Indigente [COMPLETA]

By OkayAutora

94.8K 10.2K 6.9K

Em meio à olhares tortos de reprovação vindo dos clientes, apenas um olhar era de compaixão quando um andaril... More

Capítulo 1 - R$ 1,45.
Capítulo 2 - Arte.
Capítulo 3 - Retrato.
Capítulo 4 - Trajes.
Capítulo 5 - Frio.
Capítulo 6 - Grãos.
Capítulo 7 - 38.
Capítulo 8 - Tempo.
Capítulo 9 - Humano.
Capítulo 10 - (Res)sentimento.
Capítulo 11 - Decisão.
Capítulo 12 - Recado.
Capítulo 13 - Rumos.
Capítulo 14 - Acolhimento.
Capítulo 15 - Insegurança.
Capítulo 16 - Recomeçando.
Capítulo 17 - Habituando.
Capítulo 18 - Provocação.
Capítulo 19 - Compensação.
Capítulo 20 - Aliviar-se.
Capítulo 21 - Despertar.
Capítulo 22 - Proteger.
Capítulo 23 - Início.
Capítulo 25 - Presente.
Capítulo 26 - Dilacerado.
Capítulo 27 - Arrependimento.
Capítulo 28 - Irremediável.
Capítulo 29 - Escolha.
Capítulo 30 - Distância.
Capítulo 31 - Inacessível.
Capítulo 32 - Flashback.
Capítulo 33 - Inconsistente.
Capítulo 34 - Esperança.
Capítulo 35 - Esperar.
Capítulo 36 - Conquista.
Capítulo 37 - Saudosista.
Capítulo 38 - Diálogo.
Capítulo 39 - Queda.
Capítulo 40 - Romantismo.
Capítulo 41 - Necessidade.
Capítulo 42 - Transparente.
Capítulo 43 - Solucionando.
Capítulo 44 - Festejando.
Capítulo 45 - Reivindicando.
Capítulo 46 - Cuidando.
Capítulo 47 - Retorno.
Capítulo 48 - Vínculo.
Capítulo 49 - Elo.
Capítulo 50 - Calúnia.
Capítulo 51 - Testemunha.
Capítulo 52 - Convite.
Capítulo 53 - Negócios.
Capítulo 54 - Coragem.
Capítulo 55 - Namorando.
Capítulo 56 - Sociedade.
Capítulo 57 - Comoção.
Capítulo 58 - Ciclos.
Capítulo 59 - Prestígio.

Capítulo 24 - Infância.

1.3K 144 70
By OkayAutora


Capítulo 24 — Infância.

— Nossa, Edu, é como se você já nascesse sabendo lidar com tudo isso. — Carlos admirou-se, após ouvir tudo o que o amigo tinha para falar sobre as crises da namorada. — Você se saiu muito bem, de verdade.

— Eu só não sei como tudo vai continuar. Eu não sei quando ela pode apresentar outro quadro desses. Pode ser que demore, pode ser que não. — Eduardo suspirou, tomando um gole de água.

— E o que você vai fazer a respeito da sua desconfiança sobre ela possivelmente ter parado com os remédios? — Carlos quis saber, vendo o olhar desanimado do amigo.

— Sinceramente? Nada. Eu não quero arriscar. Ontem eu até tentei perguntar se ela tinha se medicado e tudo foi por água abaixo.

— É, eu também não saberia o que fazer. — Carlos franziu o cenho, frustrado por não conseguir pensar em uma solução para o outro. — Mas você disse que o irmão dela está na cidade, certo? Quem sabe ele não pode fazer algo pra ajudar? Você já o conheceu?

— Ainda não. Eu o vi naquele dia do bar, se lembra? Mas não tive contato nenhum com ele.

— Sim, me lembro sim. Você achou que ela estava em um encontro e eu falei que poderia ser um parente dela. Daí você me acusou de ser idiota por ser otimista demais. — Carlos alfinetou, rindo sacana.

— Ah, cara! Não foi bem assim! — Rebateu, rindo com o amigo. — Mas enfim... Pelo que sei, esse cara é quem vai validar nosso relacionamento. Ou seja, ele tem que gostar de mim, senão já era.

— Não tem como não gostar de você, Edu. Fala sério. — Carlos afirmou, vendo um sorriso se formar no rosto do amigo. — Não precisa ficar tão tenso. Você tá se saindo super bem.

— Eu não me lembrava que era tão difícil namorar! — Eduardo riu consigo mesmo, passando as mãos pelo rosto, em um misto de nervosismo e contentamento.

— Na teoria, não era pra ser assim. É que tem pessoas que levam mais tempo pra se ajustar do que as outras, é aí que mora o problema. — Carlos olhou para as próprias mãos sobre a mesa. — Porque é onde a personalidade é mudada apenas para agradar outro e o amor vai indo embora aos pouquinhos. Foi assim comigo e com o André, a gente não tinha nada a ver um com o outro.

— É, eu me lembro de como ele era ansioso e te cobrava pra ir morar com ele, mesmo com tão pouco tempo de namoro. Meio lelé. — Eduardo assumiu, vendo Carlos rir enquanto girava o dedo indicador ao lado da cabeça.

— É raro um relacionamento em que as duas pessoas se encaixam bem logo de cara. Pra chegar nesse ponto geralmente as pessoas precisam de muita conversa franca e confiança. Eu queria ter algo assim. — Carlos concluiu, vendo o sorriso do amigo se tornar provocativo. — O que foi?

— Nada, nada. Você vai ficar bravo se eu falar.

— Agora eu tô curioso. Desembucha, Edu. — Insistiu, como os olhos estreitos de desconfiança.

— Você e o Fernando convivem super bem, não é? — Questionou, exibindo uma expressão cínica de inocência.

— Imagina se o Nando soubesse o quanto você fica torcendo pra eu namorar com ele. Iria embora correndo daqui. — Carlos fingia estar bravo e o amigo entendia a falsa indignação do outro.

— Mas sobre isso... Ele não sabe sobre você?

— Eu ser gay? Não. E acho melhor assim. — Carlos engoliu em seco, não querendo imaginar o que o outro poderia dizer caso repugnasse aquela ideia. — Eu sei que o Nando é incrível e provavelmente não agiria estranho comigo, mas eu só... Tenho medo, sabe?

— Eu sei. Eu me lembro bem do que dia que você se declarou pra mim, você quase saiu correndo depois. — Eduardo caiu na gargalhada, enquanto o amigo se avermelhava à sua frente.

— Ah, não! Não me lembra desse dia!

— Eu achei fofo, sinceramente. — Eduardo riu, levando seu copo de água até ao do amigo, sinalizando para brindarem.

— Ai... Se não fosse você, sinceramente. — Carlos agora bebia sua água. — A gente acaba preferindo esconder do que perder os amigos. Eu sei, sei que é errado pensar assim, mas uma hora cansa, Edu. Nem todo mundo é como você.

— Eu te entendo. — Eduardo podia ver o olhar introspectivo do amigo. — E eu vou continuar aqui, caso qualquer merda aconteça. Mas sinceramente? Acho que você não precisa se esforçar pra esconder. Se acontecer, aconteceu. Aí você vai descobrir quem o Fernando é de verdade. E vai que você descobre algo mais com isso...

— Você tá querendo insinuar alguma coisa de novo ou é impressão minha? — Carlos segurou a risada, vendo o outro se entregar com o olhar sugestivo.

— Nada impede ele de ser gay ou bi. Só dizendo! — Eduardo mostrou as palmas da mão em rendimento.

As risadas foram interrompidas por um barulho de celular e Carlos viu o amigo retirar o aparelho do bolso, dizendo:

— É a Mô.

— Vai, pode atender.

Eduardo saiu da cozinha e o amigo ficou para trás, apenas esperando. Kid, que estava deitado até então, levantou a cabeça para olhar a movimentação, mas permaneceu em seu canto.

Quando a ligação foi finalizada, o convidado retornou para à mesa e se desculpou por se retirar.

— Então... Ela quer que eu vá para lá agora, o Murilo vai jantar com ela e a Mô pensou que seria uma boa oportunidade pra gente se conhecer, já que não é sempre que ele vem pra cá.

— Tá certo, tem que aproveitar mesmo.

— Você não vai ficar chateado se eu for?

— Imagina, Edu. Até porque eu vou querer saber de tudo depois. — Riu com o amigo, também se levantando.

— Pode deixar que eu vou te contar.

♢♦♢

O sorriso no rosto de Monique deixava claro o quanto ela estava feliz com a visita do irmão. Eduardo permanecia esperando o momento certo de entrar na conversa, enquanto a namorada contava uma história engraçada de infância.

Murilo já havia sido apresentado formalmente para Eduardo, mas não parecia interessado em puxar assunto. O rapaz permanecia ao lado da irmã, não dando muita atenção ao novo cunhado.

Michele fazia parte de todos os diálogos periodicamente, apenas falando algo quando necessário. Ela preferia se manter mais afastada, apenas garantindo que tivesse água na mesa e que todo mundo estivesse bem servido.

E com isso, a amiga não deixou de reparar que Eduardo olhava para o centro da mesa paralisado. Ela chamou a atenção dele com um pequeno gesto e lhe indagou baixinho:

— Quer mais um pedaço da lasanha? Eu posso colocar pra você.

— Não, eu agradeço, Mi. — O instrutor forçou um sorriso, ainda ligeiramente desconfortável com a situação.

Monique notava a pequena conversa e parou de falar com o irmão, notando que o namorado estava calado. Ela se deu conta de que talvez tinha que segurar um pouco da empolgação se quisesse que Murilo tivesse a oportunidade de conhecer Eduardo.

O clima permaneceu esquisito na mesa e Monique não sabia o que fazer para que ambos conversassem. Ela estava pensativa e Eduardo reparou a inquietação da namorada quando se levantou, se oferecendo para cuidar da louça.

— Eu te ajudo. — Monique informou, também ficando de pé.

— Não precisa, Mô. — Negou com um sorriso no rosto, dando um beijo na bochecha da moça.

— Quem cozinha não lava a louça, não é essa a regra? — Murilo declarou, tirando o próprio prato e talheres da mesa. — Vai lá se sentar na sala com a Michele, eu ajudo ele aqui.

— Ah gente, tem certeza? — Monique indagou, em dúvida se deveria deixar os dois sozinhos na cozinha, ao mesmo tempo que pensava que seria uma boa oportunidade para se conhecerem.

— Eu já sei onde você guarda tudo. — O irmão insistiu. — Vai lá.

— Tá, tá bom. Mas me chamem se precisar.

Michele foi para a sala com a amiga e os dois homens permaneceram na cozinha. Eduardo ajeitava os pratos sobre a pia, tentando pensar no que poderia dizer ao cunhado para quebrar o gelo já que ainda não haviam conversado diretamente.

Murilo primeiramente se certificou de que as duas mulheres estavam devidamente longe, para assim se aproximar do outro. O jovem de cabelos afro e raspados nas laterais apoiou as costas contra a parede, encarando-o, em um gesto silencioso de julgamento.

— E então, você e a Mô têm dez anos de diferença, é isso? — Foi tudo o que Eduardo conseguiu dizer para quebrar o silêncio.

— Olha só, nem começa com esse papinho. — O rapaz se desencostou da parede. — Eu conheço o seu tipo.

— Meu tipo? — Eduardo ergueu as sobrancelhas, fechando a torneira e virando-se para ele.

— Eu vim pra cá porque soube que a Mô foi para o pronto-socorro ontem. — Murilo abaixou o tom de voz, dando passos em direção dele. — E eu sei que ela estava com você quando isso aconteceu.

— Sim, eu estava mesmo. — Virou-se para o cunhado, sem saber o porquê de ele carregar aquele tom acusativo.

— Até quando você pretende continuar com esse teatrinho? — Murilo continuou, como se o outro já soubesse do que se tratava o rumo da conversa. — Eu já vi a minha irmã sair muito magoada de relacionamentos com caras como você. Qual é a graça de fazer isso? De pagar de benfeitor e desconstruidão por pegar uma mina gorda?

— Mas o quê? — Os olhos de Eduardo ressaltaram seu espanto, sem acreditar no que ouvia. — Você tá zoando, né? Porque eu estaria com a sua irmã se eu não gostasse dela? Independentemente de peso, cara.

— Não vem com essa. — Murilo via que o outro voltava a abrir a torneira, deixando de encará-lo. — E se algo acontecer com ela, você vai se ver comigo e com os meus caras.

— Não precisa me ameaçar de nada. — O instrutor controlou o nervosismo que crescia, respirando fundo. — E eu sei que você se preocupa com a sua irmã e eu não vou fazer nada que possa magoar ela.

— Depois não diga que eu não te avisei. — Murilo deu-lhe as costas, voltando a ajeitar a mesa.

♢♦♢

Eduardo lavou os pratos com certa velocidade. Ficar na cozinha em um completo silêncio com o cunhado que não acreditava na veracidade de seu relacionamento era mais do que desconfortável. Por sorte, o outro também não queria passar mais tempo consigo então assim prosseguiram até terminarem os serviços na cozinha.

Murilo pensou que já tinha dado seu aviso e, portanto, já poderia ir. Michele pegou suas coisas para levar o rapaz para à rodoviária, saindo com ele e deixando os pombinhos a sós na casa.

— Já tá tarde, acho que eu deveria ir também. — Eduardo informou à namorada, vendo-a sentada no sofá com as pernas cruzadas.

— Não, por favor... Fica. Pelo menos mais um pouquinho. — Ela fez outra vez o biquinho que o outro não resistia.

— Você tá proibida de fazer essa cara fofinha. — Eduardo sentou-se ao lado dela, abraçando-a apertadamente.

— Ai, Edu... — Ela passou as mãos pelos braços fortes do outro. — Obrigado por vir aqui hoje. Eu tô feliz demais que você conheceu o Lilo.

— Lilo? Não sabia que você o chamava assim. — O outro riu.

— Na verdade, é a minha mãe que o chamava assim. — Monique soltou um suspiro. — Eu sinto tanto a falta dela...

— Me conta o que aconteceu... Se você quiser. É claro.

Eduardo sabia que aquele era um assunto delicado e que Monique não entrava facilmente, mas precisava saber mais sobre o passado da namorada.

— Bom, você já sabe que o Lilo é meu meio-irmão. Mas pra mim, isso não importa. — Ela olhou para Eduardo, vendo a confirmação dele enquanto se ajeitava, apoiando a cabeça em seu peito. — Meu pai amava mais o vício dele do que a mim, do que qualquer outra coisa. Ele bebia todos os dias e eu não me lembro de um momento sequer em que ele estivesse sóbrio. Ele desistiu de mim e da minha mãe quando parou de tentar mudar...

— O vício acaba com qualquer ser humano. — Eduardo pousou os dedos delicadamente sobre os cabelos da namorada, começando uma carícia delicada em seus fios.

— Eu não sei se eu posso dizer que foi o meu pai que fez isso comigo ou se foi a bebida. Mas...

Monique fez uma pausa maior do que o convencional, tão longa que Eduardo pensou que ela não iria continuar. De qualquer forma, continuou os afagos e viu que ela se recuperava para voltar a falar.

— Voltando um pouco no tempo... Exatamente na primeira série, comecei a ter uma percepção diferente da minha família, eu estava com seis, quase sete anos. Na época, minha mãe já trabalhava para fora e meu pai chegava do trabalho de tarde e ficava o resto da noite comigo, porque ela demorava para chegar.

Ela fungou o aroma masculino do perfume durante o abraço confortável. O coração de Monique disparava e embora sua ansiedade ameaçasse aparecer, estava convicta em contar toda a história.

— Acontece que ele começou a chegar em casa bêbado, eu não sabia nem que tinha um nome para isso. Eu só sabia que ele tinha bebido e se alterado porque minha mãe me dizia isso sobre as bebidas, para que eu não quisesse provar quando ele estivesse tomando algo perto de mim... — Monique contava normalmente, até fechar os olhos, parecendo perturbada pela lembrança. — Foi assim até ele começar a...

Eduardo engoliu em seco, como se soubesse o que ela diria dali em diante.

— Ele me tocou em lugares que eu não podia contar a ninguém. Me manteve assim durante anos. — Os olhos dela ainda estavam fechados enquanto escorria uma lágrima. — Enquanto minha mãe trabalhava duro pra garantir a nossa comida, ele destruía o meu psicológico. Tudo indica que meu border se desenvolveu daí...

Ela olhou para o namorado, ainda com os olhos molhados. Monique podia sentir a preocupação dele pela maneira que ele o olhava. Os braços de Eduardo a envolveram, querendo proteger aquela criança perdida que ainda habitava nela.

— Demorou muito tempo para a minha mãe descobrir. Eu não podia contar para ninguém, aquilo me deixava muito mal. — Revelou, sentindo seu estômago revirar. — Minha mãe me protegeu dele, mas... Eu não sei se eu sou grata por ela ter me tirado das mãos dele ou se eu preferiria que aquilo tudo continuasse... Porque pelo menos eu ainda teria ela na minha vida.

Eduardo concluiu tudo rapidamente. Engoliu em seco, sentindo algo entalado em sua garganta.

— Foi seu pai que... — Ele disse, tão baixo que apenas a namorada poderia o ouvir.

— Eles viviam em constante pé de guerra. — Ela respondeu, com a voz embargada. — Ela sofreu muito nas mãos dele. Ele nunca a superou de verdade... Eu não o culpo porque ela era perfeita, mas...

Monique parecia procurar mais oxigênio, como se a sala estivesse ficando menor e menor. Eduardo se manteve colado nela, atento a qualquer sinal que demonstrasse algum quadro de ansiedade.

— Ela me levou para a casa da minha avó. — A blogueira agora parecia respirar propriamente. — Eu já estava com oito anos quando isso aconteceu.

— E eu imagino que vocês não tiveram paz, mesmo depois de se mudarem.

— Acertou. Por um tempo eu achei que tinha ficado tudo bem, ele não ficou nos perseguindo, sabe? Até dizer que mudou, disse. Falou que tinha começado a frequentar uma igreja e até tentou se vestir melhor para nos impressionar, mas já pode adivinhar que isso não funcionou, né? — Monique contava com uma tristeza infinita em sua voz. — Quando eu achei que minha vida estava boa, porque eu adorava ficar na casa da minha avó e ainda ter minha mãe por perto, foi tudo piorando de novo.

A mulher esfregou o próprio rosto para secar suas lágrimas e se ajeitou mais confortavelmente sobre o tórax do namorado.

— Minha avó reclamava que estávamos ali porque minha mãe era preguiçosa, que ela continuaria o resto da vida ali se aproveitando da casa dela. Enfim, só coisa ruim... Quando eu achava que conhecia a minha avó, na verdade, ela se transformou na pessoa que mais me arrasava, mesmo eu sendo tão nova. — Desabafou, fazendo pausas para evitar que o choro voltasse. — E Du... Eu sei que minha mãe trabalhava demais, dava boa parte do salário pra ajudar a minha avó com as despesas. Parecia que o mundo todo estava contra a nossa felicidade.

Eduardo levou os toques para os ombros da namorada, como se lhe passasse força através de seu carinho, permanecendo em silêncio para deixá-la confortável.

— Minha avó continuou assim conosco e depois começou a me atacar diretamente. Quando eu fiquei um pouco maior, isso lá pela quarta série, comecei a ganhar peso. Hoje eu sei que é por causa da infância turbulenta e a negligência que eu sofria, mas... Minha avó me chamava de gorda, usava as minhas primas todas magras como exemplo, para esfregar isso na minha cara e me botar pra baixo.

Monique parecia voltar a se incomodar com seu corpo, levando as mãos para seu quadril. Suas mãos pousaram sobre suas curvas e ela suspirou tristemente.

— Ela falava coisas horríveis e isso ainda piorou quando eu disse que queria ser modelo. Porque como você sabe, eu sou muito ligada com moda e desde criança eu já gostava desse mundo...

— Posso até imaginar o que ela falava. — Eduardo franziu o cenho, sentindo seu peito apertar.

— É. Ela falava que eu não poderia jamais ser modelo se eu continuasse comendo daquele jeito. Fazia piadas me comparando com bolas de praia e o pior tipo de coisa... O bom é que a minha mãe sempre me apoiava, ela me dizia que para ser modelo, eu precisaria estudar muito e isso me incentivava.

Monique olhou para cima, encarando mais uma vez a expressão amorosa do namorado. Recebeu um selinho dele, conseguindo sorrir por um segundo, antes de voltar a dizer:

— O único problema é que eu passava mais tempo com a minha vó, então a maior parte do meu dia era ouvindo os comentários maldosos dela ou me escondendo no quarto para não ter que ouvir. Só saía dele para comer, que era quando eu ouvia mais piadinhas. — A blogueira desabafava, como se as imagens viessem perfeitamente diante de seus olhos. — Os transtornos alimentares já eram parte da minha rotina.

