As semanas passaram rapidamente e o vento gélido do inverno já se anunciava em Fort Bennington. Assim como Enepay, o qual todos conheciam por seu nome cristão, Oliver, Edgar já rumava para uma recuperação completa e Elena, ocupava seus dias entre ouvir as histórias do irmão sobre os selvagens que conheceu e ensinar Sarah e o jovem mestiço a ler e escrever.
一 Eu nunca vou aprender isso, até mesmo esse mestiço é melhor que eu. Por isso dizem que educação não é para as mulheres, não somos boas com isso. 一Disse Sarah empurrando o pequeno caderno fazendo Elena balançar a cabeça em reprovação.
一 Você não é menos inteligente por ser mulher, apenas lhe falaram isso tantas vezes que você acreditou nessa bobagem. Oliver aprende rápido, porque fala diversas línguas nativas e a nossa, isso facilita a assimilação, o falo entre as pernas dele não tem nada a ver com isso. 一 Disse fazendo Sarah cortar e Enepay rir baixinho.
一Ora que graça tem isso?
一 Você é uma mulher estranha minha cunhada, muito estranha. Uma mulher não deve falar tais palavras 一 Disse Sarah quando as duas ouviram um grito vindo da cozinha que as fez saltar rapidamente.
Assim que chegaram se depararam com Shyhan curvada sobre a mesa com uma poça de água e sangue aos seus pés.
一 O bebê vai nascer, vamos Shyhan eu lhe ajudo.
一 Minha mãe diz que as índias fazem isso sozinhas, que tem seus bebês na beira do rio e alí mesmo os lavam e se não gostam deles, os afogam. 一 Disse Sarah sem parar para respirar.
一 Qualquer mulher pode fazer isso sozinha, mas é muito melhor se tiver ajuda e apoio. Sarah coloque água ferver e Enepay me ajude a levá-la para o quarto e depois pegue Condessa e chame Andrew, diga-lhe que o bebê está a caminho.
Enepay correu atrás o pequeno estábulo improvisado aos fundos do pátio, montou na égua branca e galopou o mais rápido que pode até o casarão Bennington.
Há dias ocorria uma reunião após a outra e mesmo se mantendo afastado de tudo, ouvia os rumores de que a única coisa que estava impedindo um massacre no clã do sul eram os esforços do governador pela paz com os nativos.
No mesmo instante que soube da informacão, passou a tramar uma maneira de fugir, esta não seria a parte mais difícil afinal, ele não era um prisioneiro da casa dos Norton. Porém o forte era uma grande prisão e ninguém saia pelos pesados portões sem uma autorização prévia. E mesmo que conseguisse escapar, a pé seriam dias sobre o sol escaldante do deserto até o vale e mesmo que estivesse em plena saúde, certamente morreria durante o trajeto. E é claro não poderia correr o risco de ser seguido e acabar levando os os waikiki até o refúgio de seus irmãos.
Balançou a cabeça e focou-se em encontrar Andrew e este segundo a governanta encontrava-se junto aos irmãos de sua esposa na biblioteca. O garoto caminhou curioso entre os retratos pintados a mão de figuras imponentes em casacos azuis e parou diante da porta entreaberta na qual ouviu o riso resoante de Andrew.
一 Quem diria meu irmãozinho, praticamente um pele vermelha 一 debochou Edward.
一É tão difícil pra você uma vez na vida não ser o centro das atenções meu irmão?
一 Não acho que o nosso pai concorde. Ele me disse outro dia que o tombo que caiu do cavalo foi apenas um aviso do que vai encontrar por ser burro o suficiente a ponto de achar que pode haver um meio termo entre os interesses do estado e dos índios.
一 O governador acredita em mim e isso me basta.
一 Ei rapazes achei que tinham me chamado aqui parar beber e jogar poker, se for pra ouvir reclamações e críticas eu volto para casa, pelo menos vossa irmã tem um rosto mais gracioso. 一 disse Andrew servindo mais uma dose de uísque aos irmãos.
一 E o pior gênio 一 disse Edgar dando um gole na bebida.
一 Senhor Norton 一 o garoto interrompeu com duas batidas no marco da porta.
一 Diga Oliver.
一A senhora Elena mandou chamá-lo, é urgente. Shyhan está prestes a dar a luz.
一 E porquê isso seria importante ao seu senhor mestiço? 一 Edward questionou caminhando até o menino.
一 Ele não é meu senhor, não sou um escravo.
一 Olha ele tem uma língua afiada. Deveria ensinar boas lições a ele, um bom cinto geralmente resolve 一 disse baixando os olhos verdes na altura dos de Oliver. 一 Que belos olhos você tem. Então meu jovem estou curioso, sua mãe era uma puta pele vermelha que não tem ideia de quem a emprenhou ou uma vadia branca que foi capaz de se deitar com um animal selvagem como seu pai?
一 Deixe o garoto em paz Edward 一 Ralhou Edgar. 一 Você bebeu demais.
一 Ah eu esqueci que estava na presença do pacifista defensor dos índios.
一 Pode ir Oliver eu já estou a caminho一 disse Andrew voltando-se a Edward. 一 Ele só um menino, não pediu pra nascer mestiço, deixe-o em paz. 一 Falou e Edward sorriu.
一Esse menino é seu também? Como o filho da sua criada? 一 disse e Andrew fechou o rosto 一 Ora, Andrew, as pesssoas comentam. Vai lá ver seu bastardo.
一 Com licença, até mais ver Edgar. 一Disse Andrew tomando seu casaco e saindo rapidamente.
O capitão encontrou com o jovem mestiço logo no portão principal e este seguiu Andrew pelas ruelas do forte até a residência dos Norton. Assim que chegou Andrew se dirigiu aos aposentos da criada porém foi impedido por Sarah, que lhe informou que Shyhan ainda estava em trabalho de parto e e este não era lugar para homens. Ele voltou a sala e abriu uma garrafa de uísque e aguardou por horas ouvindo os gritos da criada até finalmente tudo se acalmar.
Esperou por mais alguns minutos sentindo o peito acelerado até que Elena surgiu no corredor com o rosto suado e aparência exasta.
一Eu sinto muito Andrew. 一 Ela disse e ele sentiu a alegria se transformar em ansiedade. Passou rapidamente pela esposa e caminhou a passos largos até o pequeno quarto nós fundos. Shyhan estava deitada com a cabeça virada para o lado e cabelos desgrenhados, ao seu lado, um pequeno pacote envolto em lençóis sujos se sangue permanecia imóvel.
Ele se aproximou da mulher e beijou sua testa, sentindo o salgado da pele dela se misturar ao de suas lágrimas que começaram a correr assim que percebeu o que havia acontecido.
一Me desculpe senhor Norton.一 sussurrou a mulher com a voz quase inaudível.
一 Você precisa descansar Shyhan. 一
Disse voltando a atenção ao bebê sob os lençóis. Levantou o pano que o cobria e e mirou o pequeno rosto vermelho emoldurado por grossos cabelos negros, bochechas salientes e um narizinho bem talhado. Diferente dos bebês doentes que Anna dera a luz, esse parecia perfeito exceto pelos pequenos braços contorcidos e a falta de qualquer sinal de vida.
一 Ele nasceu morto. 一 Disse a mulher. 一 Mas ele não teria uma vida digna, então isso é bom, a grande mãe levou seu espírito até que possa devolvê-lo a um corpo com o qual ele possa brincar, correr, crescer e provar seu valor a ela. 一 Disse a mulher ainda evitando olhar para a criança.
Andrew tomou o pequenino nos braços e apertou-o contra o peito. Desistiu de conter as lágrimas e deixou que seu corpo tombasse de joelhos num urro de dor. Elena ouvia tudo do lado de fora, por mais que quisesse conforta-lo, não queria ser inconveniente.
Fizera tudo que sabia para trazer o menino com vida, mas já nos primeiros minutos do parto o percebeu que apenas um milagre faria aquele bebe nascer chorando.
Depois de mais de meia hora, Andrew deixou o quartinho com a criança nos braços.
一 Quer que eu chame o padre para batiza-lo? 一 Disse Elena sem saber o que falar. 一 Eu juro que fiz tudo que podia.
一Eu sei que fez Elena, e agradeço por isso, mas ele é um bastardo, não vai ser batizado. Sei que talvez seja pedir demais, mas Shyhan está sangrando muito, se puder olhar.
一 Eu vou ver o que ela tem. 一Disse parando e o abraçando por um instante antes de seguir para o quarto.
A manhã seguinte foi fria, Elena dormiu poucas horas pois precisava ficar de olho em Shyhan para garantir que ela não teria outra hemorragia. Preparou um café e levou um caneco até Andrew que passou a noite com o filho morto nos braços, sentado na cadeira de balanço aos fundos da casa e agora pela manhã, colocava pedras sob o pequeno túmulo cavado entre as raízes do Salgueiro que sombreada a residência.
一Por Deus você está congelando. 一Disse Elena ao ver as extremidades arroxeadas do marido一 precisa entrar e se aquecer.
一 O que disse no casamento, você estava certa. Nunca foi a doença de Anna, era eu. Meu sangue matou todos os filhos que ela carregou.
一 Não é sua culpa. Não há como prever essas coisas.
一 Você ainda quer ser minha esposa? Se quiser voltar para Inglaterra eu posso escrever uma carta aos seus tios, certamente vão aceita-la de volta. Deixarei claro que a culpa é minha, por ser um imbecil que nem sequer poderá dar um filho vivo a esposa.
一 Eu não preciso de filhos Andrew 一 Ela disse o abraçando por trás e pousando a cabeça em suas costas. Eu gosto de você, é um bom homem. Fez coisas questionáveis, mas sei que é bom homem, tem um coração nobre e muita paciência comigo, isso me basta. Agora entre, venha se aquecer junto a lareira.
一 Elena 一 ele disse virando-se a ela e encarando o branco do rosto dela corado pelo vento frio que explicava contra suas bochechas. 一 Eu a amo e eu prometo que lhe serei leal e jamais voltarei a mentir para você.