Capítulo 3 - Retrato.

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— Não pre...

— Não fala nada. — Interrompeu-o. — Só espera aqui.

Fernando torceu o nariz, não tendo saída a não ser esperar o retorno de Carlos. Não que fosse algo ruim, era bom estar sendo alimentado e recebendo atenção depois de tanto tempo, mas não sabia dizer o que era mais doloroso, ser constantemente negligenciado ou receber cuidados e de repente, se deparar sozinho quando se cansarem.

Não levou muito tempo para Carlos voltar, carregando algumas sacolas, lhe entregando uma delas ao chegar. Ele sentou-se novamente ao seu lado e abriu a outra sacola, dizendo:

— Vou comer com você, tudo bem? Ah, aí na sacola que eu te entreguei tem alguns sucos, água, você escolhe o que preferir.

Fernando o olhou um tanto intrigado, abrindo um sorriso tímido, nunca antes aquilo tinha acontecido e era bom ter a companhia dele, ainda se perguntando qual era o interesse dele, logo começando a comer.

— Me conta da sua família... — Carlos pediu, enquanto ele dava a primeira garfada.

— Aconteceu uma coisa e... eu não falo com eles desde antes de eu vir parar aqui, não sei mais onde moram, nem como estão. E é melhor assim. — Fernando ressaltou,

— E seria chato se eu perguntasse o que fez você se afastar deles? — Carlos continuou, abrindo a embalagem da sua comida.

— Digamos que eu simplesmente não conseguia conviver com eles. — Falou, após engolir o que mastigava. — Assim que eu consegui uma estabilidade financeira, lá perto dos vinte e dois anos mais ou menos, fui morar sozinho.

— Mas eles mantinham contato com você? — Voltou a perguntar, começando a comer.

— Não, eu também não fazia questão. — Respondeu, fazendo uma pausa, antes de voltar a comer. — Agora que parei para pensar... Eu também não sei nada sobre você além do seu nome.

— É verdade. — Sorriu sem mostrar os dentes, engolindo o que mastigava antes de voltar a dizer. — Minha vida não é muito agitada, eu só trabalho como instrutor de segunda à sexta e alguns fins de semana na Extreme Fitness, sabe? Algumas quadras daqui...

— Sei sim.

— Fora a rotina do dia a dia, eu não costumo sair muito aos fins de semana... Eu sei que tem gente que gosta de agito e sair para os lugares, mas eu gosto de ficar em casa sem fazer nada.

— E você mora com seus pais?

— Não, eu moro sozinho há bastante tempo, quase dez anos.

— Dez anos?! — Fernando se surpreendeu. — Foi morar sozinho quando era menor de idade?

— Não, por quê?

— Você parece bem jovem.

— Ah, eu já tenho trinta e quatro. — Carlos riu alto. — E você?

— Faço trinta e oito em setembro. — Terminou de comer, deixando a embalagem vazia ao lado.

— É mês que vem já... Que dia? — Também parou de comer, ainda sem terminar a marmita.

— Cinco.

— Deixa eu ver aqui. — Carlos abriu a agenda do celular. — Cai em uma segunda-feira.

— Legal. — Fernando encostou as costas na parede atrás de si.

— Ah, eu também comprei uma coisa aqui que pode ser um presente de aniversário adiantado. — O instrutor falou, pegando a sacola que ainda não havia sido aberta, entregando a ele.

Indigente [COMPLETA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora