aos cães.

O instrutor sentiu seu estômago revirar, uma angústia repentina fez com que virasse para a próxima página, que era toda ocupada pela silhueta de um homem caído, segurando um cigarro com uma mão e, com a outra, uma garrafa de bebida. Os traços não estavam tão caprichados como no primeiro desenho, mas o instrutor conseguia ver o belo sombreamento que Fernando usou, com os pontos de iluminação que o poste da ilustração deixava.

Olhou para a silhueta uma última vez antes de virar para ver o próximo, conseguindo entender o porquê do aviso que o artista tinha lhe dado sobre as cenas explícitas. Ao mesmo tempo que enxergava uma cena de sexo, ela não era erótica, o conteúdo mostrava com clareza a decadência das ruas. Na figura, duas pessoas, muito provavelmente sob o efeito de drogas pelas expressões atordoadas que carregavam, estavam engalfinhadas ao chão, ao lado dos sacos de lixo e toda a sujeira de um beco sem saída.

Carlos olhou a magreza das pessoas desenhadas e seus corpos machucados e imundos, era difícil de assimilar que todas aquelas coisas aconteciam o tempo todo e ninguém sequer parecia enxergar. O instrutor engoliu em seco após olhar para aquela imagem, virando a página.

Na próxima folha, encontrou apenas um desenho pela metade de um cãozinho aparentemente abandonado, descansando a cabeça no meio-fio da calçada. Ao ver que não tinha mais desenhos, fechou o caderno e sentiu seu coração apertar de tristeza.

Carlos olhava para baixo, sem saber o que diria. Fernando era tão habilidoso, que conseguia enxergar exatamente o que ele queria transmitir com aqueles desenhos, ao mesmo tempo, era doloroso demais refletir sobre a vida que ele e muitas outras pessoas levavam.

— E então? — Fernando indagou, tirando-o do transe, parecendo ansioso para saber o que o outro tinha achado das ilustrações.

— Você é talentoso demais... — Carlos elogiou-o, sentindo seus olhos ligeiramente molhados. — Eu nem sei o que te dizer...

— Eu sei que algumas cenas são fortes. Espero que não tenha te incomodado. — O artista falou, encarando o homem emocionado ao lado.

— Não, não é isso, eu só... — O instrutor enxugou o canto dos olhos. — São cenas que você já vivenciou?

— Sim, todas elas. — Fernando respondeu, com o outro sentindo outra pontada no peito. — Eu nem sei se isso é possível, mas posso dizer que saí um tanto quanto ileso de tudo isso...

Indigente [COMPLETA]Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang