Indigente [COMPLETA]

By OkayAutora

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Em meio à olhares tortos de reprovação vindo dos clientes, apenas um olhar era de compaixão quando um andaril... More

Capítulo 1 - R$ 1,45.
Capítulo 2 - Arte.
Capítulo 3 - Retrato.
Capítulo 4 - Trajes.
Capítulo 5 - Frio.
Capítulo 6 - Grãos.
Capítulo 7 - 38.
Capítulo 8 - Tempo.
Capítulo 9 - Humano.
Capítulo 10 - (Res)sentimento.
Capítulo 11 - Decisão.
Capítulo 12 - Recado.
Capítulo 13 - Rumos.
Capítulo 14 - Acolhimento.
Capítulo 15 - Insegurança.
Capítulo 16 - Recomeçando.
Capítulo 17 - Habituando.
Capítulo 18 - Provocação.
Capítulo 19 - Compensação.
Capítulo 20 - Aliviar-se.
Capítulo 21 - Despertar.
Capítulo 22 - Proteger.
Capítulo 23 - Início.
Capítulo 24 - Infância.
Capítulo 25 - Presente.
Capítulo 26 - Dilacerado.
Capítulo 27 - Arrependimento.
Capítulo 28 - Irremediável.
Capítulo 29 - Escolha.
Capítulo 30 - Distância.
Capítulo 31 - Inacessível.
Capítulo 32 - Flashback.
Capítulo 33 - Inconsistente.
Capítulo 34 - Esperança.
Capítulo 35 - Esperar.
Capítulo 36 - Conquista.
Capítulo 37 - Saudosista.
Capítulo 38 - Diálogo.
Capítulo 39 - Queda.
Capítulo 41 - Necessidade.
Capítulo 42 - Transparente.
Capítulo 43 - Solucionando.
Capítulo 44 - Festejando.
Capítulo 45 - Reivindicando.
Capítulo 46 - Cuidando.
Capítulo 47 - Retorno.
Capítulo 48 - Vínculo.
Capítulo 49 - Elo.
Capítulo 50 - Calúnia.
Capítulo 51 - Testemunha.
Capítulo 52 - Convite.
Capítulo 53 - Negócios.
Capítulo 54 - Coragem.
Capítulo 55 - Namorando.
Capítulo 56 - Sociedade.
Capítulo 57 - Comoção.
Capítulo 58 - Ciclos.
Capítulo 59 - Prestígio.

Capítulo 40 - Romantismo.

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By OkayAutora



Capítulo 40 — Romantismo.

— E depois desse dia, eu não consegui mais me encontrar com eles. A Ana Paula foi quem mais se preocupou e mandou várias mensagens, ela queria saber se o que aconteceu era verdade... Mas eu não tive coragem de falar nada. — Fernando explicou, mantendo seu olhar estacionado em seu copo de suco. — Eu estava completamente constrangido e não queria nem receber visitas.

— Era o Natan que deveria se envergonhar do que fez. Não você. — Carlos afirmou, entristecido com a história.

— Eu poderia estar com raiva, revoltado... Mas eu sabia que o meu depoimento acabaria com a vida de uma pessoa. Eu pensei que se eu esperasse, as coisas voltariam ao normal e que logo todos fossem se esquecer.

— Já imagino que não foi isso o que rolou. — Eduardo também ponderou, recebendo uma resposta afirmativa do artista.

— E vocês já devem imaginar que essa história se espalhou. No fim, eu estava pervertendo um homem compromissado em uma festa infantil. Conseguem imaginar a proporção que isso tomou? — Fernando contava, lembrando-se de toda a reprovação que sentiu. — No fim, até quem não estava na festa ficou sabendo, tomou proporções tão grandes que conseguiram acabar com toda a imagem que eu tinha construído. Quando ouviam o meu nome, só tinham em mente todo o escândalo e não mais o meu trabalho.

— Mas por que você se manteve em silêncio, cara? — Eduardo quis saber, continuando a comer.

— Em primeiro lugar, meu grupo de amigos podia ser vasto, mas de verdade, eu não confiava em boa parte deles. As minhas amizades eram, basicamente, para ter contatos. — Fernando comeu um pouco antes de voltar a falar. — Então, depois disso, eu tinha quase certeza de que muitos não acreditariam em mim... Preferi ficar quieto.

— Eu não te julgo. Até porque a gente nunca tá preparado de verdade pra esse tipo de situação. — Carlos acrescentou.

— De toda forma, eu não conseguia imaginar um cenário onde as coisas acabariam bem. Até imaginei que algumas pessoas não iriam ao evento, mas não que ninguém iria. — Fernando admitiu, sentindo uma parcela de vergonha que sempre voltava para lhe assombrar. — Me boicotaram de todas as formas possíveis. Foi tudo de mal a pior.

— E o que você pensa disso hoje? Você tem noção do quanto isso foi grave? — Carlos indagou, receoso por saber que era uma questão delicada.

— Foi uma calúnia e eu tenho consciência disso. Eu só não consegui voltar atrás, preferi encarar todas as consequências sozinho já que eu sentia que não tinha mais ninguém lá por mim.

Fernando constatou e continuou a comer com calma. Eduardo voltou a repensar no que tinha ouvido, agora entendendo bem o lado do artista. Conseguiu se distrair de suas próprias questões para focar no que o amigo contava, vendo que cada um precisava enfrentar grandes problemas na vida e tendo fé de que conseguiria superar os seus próprios desafios.

♢♦♢

As louças do almoço já estavam lavadas e Eduardo agora se despedia dos amigos no portão. Quando Carlos e Fernando voltaram para dentro de casa junto a Kid, o instrutor sentou-se no sofá, chamando o artista para o acompanhar, deixando claro que queria conversar.

— Foi bom o Edu ter vindo... Você também percebeu que ele parece um pouco mais feliz? — Ajeitou uma almofada em suas costas.

— Você o conhece melhor do que eu, então não sei te dizer. Mas ele parecia bem.

— Eu acho que sim, pelo menos, eu espero que sim. — Carlos agora olhou para o artista sentando-se ao seu lado. — Mas eu tô mais feliz ainda por ter ouvido um pouquinho mais da sua história...

— Eu não entediei vocês? — Fernando abriu um sorriso sem jeito, sentindo a mão de Carlos procurar a sua.

— Não mesmo. — Entrelaçou suas mãos. — Eu gosto muito de quando você se sente à vontade para falar do seu passado... Eu sei que não é fácil.

— Agora não dói tanto. — Assumiu, olhando para suas mãos unidas.

— E falando nisso... Eu não sei se você gostaria da ideia, mas... O que acha de ir naquele galpão que você comentou comigo? — Carlos indagou, sem saber direito como formaria aquela frase. — Eu sei que quando você comentou disso comigo eu fiz parecer que você não tinha escolha, mas...

— Você quer ir no depósito? — Fernando indagou, percebendo que o outro se encolheu um pouco mais pela aparente timidez.

— Se você quiser, então sim. — Carlos olhou para os lados antes de encarar o artista. — Queria poder ver algumas das suas coisas, saber mais sobre você...

Fernando agora admirava os olhos azuis tão cativantes, vendo um dos momentos raros em que o outro se enchia de vergonha. Era adorável poder ver que o instrutor ficava sem jeito com pedidos como aquele, sem conseguir deixar de sorrir.

— Nós podemos ir. Eu só não tenho mais a chave e também não sei se o tempo que reservei já expirou, então tem chances de não ter mais nada meu lá...

— Então temos que ir logo. — Carlos garantiu, agora convicto, mudando a postura. — Você se importa de ir amanhã?

— Se não for ruim pra você, nós podemos.

— Então tá combinado. — Sorriu, beijando curtamente os lábios do artista.

♢♦♢

Segunda-feira, dia 3 de outubro.

Já haviam levantado e tomado o café. Carlos estava pronto para sair e enquanto Fernando não demonstrava muita pressa para chegarem logo ao depósito, o instrutor não conseguia disfarçar sua inquietação.

No carro, o artista passava o endereço conforme se lembrava e não foi difícil de localizarem. E antes que Carlos pensasse que Fernando parecia calmo, notou-o secando as mãos no tecido da calça quando estavam prestes a descer, provavelmente receoso.

Precisaram solicitar uma chave reserva na recepção, o que não levou muito tempo após Fernando apresentar sua identidade. Seguiram pelos corredores com a ajuda de um pequeno folheto com a localização do galpão.

— É um alívio que ainda faltem algumas semanas pra expirar seu aluguel com eles. — Carlos afirmou, parando de andar bruscamente ao encontrar o número do depósito. — É aqui?

Fernando apenas gesticulou afirmativamente, mesmo com a chave na mão, não conseguiu pensar no que deveria fazer. Olhou para a fechadura em sua frente e umedeceu os lábios secos.

— Nando... A gente não precisa fazer isso hoje. — Carlos sussurrou, tocando-o de leve no ombro. — Se quiser a gente vai embora e volta outro dia.

O artista olhou para os olhos azuis compreensivos e teve a coragem que precisava para seguir em frente. Encaixou a chave e girou, abrindo a porta pesada, tendo que procurar um interruptor em seguida.

Carlos precisou de alguns segundos para entender tudo o que estava acontecendo no local abarrotado de caixas e itens diversos. Não era diferente para Fernando, que também parecia perdido ao se deparar com a altura de tantos pertences abandonados há quase um ano.

Após o silêncio do artista, o instrutor seguiu-o, adentrando pelos cantos estreitos dentro do depósito. Não conseguia saber apenas pela expressão de Fernando como ele poderia estar, então fez questão de perguntar:

— No que você tá pensando, Nando? Você tá bem?

— Estou sim.. Só é inacreditável ver tudo isso de novo... Eu achei mesmo que isso não aconteceria. — Riu sem graça, colocando as mãos nos bolsos.

— Me fala um pouco do que tem aqui... — O instrutor pediu, mantendo toda sua atenção sobre o outro.

— Tem roupas, sapatos... E outras coisas que nem devo me lembrar mais. — O artista respirou fundo, mas a arfada não pareceu suficiente para recuperar seu ar. — Tudo o que eu apresentei no evento e não foi vendido também está aqui. Bom, basicamente, todas as minhas tralhas de trabalho e outros itens pessoais sem muito valor.

— Discordo, tem muito valor aqui. — Carlos afirmou, vendo-o abrir um sorriso sem jeito. — Mas Nando... Estar aqui te deixa desconfortável de alguma forma?

— Não sei... É como voltar no tempo. Como se eu tivesse acabado de trazer as coisas pra cá e espalhado anti-mofo em tudo. — Riu baixinho. — Na época eu não queria mais ver essas coisas, mas hoje eu fico feliz que elas estejam aqui. É bom sentir que eu não perdi tudo.

O instrutor olhou para os olhos brilhantes do artista, contendo a vontade de abraçá-lo, porque caso fizesse, tinha certeza de que se acabaria em lágrimas e não queria que Fernando pensasse que ele apenas estava ali apenas por pena.

O artista voltou a olhar para as coisas ao seu redor. Abria caixas e analisava os pertences enquanto Carlos deixava-o em silêncio para respeitar o espaço dele. O instrutor passou por um espaço estreito entre os itens empilhados, indo mais ao fundo do depósito. Conseguiu encontrar algumas telas prontas e enfileiradas, curioso para saber do que se tratavam.

Os quadros poderiam ter sido tirados de qualquer museu ou livro de artes. Fernando parecia ter um gosto particular pela era do romantismo, o que fazia com que, nos quadros, Carlos visse a natureza e as emoções sendo retratadas com mais evidência. Em todos, cores vivas e alegres, o que só retratava esse tom de fantasia e sonhos para as obras dele.

Quase quis pedir uma daquelas telas de presente, mas em um canto na parte interior dos quadros, encontrou o valor estimado de cada uma. O mais barato da coleção que olhava era em torno de quinze mil reais. Ao se deparar com aquilo, redobrou o cuidado ao estar manuseando as telas, parando de olhar tudo por medo de estragar qualquer coisa.

Ouviu Fernando o chamando e passou de volta pelo caminho apertado até chegar. Viu que o artista olhava para algumas caixas abertas, umas contendo roupas e outras alguns artigos pessoais, como perfumes, cintos, gravatas e outros acessórios.

— Você acha que eu deveria aproveitar alguma coisa daqui? — O artista quis saber, encarando-o seriamente.

— Por quê?

— Eu não quero levar tudo... Não quero entulhar a sua casa.

— Na nossa casa tem espaço suficiente. — O instrutor o corrigiu, dando uma entonação a mais na segunda palavra.

— É muita coisa, Carlos.

— Relaxa, a gente vai levando aos poucos. — Sorriu, carismático como sempre. — Vamos ter tempo de arrumar tudo.

♢♦♢

Receberam um merecido descanso após algumas viagens que deram para pegar boa parte das caixas. Ainda restou os itens maiores, mas que em breve voltariam para resgatar.

Carlos agora voltava para o quarto de hóspedes, onde as novas bagunças estavam instaladas. E não tinha nada de mais recompensador do que poder ver Fernando contente por estar manuseando seus pincéis antigos e podendo retomar a pintura pelas telas em branco que encontrou.

O instrutor chegou de mansinho, vendo-o organizar alguns tubos de tinta sobre uma cadeira e os aparatos que usaria em breve. Encostou-se no batente da porta e observou-o até que ele notasse sua presença.

— Ah, eu não te vi aí. — Fernando riu de si mesmo, quase se assustando com a presença dele.

— Eu cheguei agora. — Carlos desencostou-se do batente e adentrou o quarto. — Então, já pensou no que vai pro meu guarda-roupa? Eu já abri espaço pra você lá.

— Ah, eu acho que dá pra levar algumas coisas, mas antes eu vou lavar tudo. As roupas estão com cheiro de guardadas... — O artista olhou para as caixas sobre a cama. — Eu não te perguntei, mas queria saber... O que você achou de ver algumas coisas minhas? Quer dizer... Qual foi sua impressão quando chegamos por lá?

— Eu já tinha tido essa impressão antes, mas vendo suas coisas lá no galpão só confirma que você realmente é todo certinho, bem organizado. — O instrutor sorriu, agora se aproximando mais do outro. — Além de te achar bem organizado, eu amei ver suas telas, de verdade. Eu acho que nunca tinha visto nada assim seu.

— Cada uma daquelas levaram no mínimo uns dois meses para ficarem prontas. Mas uma delas, me lembro de que foi uns seis meses, não sei se você viu, aquela do Canal de Midi.

— É aquela que tinha muita árvore e um barco? Eu adorei essa.

— Essa mesmo. — Abriu um sorriso. — Me inspirei nos meus passeios por lá. Você iria gostar de Toulouse, no sul da França.

— Ah, então você passou um tempo lá... — Se surpreendeu, vendo Fernando conferir as tintas e despejar solvente em um pequeno copo. — Foi por isso que aprendeu francês?

— Na verdade, assim que eu terminei o ensino médio, me inscrevi em um concurso do estado e ganhei uma bolsa de estudos em Belas Artes. — Explicou, olhando para Carlos enquanto tentava-se lembrar de qual caixa estariam seus pincéis. — Eu já tinha um pouco de dinheiro guardado, não o suficiente, mas consegui me virar bem enquanto morava em Paris.

— Isso é muito chique.

— Ah, era puro glamour. — O artista ironizou, rindo baixinho. — Se você visse a alta gastronomia que eu comia todos os dias. Biscoitos dos mais baratos, macarrão instantâneo...

— Mas estava em Paris. Se falar tudo isso em francês, já soa chique. — Brincou, ouvindo-o rir outra vez.

— É. Você tem um ponto. — Parou para olhar o sorriso brincalhão do outro.

— Sabe? Tem uma coisa que eu queria te pedir desde ontem, mas eu estava com vergonha... — Carlos mordeu o lábio nervosamente, tendo toda atenção do outro.

— Pode falar. — Continuou olhando para o instrutor, curioso com o que ele teria a pedir.

— Você falaria algo em francês pra mim? Pode ser qualquer coisa. — Carlos quis saber, segurando o riso de vergonha.

— Tudo bem, eu posso. — Riu com o pedido. — Tem alguma coisa que queira em particular?

— Qualquer coisa. Por exemplo, pode falar das suas coisas de pintura, tipo o que tem aqui no quarto.

— Certo. E quer que eu traduza depois ou só vou falando e mostrando as coisas?

— Não precisa traduzir, eu só quero ouvir você falando em francês. Pode até me xingar que eu nem vou saber. — O instrutor riu com ele.

Fernando olhou ao redor e se aproximou do cavalete. Pensou em ir apontando para cada coisa que iria mostrar enquanto falava, para tentar ser autoexplicativo.

Première chose que nous voyons ici, un chevalet où les artistes mettent leur toile où ils peuvent peindre.

(A primeira coisa que vemos aqui, um cavalete onde os artistas colocam suas telas para pintar.)

Carlos entendeu apenas uma ou duas palavras, mas encarou-o como se tivesse compreendido tudo o que ele havia falado. O mais importante, era olhar para o formato diferente que a boca dele se expressava a cada palavra dita. O artista agora andou dois passos para a cadeira onde estavam apoiadas as suas pequenas bagunças de pintura e apontou para elas.

Des petits fouillis ça c'est normal dans les ateliers.

(Pequenas desorganizações são normais nos ateliês.)

Carlos sorria, ainda em silêncio, e Fernando apontava para as tintas e os outros materiais, voltando a dizer.

Donc des tubes de peinture, une gomme, une éponge, un crayon à papier. Et puis des pinceaux plus petits, des pinceaux un peu plus grands et de l'eau sale avec de la peinture.

(Então tubos de tinta, uma borracha, uma esponja, um lápis. E depois pincéis menores, pincéis um pouco maiores e água suja com tinta.)

O artista notou que o olhar concentrado do instrutor, notando-o completamente interessado em continuar ouvindo. Sentiu uma pontada de vergonha por receber tanta atenção e mesmo assim continuou.

Des petits plateaux, truc en plastique que j'utilise pour mélanger les peintures. Blanc, gris, beige, orange...

(Bandejas pequenas, coisas de plástico que eu uso para misturar as tintas. Branco, cinza, bege, laranja...)

A cada tinta que Fernando falava, mostrava os tubos antes de deixá-los de lado, notando então que Carlos finalmente parecia querer dizer algo.

— Repete, Nando.

— O quê?

— A última tinta que você falou, a laranja.

Orange? — Obedeceu, sem saber que o "r" arrastado em sua garganta provocava o outro em todos os sentidos.

— Eu senti um calafrio em um lugar impróprio pra falar agora. — Brincou, abrindo um sorriso cafajeste. — Quero ouvir de novo.

— E se eu te ensinasse uma frase? — O artista deixou as coisas que mostrava de lado e ficou de frente a ele.

— Não sei se eu vou ser tão bom quanto você. Mas tudo bem. — Abriu um sorriso tímido e se aproximou ainda mais do artista.

J'ai envie de t'embrasser.

(Eu estou com vontade de te beijar)

Ja... — Carlos iniciou, completamente confuso. — Repete, Nando.

J'ai envie de t'embrasser. — Falou pausadamente, para facilitar o entendimento do outro.

J'ai envie de t'embrasser.

Encore une fois. Mais uma vez. — Pediu em francês, repetindo a mesma frase em português.

J'ai envie de t'embrasser. — Falou, vendo o sorriso orgulhoso do outro. — Falei certo? O que significa?

Fernando aproveitou a proximidade para deslizar sua mão para a nuca de Carlos. Trouxe-o para perto, com ele aceitando vir o restante do caminho até seus lábios. Teve a boca dele sobre a sua, enquanto seu coração fazia um escândalo dentro de seu peito.

Carlos não precisava mais da tradução, o artista era bom em fazê-lo entender do que se tratava. Os toques sutis de Fernando em sua nuca e costas fez com que instintivamente desse um passo a mais para frente, grudando seu quadril no dele.

Era uma proximidade perigosa, nunca antes estiveram tão colados e parecia simplesmente inevitável. O artista apenas desceu ambas as mãos até as laterais do quadril dele. Firmou seus dedos sobre o tecido da camiseta de Carlos, como se estivesse com medo do que suas mãos seriam capazes de fazer caso estivessem livres para explorá-lo.

O instrutor soltou um suspiro em meio ao arrepio que percorreu desde o local que era pressionado por Fernando. Carlos não teve outra reação senão também levar seus braços para as costas do artista, sua boca apenas se afastou da do outro para subir com seus beijos para as bochechas dele.

A sua barba esfregava por onde sua boca percorria e Fernando sentiu um pedaço do paraíso quando recebeu beijos no pescoço. Sua respiração já não encontrava mais o fluxo normal e apenas aproveitava os toques dele, em alguns momentos se encolhendo pela sensibilidade.

Carlos continuou naquela região e o artista só faltou levantar uma bandeira branca de rendição. Era difícil manter a compostura quando os lábios suaves desciam até seus ombros e voltavam a subir, deixando beijos carinhosos e desinibidos pela região.

Fernando soltou um longo suspiro antes de ter sua boca tomada pela dele novamente. O artista sentiu que ele não parecia querer apressar as coisas. Os movimentos de Carlos continuaram calmos, encaixando os lábios úmidos nos seus de maneira lenta, tranquilo como se estivesse compondo uma melodia somente deles.

As mãos do instrutor subiam pelas costas de Fernando, tocando seu corpo. Ao mesmo tempo que provava do seu beijo, passeava pela sua coluna, deliciando-se do tato, pressionando a ponta dos dedos sobre o tecido de sua camiseta.

Concentrados no momento, o artista não receou em também tocá-lo. Afrouxou seus dedos do quadril dele, deixando-se levar pela vontade que sempre teve de apalpar cada canto do corpo de Carlos. Quase desceu demais, mas seu cérebro o alarmou para não ultrapassar o limite da região proibida. Teve que controlar-se para suas mãos não ficarem atrevidas demais.

O artista não sabia se estava enlouquecendo, mas quanto mais tentava se conter, mais queria tomar posse do corpo do outro. Fernando sentiu a língua de Carlos deslizar para dentro de sua boca vagarosamente e quase não respondeu por si.

Sugou-o em resposta, também invadindo a boca dele pela primeira vez, em movimentos recíprocos, calmos e vigorosos. Ambos envolviam ainda mais as suas mãos, que agarravam-se aos tecidos da roupa um do outro, como se dissessem para não pararem. Queriam se manter próximos, tão próximos que a vontade crescia e a razão ia embora a cada segundo.

As fricções de seus quadris já não escondiam o quanto estavam excitados. Os arrepios continuavam e o frio na barriga apenas aumentava. Suas bocas continuaram a se devorarem, ora devagar e ora apressadas. Deixavam-nas levemente abertas, dando a liberdade para suas línguas brincarem juntas.

Fernando queria desacelerar, com medo de chegar ao ponto onde não saberia voltar atrás e não queria se arrepender. Foi então que sentiu os dedos do instrutor entrelaçarem em seus fios curtos, deixando-o com vontade de fazer o mesmo. Levou uma de suas mãos carinhosamente aos cabelos longos de Carlos, que respondeu-o com uma mordida leve em seu lábio inferior.

O artista foi pego de surpresa, sem poder negar que outro arrepio percorreu seu corpo até o baixo ventre. Carlos sabia usar todas as cartas para o seduzir e mesmo que aproveitasse, estava sem saída, perdidamente entregue a ele. Fernando reproduziu o último gesto dele, também mordiscando-o e continuando o beijo em um ritmo deliciosamente lento.

Carlos não conseguiu conter os grunhidos involuntários durante o beijo, seus gemidos simplesmente escapavam a cada reação inesperada de seu corpo. A cada mordida, a cada vez que sua língua era sugada e suas costas tocadas, seu corpo queria ainda mais de cada sensação.

O instrutor não conseguia mais pensar em outra coisa senão tirá-lo dali, o queria tanto, que era difícil raciocinar. Os braços de Fernando o enlaçavam com uma força que nunca sentiu antes, apenas o queria e cada vez mais.

Carlos, sem nada dizer, subiu de mansinho com uma de suas mãos por baixo da camiseta do artista. Sentiu-o estremecer e, com isso, se afastou minimamente da boca dele, apenas o suficiente para encará-lo de perto.

— Nando... — Chamou-o assim que viu que ele abria os olhos. — Quer ir tomar um banho comigo?

Fernando encarou os olhos azuis de perto, sentindo sua boca secar. Se fosse apenas pela sua vontade, não pensaria duas vezes. Mas ainda não sabia se deveria aceitar, principalmente porque sabia que não era de um simples banho que ele estava se referindo.

— Tudo bem... — Carlos voltou a dizer, entendendo o recado pela demora na resposta.

— Me desculpa. — Sussurrou, ainda a milímetros de distância do rosto do outro.

— Relaxa. Tudo no seu tempo. — O instrutor sorriu carinhosamente, dando-lhe um beijo curto.

♢♦♢

Já era noite e Fernando terminava de se trocar após o banho. Agora saía do banheiro e ia ao quarto de Carlos. Por mais que o instrutor insistisse em dizer que o quarto também era seu, ainda não se sentia parte dali. Carlos esclarecia de todas as formas possíveis, de que aquela casa e cada espaço dela, era de ambos. Mesmo assim, o artista ainda se envergonhava em estar dividindo o mesmo ambiente que ele.

Fernando sentou-se no colchão e o viu escovar os dentes pela porta aberta do banheiro. Admirou-o, Carlos sempre ficava terrivelmente bonito até dentro de seus pijamas. Esperou até ele terminar e puxou a coberta para se cobrir enquanto isso.

O instrutor reclamava de sono após enxaguar a boca, secando o rosto com uma toalha antes de sair do banheiro. Carlos foi ao seu encontro e se jogou na cama, fazendo o outro rir pela surpresa. Fernando foi puxado por um abraço repentino, ainda rindo com a animação do outro que há poucos minutos dizia estar caindo de sono.

As bochechas e o rosto do artista foram preenchidos de beijos gelados e os dois não conseguiram se manter sérios. Carlos apenas o apertou mais uma vez, já deitado ao lado dele, mantendo a aproximação, dizendo baixinho:

— Que cheiroso. — Fungou-o curtamente no ombro. — Posso ficar só cheirando você?

— Como quiser. — Fernando aceitou, sentindo a respiração curta dele subir para seu pescoço.

O artista se arrepiou, sem deixar de rir baixinho. Não sabia se o outro fazia aquilo para tirá-lo do sério, mas tinha quase certeza de que sim, principalmente quando o via abrir seu famoso sorriso conquistador em seguida.

— Boa noite, Nando. — Carlos pretendia beijá-lo apenas uma vez, mas foi puxado para um segundo beijo.

— Boa noite. — O artista devolveu o mesmo olhar carinhoso, percebendo que conseguiu deixá-lo tímido por um momento.

— Posso desligar a luz?

— Pode.

— Então toma cuidado com o bicho que morde no escuro. — Carlos desligou o interruptor, voltando a se aconchegar no corpo do outro.

— Sei bem que bicho é esse. — Fernando deitou-se de lado e sentiu as mãos do instrutor subirem pela sua barriga enquanto o abraçava atrás de si.

Carlos deixou uma mordida leve no ombro do artista e riu. Com sua risada saindo ligeiramente abafada por estar grudado ao corpo dele. Fernando não se manteve sério, apenas aproveitando a brincadeira, gostando de tê-lo tão próximo. O artista acariciou o braço dele que o abraçava, deixando claro que queria dormir daquele jeito, então Carlos permaneceu ali.

O instrutor continuou fungando o cheiro gostoso de sabonete do outro e aproveitou para beijá-lo uma última vez no pescoço, esfregando sua barba de leve na região sensível antes de sussurrar para que ele dormisse bem.

Fernando estava tão confortável, que era difícil de acreditar que aquela realidade realmente existia. Os braços amorosos de Carlos que o envolviam e a respiração dele tranquila em seu pescoço, eram o conjunto perfeito para o embalar em um sono gostoso, mas esse sono não veio.

Na escuridão do quarto, a mente do artista voou para uma memória distante. Tudo estava nítido em seus pensamentos, Fernando lembrava-se perfeitamente de andar pela sua casa já vazia após ter se livrado dos últimos móveis.

Tinha levado apenas os objetos que não conseguiu vender para o depósito, os mesmos que agora estavam no cômodo do outro lado do corredor da casa de Carlos. Não entendia como podia voltar no tempo apenas por sentir o cheiro de todos os materiais e relembrar dos últimos dias deles em sua antiga casa.

A mesma dor da desilusão parecia voltar a assolar seu peito. Fernando conseguia se recordar do eco que seus passos causavam em sua sala de estar completamente vazia. Suas bagagens já estavam do seu lado enquanto despedia-se dos seus últimos dias ali.

Não tinha sequer um tapete para poder forrar o chão para deitar, então apenas deslizou pela parede até chegar ao piso frio. O artista alcançou uma caixa ao seu lado, pegando o presente que tinha ganhado de Natan de aniversário.

A câmera profissional que agora segurava, já tinha outro dono, uma pessoa viria buscá-la no dia seguinte por ter anunciado o produto praticamente novo na internet. Ao menos, um pouco mais de dinheiro entraria pela venda.

E ainda olhando para o equipamento, apertou o botão para ligar e outro para acessar as imagens capturadas. Conseguia ver cada fotografia ao lado de Natan: os dois sorrindo e felizes, o perfeito retrato de antes de ter seu coração completamente destruído por ele.

Olhando para aquilo, apenas chorou, já estava segurando as lágrimas há tempo demais. Fernando lembrava-se perfeitamente da humilhação de ter sido traído e rechaçado em público, porque ela ainda queimava em seu peito. Lembrava-se de se perguntar, sozinho naquela sala de estar, se algum dia, em qualquer outra circunstância, alguém seria capaz de amá-lo.

E agora o artista enxugava o rosto, voltando das lembranças. Estava deitado ao lado de um homem que tinha ficado o dia todo recolhendo seus pertences do passado, o ajudando a organizar tudo e tendo cedido um espaço em seu próprio guarda-roupa. Aquilo tudo era o que Fernando mais desejou na vida e ainda assim, sentia medo constantemente.

Carlos era o mais perfeito anjo na Terra e o dono de seu coração. O seu receio estava concretizado, não poderia mais voltar atrás, sua guarda já estava baixa e sua queda seria grande. Um homem como aquele, algum dia se cansaria. E o artista tinha plena consciência de que não conseguiria se reerguer outra vez caso aquilo acontecesse.

Todo o amor que sentia por aquele ser divino sem asas, fazia com que seu peito queimasse de tanto amor. Fernando nunca pensou que amaria tanto alguém após a última desilusão, mas estava completamente enganado. O que nutria por Carlos não era deste mundo.

Seu choro se intensificou e precisou soluçar para respirar, com medo de que fosse acordar o homem abraçado a si. As coisas estavam tão perfeitas, que se sentia completamente aterrorizado e sem rumo, não sabia como poderia ter medo de algo tão bom.

Fernando não queria mais voltar atrás, queria que aqueles braços que o envolviam, sempre estivessem ali por ele. Não queria mais se sentir sozinho, estava se acostumando e aquilo era ruim, muito ruim.

A fronha do artista já estava molhada e seu peito arfava. Apenas queria continuar dentro do abraço que o viciava naquela sensação de segurança. Então tentou permanecer imóvel para não chamar atenção, embora ainda pudesse alarmar o outro com sua respiração descompassada.

E Fernando, sem precisar pedir ou falar qualquer coisa, sentiu os braços de Carlos o envolvendo com mais força. O artista, ao notar o gesto dele, agora apertava os olhos, sentindo as lágrimas escorrerem quentes por sua bochecha, sem conter mais o seu choro.

Carlos deixou claro que estava acordado, mas não perguntou o que estava acontecendo, apenas pareceu entender. Voltou a acariciar os braços do homem à sua frente e sussurrou tudo o que ele precisava ouvir, da forma mais amorosa possível.

— Eu tô aqui, Nando. 

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