Indigente [COMPLETA]

By OkayAutora

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Em meio à olhares tortos de reprovação vindo dos clientes, apenas um olhar era de compaixão quando um andaril... More

Capítulo 1 - R$ 1,45.
Capítulo 2 - Arte.
Capítulo 3 - Retrato.
Capítulo 4 - Trajes.
Capítulo 5 - Frio.
Capítulo 6 - Grãos.
Capítulo 7 - 38.
Capítulo 8 - Tempo.
Capítulo 9 - Humano.
Capítulo 10 - (Res)sentimento.
Capítulo 11 - Decisão.
Capítulo 12 - Recado.
Capítulo 13 - Rumos.
Capítulo 14 - Acolhimento.
Capítulo 15 - Insegurança.
Capítulo 16 - Recomeçando.
Capítulo 17 - Habituando.
Capítulo 18 - Provocação.
Capítulo 19 - Compensação.
Capítulo 20 - Aliviar-se.
Capítulo 21 - Despertar.
Capítulo 22 - Proteger.
Capítulo 23 - Início.
Capítulo 24 - Infância.
Capítulo 25 - Presente.
Capítulo 26 - Dilacerado.
Capítulo 27 - Arrependimento.
Capítulo 28 - Irremediável.
Capítulo 29 - Escolha.
Capítulo 30 - Distância.
Capítulo 31 - Inacessível.
Capítulo 32 - Flashback.
Capítulo 33 - Inconsistente.
Capítulo 34 - Esperança.
Capítulo 35 - Esperar.
Capítulo 36 - Conquista.
Capítulo 37 - Saudosista.
Capítulo 38 - Diálogo.
Capítulo 39 - Queda.
Capítulo 40 - Romantismo.
Capítulo 41 - Necessidade.
Capítulo 42 - Transparente.
Capítulo 43 - Solucionando.
Capítulo 44 - Festejando.
Capítulo 45 - Reivindicando.
Capítulo 46 - Cuidando.
Capítulo 47 - Retorno.
Capítulo 48 - Vínculo.
Capítulo 49 - Elo.
Capítulo 50 - Calúnia.
Capítulo 51 - Testemunha.
Capítulo 53 - Negócios.
Capítulo 54 - Coragem.
Capítulo 55 - Namorando.
Capítulo 56 - Sociedade.
Capítulo 57 - Comoção.
Capítulo 58 - Ciclos.
Capítulo 59 - Prestígio.

Capítulo 52 - Convite.

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By OkayAutora


Capítulo 52 — Convite. [RETA FINAL]

— Olha só, eu não sei o que te disseram... — Marcela afirmou, aparentemente preocupada com todas as caretas que recebia.

— E eu não quero ter que te explicar. Eu só espero que você possa respeitar a mim e ao meu namorado, mesmo que você seja essa tremenda homofóbica. — Carlos falou, soando determinado e hostil, o que definitivamente chocou os amigos.

— Mas o que você tá... Eu não entendo... — A professora gaguejava preocupada e os olhares tortos não ajudavam a se acalmar.

— Eu quero poder entender! — Marcela insistiu, fazendo menção para se sentar em uma das cadeiras livres.

— Nem pensa em fazer isso. — Monique impediu a mulher de se sentar.

— Ninguém te quer aqui. — Eduardo reforçou, também olhando firmemente para a professora.

— Mas eu quero falar com o Carlos! Não quero ninguém o envenenando contra mim! — Ela continuou, colocando a mão no peito para realmente demonstrar que era inocente.

— Você ouviu Marcela. — Carlos permaneceu irredutível. — Você não é bem-vinda aqui.

♢♦♢

Sexta-feira, 21 de outubro.

Carlos conversava com Eduardo sobre os mais novos assuntos da academia, todos estavam cochichando pela notícia circulando sobre Marcela. A professora de zumba havia se demitido e nesse momento estava no escritório de Luís e Átila finalizando as formalidades.

Estavam curiosos para saber se ela cumpriria o aviso prévio, pois era como se finalmente todos soubessem dos escândalos relacionados a ela, pois os boatos espalharam-se rapidamente.

Eduardo comentava com Carlos do quão estranho era Marcela ter decidido sair, falando sobre sua atitude covarde, pois parecia que ela preferia ficar sem o emprego do que assumir seus erros e pedir desculpas.

Dessa maneira, levaram o expediente adiante, vendo que até alguns alunos estavam curiosos sobre o que todos os instrutores comentavam. A única pessoa que no momento parecia preocupar-se de verdade com a professora, era Roger.

Antes de saber que ela se demitiria, acreditava verdadeiramente que ela teria capacidade de se desculpar e assim se redimir, pois só depois de ver essa evolução poderia reatar a amizade que tinham. Mesmo assim, ainda sentia pena da situação em que ela se encontrava.

O professor de body combat aguardava ansiosamente a aparição de Marcela, esperando-a do lado de fora do escritório, sentado em um dos degraus da escada dali. Quando ouviu a porta se abrindo, levantou-se imediatamente, correndo até a amiga, que segurava pastas debaixo do braço.

— E então, Celita? — Roger colocou-se a caminhar ao seu lado, em ritmo acelerado como o dela.

Marcela continuava seu rumo com pressa, chegando nas escadas e descendo os degraus com a mesma velocidade, ignorando-o completamente, como se ele não estivesse ali.

— Ei, você tá brava comigo? — Ele insistiu, vendo-a encará-lo seriamente ao chegarem no andar inferior.

— O que você acha?! — Vociferou, olhando-o como se seus olhos pegassem fogo. — Você é um traíra!

— Ei, eu sei que posso ter tomado a frente em ter contado para eles, mas se eu não fizesse isso, você não faria.

— E agora, você tá feliz? O que você quer?!

— Poxa, Celita... Você sabe que eu estava bravo na hora, eu juro que eu não fiz por mal!

— Foda-se! Se você fez por bem ou por mal não importa, eu estou saindo daqui e hoje é a última vez que eu olho pra essa tua cara!

— Olha só, você também errou! Não aja como se fosse a dona da razão! — Roger rebateu.

Marcela nada respondeu, dando-lhe as costas e seguindo seu rumo, fazendo-o temer o futuro, porque mesmo que a professora não mantivesse uma boa conduta, sentia-se aprisionado por depender de sua amizade.

Assim, ele caminhou de cabeça baixa, indo até a área externa da academia, pelos fundos. Sentou-se em um pequeno muro, observando o movimento dos carros na rua, passando alguns minutos naquela situação, até fixar sua atenção em um veículo em específico que estacionava por ali.

O professor surpreendeu-se quando desse carro que tanto encarava, saiu Manuela, que já não via há algum tempo. Percebeu que a loira ia em sua direção, sorrindo enquanto admirava seu jeito de andar.

— Você parece pra baixo... — Ela afirmou, sentando-se ao seu lado, dando-lhe um beijo na bochecha. — Tá triste?

— Estou me sentindo mais culpado do que triste, para falar a verdade. Mas é bom te ver por aqui, como andam as coisas?

— Tirando a correria da faculdade, tá tudo bem. Só que por que está se sentindo assim? O que houve?

— Sinto que eu causei a demissão de uma pessoa.

— E essa pessoa é a Marcela? — Manuela indagou.

— Você é boa no chute. — Ele surpreendeu-se.

— Não foi chute. O Caio me contou o que aconteceu aqui e toda a treta que ela tava envolvida, foi por isso que eu vim. — Riu.

— Como ele soube da história?

— Ele é bem próximo do Luís, ele que falou tudo o que ela aprontou aqui, até mesmo com o irmão dele.

— Ela aprontou, eu sei, mas não acho que ela deveria ter se demitido.

— Se ela se demitiu, foi por bem querer. — A loira ergueu os ombros.

— O problema é que eu sinto que eu tive um pouco de culpa nisso.

— Por que diz isso? O que você fez?

— Eu dedurei ela, digamos assim. Só que na minha cabeça, aquilo faria bem a ela.

— Bom, se tudo foi realmente como o Caio me contou, ela te enganou, não só você, como manipulou todo mundo com quem ela se envolvia... Eu não sei nem que tipo de nome dar para uma pessoa assim, acho até pouco ela ter se demitido, vocês foram bonzinhos demais por não levarem esse caso para a delegacia!

— Não exagera, vai.

— Ela mentiu que tinham violentado ela! Ela mentiu pra você! Você é besta?

Roger permaneceu calado, observando a expressão irritada no rosto de Manuela se desmanchar. Ele olhou para baixo, encarando os próprios pés, com vergonha de encará-la.

— Vem cá, deixa eu te perguntar uma coisa. — Ela continuou.

— Pergunte. — Falou, ainda de cabeça baixa.

— Você gostaria de ver a Marcela pagar pelo o que ela fez?

— Que tipo de pergunta é essa? — O professor agora levantou o rosto, confuso.

— Me responde, diz se você gostaria de ver ela sendo punida por todas essas mentiras e assédio moral.

— Sinceramente, não. Jamais gostaria de ver a Celita em uma situação ruim, por mais que eu não a apoie às vezes, sei lá... Ela é importante pra mim.

— Certo, era tudo o que eu queria ouvir.

— E o que você quis dizer com essa pergunta? — Roger indagou, seriamente.

— Eu só queria saber que tipo de cara você é. — Manuela ficou de pé, ajeitando a roupa que usava. — E eu já fui muito boba antigamente, mas hoje não sou mais, eu não fico com caras sonsos.

— Tá me chamando de sonso?

— Sonso é bem pouco, para falar a verdade.

— Então você tá terminando tudo entre nós?

— Nunca teve nada entre nós. — Ela ergueu uma das sobrancelhas. — Tá vendo, você ainda tem dúvida de que é sonso?

— Tá, acho que posso ter merecido essa.

— Não pense que eu estou te insultando, porque eu realmente me interessei por você, Roger. Mas nunca nem teve a mínima possibilidade da gente ficar junto, tudo por causa dessa sua inocência, não é normal essa ingenuidade toda.

— Tudo isso por eu defender uma amiga?

— Não, tudo isso por você não ver que ela não é sua amiga. — Manuela respirou pesadamente. — Olha, se cuida, tá bom? E vê se cresce.

♢♦♢

Sábado, 22 de outubro.

— Olha, a gente não tem que ir à festa hoje... — Fernando olhou para Carlos, que terminava de escovar os dentes.

— Ué, por que tá dizendo isso?

— É que, eu não sei o que esperar disso tudo. A Ana tem muitos amigos e eu sei que ela tem costume de chamar gente demais para os eventos, mesmo quando diz o contrário. — O artista continuou dizendo, agora coçando a nuca e notavelmente apreensivo. — Eu não sei quem posso encontrar por lá.

— Se você não estiver bem com a ideia de ir, você não precisa... Mas eu sei que você já preparou o presente da Rebeca e tudo. — O instrutor tentou transmitir um pouco de incentivo para o outro. — Você ficaria mais à vontade se eu não fosse? Eu posso te deixar lá e te busco depois...

— Ir sem você? Nem pensar... Você é o único motivo de eu acreditar que ainda consigo encarar essas pessoas. Sem você eu não consigo. Não dá. — Fernando apenas respondeu naturalmente, sem ver o quanto aquela frase tocava o namorado.

Carlos saiu do banheiro e caminhou até o quarto, vendo o artista sentar-se na beirada da cama. Ficou ao lado dele e apoiou seu braço sobre o ombro dele.

— Com o que você tá preocupado? — O instrutor quis saber, esfregando o braço do namorado.

— Eu não sei mais se é uma boa ideia... Eu não sei nem com qual roupa ir...

— Suas roupas são lindas, Nando...

— Eu colocava uma camisa social, um blazer, combinava os sapatos com todo o restante das peças e era natural. — Fernando passou as mãos sobre o rosto, bufando. — Eu me parecia com todo mundo e me encaixava no meio deles... Agora não é mais a mesma coisa, eu não sou a mesma pessoa.

— Eu entendo o que quer dizer. — Carlos continuou, agora conseguindo olhar nos olhos dele. — Eu sei que pode ser difícil, mas tenta não ligar para o que podem pensar de você nesse momento.

— Se eu parar pra pensar que já queimei a minha imagem com eles... Realmente não preciso me preocupar em qual impressão vou causar. Provavelmente já não esperam muito de mim. — O artista queixou-se, torcendo o canto do lábio.

— Não era isso que eu quis dizer, mas eu entendo que você prefere ser negativo. — Carlos riu do raciocínio do namorado.

— De qualquer forma, vai ser importante enfrentar tudo isso. Por pior que possa ser. — Fernando voltou a dizer.

— Com esse pensamento eu concordo. — O instrutor sorriu, agora tirando seu braço do ombro do outro. — Então, nós vamos?

— Vamos.

♢♦♢

Carlos seguiu todas as indicações passadas por Fernando e já estavam em uma área afastada da cidade. O instrutor pensava em todas as possibilidades que poderiam surgir naquele fim de semana e não podia negar que estava ansioso para ficar com o namorado em um ambiente diferente.

Mas sobretudo, se sentia levemente receoso, porque até então, não faziam atividades relacionadas à vida do artista. Sempre que iam para algum lugar, nunca era sobre Fernando e apenas sobre si, então não sabia o que esperar.

Carlos temia conhecer mais coisas sobre o namorado e ao mesmo tempo era o que mais desejava, porque era como se tudo o que já sabia sobre ele não fosse o bastante. Queria conhecê-lo ainda melhor, não queria assumir que estava com uma pontinha de inveja dessas pessoas do passado de Fernando por saberem que tipo de homem ele era.

E todos esses pensamentos invadiam a mente dele enquanto dirigia, mal sabendo que se o artista juntasse todas as pessoas que já havia conhecido, nenhuma delas se compararia com a importância que Carlos teve em sua vida.

Fernando também tinha a mente ocupada por divagações, no entanto, elas eram totalmente diferentes das quais o namorado se ocupava. E quando ambos perceberam que nada ainda tinham conversado, iniciaram os assuntos sutilmente, começando a falar sobre a rota, depois falando das atividades que provavelmente teriam por lá.

O percurso durou um pouco mais de meia hora, pois o bairro onde a chácara se encontrava era afastado. Mesmo assim, o artista lembrou-se perfeitamente do caminho. E ao chegarem, o portão já estava aberto e apenas entraram.

O coração de Carlos acelerou quando adentraram o terreno, passando pelo caminho de pedras e assim já podendo ver a beleza do local, não só ele, mas como também Fernando, que se ia recordando-se aos poucos, enquanto admirava tudo.

Viam uma trilha de coqueiros e logo atrás, uma casa de dois andares, com suas paredes adornadas de pedras e de janelas em estilo rústico. Mais para o fundo, viam uma área coberta, mas dali nada podiam enxergar, pela grande quantidade de árvores. Viram os muitos carros estacionados ali e pensaram ser um bom lugar para também deixarem o veículo.

Já fechavam as portas do carro quando puderam ver uma mulher baixinha se aproximando. Fernando já identificou a anfitriã e disse ao namorado sobre quem se tratava antes que fossem recebidos por ela.

— Demoramos muito? — Fernando indagou, quando a mulher parou de andar, abrindo os braços para recebê-lo.

— Não, chegaram em uma boa hora! — Ela respondeu, depois soltando-o do abraço e dando um beijo em seu rosto antes de virar-se para ver seu acompanhante. — E esse deve ser o Carlos!

— Eu mesmo. — O instrutor sorriu com a afirmação dela, vendo-a ficar na ponta dos pés para também beijá-lo na bochecha. — É um prazer, Ana Paula.

— Estou feliz demais em ter vocês aqui hoje. — Ela voltou a sorrir, animada. — A Rebeca vai ficar louca quando ver que o "Tio Fê" tá aqui, ela não me parava de perguntar sobre quando você ia chegar...

— Que gracinha. — Carlos se admirou, vendo o namorado também sorrir com aquela afirmação.

— E cadê ela? — Fernando quis saber.

— Agora pouco estava com as amigas da escola, elas estavam na fila pra uma moça que contratei pra pintar a cara delas. Daqui a pouco ela aparece.

— É impressão minha ou tem algumas coisas diferentes por aqui? — Fernando olhou ao redor mais uma vez, antes de perguntar para a mulher baixinha.

— Ah, é verdade! Você não chegou a ver a pequena reforma que eu fiz! Eu vou mostrar pra você e aproveito pra mostrar a casa para o Carlos também! — Ela agarrou os dois pelos braços e começou a andar.

Não tinham escolha senão acompanharem os passos curtos e rápidos de Ana Paula. Ela tagarelava sobre o que tinha decidido para o interior da casa enquanto andava pelo caminho do pátio externo até chegarem à uma porta de vidro.

Ana Paula entrou com eles na casa e retirou as sandálias perto do capacho, que fez Carlos questioná-la se também deveria descalçar o tênis que usava, onde ela respondeu que não precisava, pois somente tirava seu calçado porque o salto poderia riscar o chão de madeira.

Quando finalmente deparou-se com a grande sala de estar, primeiramente encarou o chão, tão brilhante que refletia todo o teto, duplicando a imagem do lustre grandioso do cômodo, depois encarou o sofá que contornava todo o local, aparentando ser extremamente confortável, até mesmo o tapete felpudo parecia aconchegante. E tudo acompanhado de uma lareira com decoração de pedras, o que tornava a sala ainda mais sofisticada.

— Não tem nada demais lá em cima, só os quartos de hóspedes. O Fernando já conhece, mas caso queira conhecer Carlos, fica à vontade pra ir lá pra cima. — Ana Paula afirmou, agora indo com eles em direção à cozinha.

— Eu me lembro de quando você me fazia dormir por aqui. — O artista afirmou, rindo enquanto ela já sabia o quanto podia ser insistente.

— O Fernando já me aturou muito nessa vida, Carlos. — A mulher ainda ria. — Eu sou tagarela, já deve ter dado pra perceber. E antigamente eu segurava ele até de madrugada aqui, então acabava fazendo ele dormir aqui para não dirigir na escuridão toda que fica essas estradinhas pra chegar até aqui na chácara. É um perigo!

— Eu imagino. — O instrutor sorriu, podendo agora ouvir conversas vindo da região para onde iam.

— O pessoal todo tá lá na área externa, as crianças também... — Ana Paula continuou andando com eles.

Carlos sentiu suas mãos ficarem geladas e ao mesmo tempo que pensava que logo teria que se apresentar para os amigos de Fernando, pensou em algo que poderia livrá-lo daquela situação por alguns segundos.

— Gente, eu acabei de me lembrar que deixamos o presente da Rebeca no carro. Eu vou lá pegar.

— Imagina, não precisa pegar agora. — Ana Paula rebateu, vendo que o instrutor já dava alguns passos para trás.

— É rapidinho, já volto. — Carlos forçou um sorriso, vendo que o namorado o encarava.

— Quer que eu vá com você? — Fernando inquiriu.

— Não, não precisa.

— Tudo bem. — O artista colocou as mãos nos bolsos da calça, vendo-o sair com pressa.

Ana Paula viu o acompanhante do amigo sair e enquanto voltava a caminhar com o artista, disse:

— Nossa, ele é um gato! Me diga que ele é insuportável, por favor.

— O quê? — Quis entender, vendo a cara brincalhona da amiga.

— Me diz que ele tem algum defeito, senão vou ficar com inveja.

— Por quê? — Fernando perguntou, sem conseguir segurar a risada.

— Porque ele já é bonito e educado. Se ainda por cima, ele for legal, é até injusto com as outras pessoas. — Ela brincou, fazendo o amigo voltar a rir.

— Então eu vou ter que te desapontar, Ana. Se eu te dissesse isso, estaria mentindo. Ele é o homem mais doce que eu já conheci. — Fernando afirmou, abrindo um sorriso ligeiramente tímido. — Ele me aguentou na minha fase mais amargurada e continua sendo paciente e amoroso. Ele é incrível. E eu juro que tinha deixado de acreditar em Deus, mas depois de conhecer ele, não consigo mais negar a existência de anjos. Porque o Carlos definitivamente é um deles. Ele me salvou.

— Essa foi a coisa mais linda do mundo e foi a frase mais longa que eu já ouvi você falar... — Ana sorriu com aquela declaração tão adorável. — Vocês são um casal lindo e só pela forma que fala dele, sei que vão ficar juntos pelo resto da vida. E isso me deixa muito feliz... Principalmente porque eu estava só esperando ele sair pra te dar uma notícia que não é muito boa.

— O quê? O que foi?

— Eu não sei bem como te dizer isso, mas... O Natan tá aqui. — Ela falou, nervosamente. — Me desculpe por isso tão de repente. É que estamos prestes a ir lá pra fora e não queria que você se surpreendesse. Antes de tudo, quero que saiba que não fui eu que o convidei. E se você quiser, posso pedir pra ele ir embora.

— Eu não estava esperando por isso, mas acho que mandar ele embora vai tornar as coisas mais difíceis. — Fernando apenas raciocinou. — Desde que ele não venha falar comigo, acho que tudo bem.

— Tem certeza?

— Não muita, mas eu acho que consigo lidar. — O artista desanimou-se, respirando fundo.

— Eu fiquei sem graça quando soube que os meninos chamaram ele. Ai, me desculpa mesmo. — Ana Paula repetiu, parecendo realmente chateada com a situação. — Eu não sei mais como a situação de vocês ficou, mas eu não queria que você ficasse desconfortável...

— Obrigado pela preocupação, Ana.

— Imagina, eu queria poder ter evitado isso.

— Não foi sua culpa.

— Pelo menos, ele não tá por aqui agora. Ele foi no campinho jogar bola do outro lado da chácara, então você tem um tempinho sem esbarrar com ele por aqui. — Ela falou, tentando melhorar a situação.

A porta da cozinha se abriu e um grito agudo de criança invadiu o local. Os dois interromperam os assuntos para olhar para a aniversariante chegando empolgada.

— Tio Fê! — Ela andou saltitante até agarrá-lo em um abraço apertado.

— Assim você vai derrubar ele, menina! Calma! — Ana Paula corrigiu a filha, rindo com a alegria da criança.

— Feliz aniversário, ma chérie. Ça va? — Cumprimentou-a, livrando-a do abraço.

Ça va. — Ela riu e ergueu os ombros, ainda agitada.

João também colocou a cabeça para dentro da cozinha e acenou para o recém-chegado. Ele chamou a esposa baixinho, que apenas assentiu, mostrando que logo iria.

— Vejo vocês lá fora, tá? Fala pro Carlos que posso mostrar o restante das coisas quando ele voltar. — Ana disse, agora voltando a andar, colocando um par de chinelos que encontrou próximo da porta.

— Quem é Carlos? — A menina indagou, após a saída da mãe, agora olhando para o artista.

— Meu namorado. — Respondeu, levemente receoso de confundir a garota, mas viu que ela não estranhou o que ouviu, então continuou a dizer. — Nós viemos juntos, mas ele está lá no carro pegando seu presente.

Quando Fernando pensou que ela perguntaria do presente, a menina parecia pensar em outra coisa, logo perguntando:

— E vocês se amam de verdade?

— Sim, de verdade. — O artista segurou o riso com aquela pergunta de quem assistia contos de fadas demais.

— E vocês querem se casar?

— Sim, nós queremos. É o que muitos casais fazem quando se amam de verdade. — O artista respondeu, um pouco desajeitado, mas sem conseguir deixar de rir com as perguntas.

— E isso vai demorar? — Ela olhou convictamente para o artista, sem saber o quanto o envergonhava.

— Não sei, mas se depender de mim, não muito. — Respondeu sinceramente, rindo com a sua própria resposta.

— Oba! — Ela deu um grito empolgado e voltou a abraçá-lo. — Sabe de uma coisa, tio Fê? A tia da minha amiga se casou e a minha amiga foi a florista!

— Sério? Que legal! — Demonstrou seu interesse, adorava as anedotas da garota.

— E a minha amiga usou um vestido todo rodado e ficou jogando pétalas antes da noiva chegar... — Rebeca continuou dizendo, ainda parecendo pensativa. — Eu nunca fui florista...

— Oi, essa é a Rebeca?! — Carlos se aproximou de ambos, exibindo um sorriso carismático.

— Oi! Você é o namorado do meu tio? — Ela quis saber, também abraçando-o com força antes mesmo que ele respondesse.

— Sim, eu sou sim. — O instrutor riu com a empolgação da baixinha. — Prazer em te conhecer, Rebeca. Feliz aniversário!

— Eu posso ser a florista no casamento de vocês?! — Inquiriu ingenuamente, espantando os dois.

— O quê? — Carlos arregalou os olhos com a pergunta, procurando respostas no olhar do artista.

— Rebeca, por que você não vai mostrar o seu presente pras suas amigas? Depois eu te vejo lá fora... — Fernando pegou a sacola das mãos do namorado e entregou-a para a menina.

— Tá bom! — Ela sorriu e olhou para a embalagem, curiosa. — Não demora, hein, tio Fê!

Rebeca saltitou de volta para a porta que dava à área externa e Carlos continuou a olhar para o namorado, não conseguindo disfarçar a cara de riso.

— Do que ela tava falando, Nando?

— Nada demais. Ela só tava comentando sobre a história de uma das amiguinhas que foi florista e ficou com vontade de ser uma também.

— Então se não foi nada, por que você precisou expulsar ela daqui só pra me explicar isso? — Carlos segurou o riso, se aproximando do namorado para colocar suas mãos aos ombros dele. — Fala pra mim, do que estavam falando, hein?

— Ela me perguntou se eu te amo de verdade. E se a gente vai se casar. Eu só disse o óbvio. — Envolveu o quadril do instrutor.

— Pode falar pra ela que ela pode ser a nossa florista. — Carlos viu-o abrir um sorriso satisfeito, agora recebendo um beijo dele.

Fernando por um segundo sentiu suas mãos suarem quando um calafrio percorreu seu corpo. Era como um déjà-vu, mas não dos melhores. Estar naquela casa, com alguém lhe abraçando e querendo um beijo em uma área relativamente próxima das outras pessoas, fez com que o aniversário anterior de Rebeca lhe viesse em mente.

Carlos, entretanto, não fez como Natan. Não o afastou e se manteve sorridente após roubar mais um beijo, o que fez com que Fernando voltasse para aquela nova realidade, enquanto seu coração ainda estava disparado pela sensação ruim que o dominou.

— O que foi, Nando? — O instrutor quis saber, percebendo o desconforto na expressão do namorado.

— É só um pouco de ansiedade... — O artista respirou fundo.

— Tá tudo bem... Vamos esperar um pouquinho antes de ir lá fora. — Carlos afirmou, agora esfregando carinhosamente os ombros dele. — Por que você não me mostra os cômodos lá de cima enquanto isso?

Fernando assentiu, ficando mais tranquilo no mesmo instante em que viu o sorriso empático do namorado. Carlos nunca queria forçá-lo a nada e em momentos onde suas crises de ansiedade surgiam, ter ele ao seu lado só o ajudava mais quando precisava passar por situações difíceis.

Subiram as escadas e Fernando mostrava as artes que Ana escolhia para decorar a casa. Falando um pouco mais do que se lembrava do gosto pessoal da amiga. No que andavam pelo mezanino no andar superior, Carlos parou ao encontrar um quadro.

— Olha só, eu reconheço essa assinatura! — Carlos apontou. — Essa é uma tela legítima do meu pintor favorito dessa vida todinha.

— Você é um bajulador. — O artista riu envergonhado enquanto o outro ainda olhava para a pintura.

— Às vezes eu não acredito no quanto você é incrível. — O instrutor admirou as cores da paisagem uma última vez antes de voltar a olhar para o namorado. — Eu sei que eu pode parecer que eu tô só te adulando, mas eu realmente tenho muito orgulho de você. Você merece todo o reconhecimento desse mundo...

Fernando olhou para o chão por um momento pela timidez, não sabia lidar bem com elogios como aquele. E no minuto seguinte sentiu os braços do namorado o envolverem, não deixando de aproveitar o abraço.

Voltou a erguer a cabeça. Olhou para a obra à sua frente e, em seguida, para o namorado. Sabia que não tinha nada do que se envergonhar e, com aquilo em mente, quis continuar o que precisava ser feito.

Fernando apresentou os últimos cômodos para Carlos e desceram as escadas enquanto o artista contava histórias engraçadas sobre como era dormir por ali antigamente. Iam então para onde todo o pessoal estava reunido, com Carlos seguindo o namorado.

O instrutor não queria parecer distraído, mas também não podia deixar de imaginar sobre o passado de Fernando. Lembrava-se do que o namorado havia dito sobre o tamanho de sua antiga casa, ficando pensativo.

Se Fernando estava acostumado com aqueles padrões, imaginou então como deveria ser doloroso para o artista. E Carlos se entristecia ao pensar que nunca poderia dar algo parecido para o namorado, muito menos ter viajado como os amigos dele e saber tanto de coisas como arte, gastronomia e literatura.

O instrutor sentiu um frio na barriga, mas tentou ignorar tudo quando passaram pela porta que dava à parte externa da casa. Chegaram à uma área coberta, onde um cheiro gostoso de churrasco tomava conta do quintal. O instrutor olhou para o gramado um pouco mais a frente, na parte descoberta, também vendo mais algumas pessoas, outras dentro da piscina e outras cuidando das crianças que corriam.

— Aí estão eles! — Ana Paula comemorou.

— Oi gente. — Fernando afirmou timidamente, vendo a maior parte de seus conhecidos se levantarem de onde estavam.

O artista não podia deixar de perceber que todos o recebiam muito bem, abraçando-o e cada um tentando chamar sua atenção de alguma forma. Fernando tentava lidar com cada um deles enquanto era chamado por vários ao mesmo tempo e não teve como não se sentir uma celebridade naquele momento.

— É verdade que você tirou um ano sabático em Paris?! — Elisângela perguntou, empolgada.

— Não, mas bem que eu gostaria. — Fernando respondeu naturalmente.

O instrutor olhava para a forma como o namorado lidava com as perguntas sobre onde passou o último ano e todas as hipóteses que ouvia eram bem distantes do que realmente aconteceu. Tudo isso era mais um choque de realidade, todas aquelas pessoas não puderam perceber o que estava acontecendo com o artista antes que fosse tarde demais.

— E pessoal, esse é o Carlos. — Fernando afirmou e levou seu braço atrás do quadril do instrutor, surpreendendo-o com o gesto. — Meu namorado.

Carlos abriu um sorriso e cumprimentou os colegas dele, acenando timidamente enquanto ouvia o artista voltar a falar, agora voltando em sua direção.

— Essa é a Elisângela e do lado dela, a Vanessa.

— Prazer. — O instrutor cumprimentou ambas com apertos de mão. — Vocês são parecidas, são irmãs?

— Somos. — Vanessa, respondeu, sorridente.

— E aqueles ali são Luan e o Igor. — Fernando continuou, agora apontando outros dois homens.

Carlos cumprimentou-os, também sendo bem recepcionado por eles antes de ver que voltavam aos seus lugares.

— E então, há quanto tempo estão juntos? — Vanessa quis saber.

— Ah... — O artista olhou para Carlos, procurando uma resposta.

— É que não temos uma data oficial, não é, Nando? — O instrutor respondeu, dando apoio ao namorado, não sabendo se deveria responder o tempo exato. — Mas já tem um tempinho...

— Vocês tão com fome? — Ana Paula indagou a eles, fazendo-os mudarem de assunto. — Vou chamar as meninas, mas fiquem à vontade para pedirem diretamente com o churrasqueiro ou irem até os rechauds que o pessoal do serviço cuida de vocês.

Fernando agradeceu e sentou-se com Carlos ao redor da mesa, perto de Vanessa e Elisângela, ambas puxavam assunto com eles e pouco tempo depois, o instrutor já estava tão envolvido no papo, que não parecia que ali era um ambiente totalmente estranho.

Carlos conseguiu finalmente se sentir confortável com aquelas pessoas, sabendo que o grande motivo disso, se devia ao fato de que o artista não saiu de seu lado em nenhum minuto. Fernando mantinha-se próximo e deixava claro que tinha orgulho de tê-lo ali e apresentá-lo como seu namorado.

♢♦♢

Rebeca rejeitou a pintura facial da moça que Ana Paula contratou, a garota queria que Fernando pintasse seu rosto. Ela já não gostava mais de gatinhas de animação da Disney, nesse momento, a menina andava se divertindo com jogos e, entre seus preferidos, os de zumbis.

Carlos admirava como o namorado adaptava a maneira de pintar com as tintas inofensivas infantis e pintava o rosto da menina.

— E aí, o que achou? Tá putrefato o suficiente? — Fernando ergueu o espelho para a garota, deixando que ela visse a pintura feita.

— Eu adorei! Eu vou mostrar pra mamãe! — Ela olhou a maquiagem esverdeada em metade de seu rosto, simulando a pele em decomposição.

— Eu tenho certeza que ela vai odiar. — Fernando brincou.

Rebeca soltou uma gargalhada e foi serelepe procurar a mãe.

— Eu também tô pensando em fazer uma dessas pinturas, hein. — Carlos brincou, se aproximando do namorado.

— Pode escolher que eu faço. — O artista sorriu, recebendo um beijo dele.

— Tá, eu preciso ir ao banheiro rapidinho. Mas na volta eu te falo o que eu decidi. — Deu outro beijo nele.

Fernando pegou um dos panos de limpeza e parou para higienizar os pincéis e arrumar as tintas. E quando pensou que estava sozinho, logo conseguiu ouvir passos.

— Fer. — Ouviu uma voz, infelizmente familiar.

Ainda bem que havia comido antes, porque sabia que certamente perderia todo seu apetite ao olhar para ele.

— Você. — O artista olhou para Natan, sabendo que sua cara demonstrava sua insatisfação ao vê-lo.

— Eu fiquei me perguntando sobre o que teria acontecido com você ao longo desse último ano... Como você tá? — Natan continuou, dando um passo a mais para a frente.

— Estava melhor há um minuto. — Fernando respirou fundo.

— Eu sei que você não quer me ver, mas eu prometo que vou te deixar em paz, eu só queria falar um pouco com você antes.

— E a sua esposa, como está? — O artista interrompeu-o, vendo que o outro engolia em seco.

— É sobre isso que eu queria falar... Eu não me casei. 

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