Eduardo desceu seus dedos para se encaixar com os da namorada, entrelaçando suas mãos com força. Todas aquelas confissões rasgavam seu peito em dois. Tinha em mente que precisava conhecê-la, mas era duro ouvir todas aquelas situações que nenhum ser humano deveria passar.

— E foi quando eu tinha nove, que minha mãe começou a namorar. Eu fiquei feliz por ela, mesmo que ela tivesse ainda menos tempo pra mim. — Monique abriu um sorriso torto. — Eu fiquei super feliz por ela, já planejava em ser florista do casamento dos dois e em finalmente mudar da casa da minha avó. Porque eu não aguentava mais.

— Você chegou a contar para a sua mãe sobre as situações com a sua vó?

— Minha mãe via que eu estava sempre pra baixo, mas eu guardava muita coisa pra mim. Evitava falar algumas coisas pra não fazer minha mãe brigar com minha avó...

— E só de pensar que você sentia essa responsabilidade com a sua idade, é de cortar o coração. — Eduardo se sensibilizou. — Você devia ser um doce de menina. E só precisava de atenção...

— Não é legal pra nenhuma criança ter que se virar desde cedo, ouvir pela boca da própria avó que nunca vai ser o que ela sonha quando crescer. — Monique não aguentou e voltou a fungar. — Eu quis desistir dos estudos, não tinha mais ânimo nas aulas. Minhas notas eram baixas e eu ouvia todos os dias que além de gorda, eu era burra...

Eduardo definitivamente estava destruído. Seus olhos se carregavam e sua visão embaçava. Tentou evitar que seus lábios tremessem, abraçando a namorada com todo o amor que cabia em si.

— Depois disso, você já pode imaginar. Minha mãe engravidou do Lilo. E tudo isso vem acompanhado de todos os cuidados para o bebê... O pouco tempo que eu tinha com a minha mãe foi cortado totalmente e eu ainda precisava ajudar com ele. — Ela tentou resumir, mal conseguindo se lembrar de quando teve um pouco de paz na infância. — Mas sabe? Eu não tinha ciúme dele... Eu amava dar amor para o meu irmãozinho. Eu era uma segunda mãe para ele.

— E você ainda morava na sua avó quando ele nasceu? — Eduardo agora tentava reunir todas as informações.

— Sim, por toda a adolescência morei com ela. Minha mãe tinha planos da gente sair da casa dela, mas tudo foi tirado dela... — Monique simplesmente parou de contar, com medo de que se falasse, voltaria no tempo para sofrer novamente.

— Você estava com doze anos, não é? Quando seu pai foi atrás da sua mãe... — Eduardo indagou, como se soubesse que ela não gostaria de contar aquela parte e a namorada apenas assentiu, aliviada por ele ter entendido.

— Eu só queria ter sido uma adolescente normal... Eu amo o Lilo e amo ter cuidado dele, mas eu não estava pronta pra ser mãe dele. — Monique sentia seu queixo voltar a tremer. — Eu me lembro de só querer alguém pra me dizer que ficaria tudo bem. Mas quando o Lilo já estava grande o suficiente pra isso, eu já não via alegria em mais nada.

O outro conseguia sentir o peso daquelas palavras. Palavras duras demais e fortes até mesmo para um adulto formado, imaginando-se na sua adolescência tendo que lidar com todos aqueles dilemas, sabendo que não conseguiria.

— E eu sabia que eu não era uma adolescente comum. — Monique falou, sentindo o cafuné do namorado em seus cabelos. — Eu precisava urgentemente de atenção, eu não queria que me abandonassem, eu fazia de tudo, mas ainda assim, parecia que todos os meus esforços eram em vão.

— E você acha que isso já era uma característica border?

— Sim, o border já era parte de mim. — Ela refletiu, recordando-se de tudo perfeitamente. — E foi no ensino médio que eu tentei cometer suicídio pela primeira vez. Era como um grito desesperado por atenção, eu precisava mais do que tudo de alguém, mas eu sentia como se todos eles tivessem me dado as costas. — Fungou, sentindo os braços envolvendo-a. — Eu tentei me cortar no banheiro da escola, com o meu apontador... Eu só queria morrer de uma vez. Pelo menos assim, quem sabe, sentiriam a minha falta.

Eduardo não conseguiu deixar de apertá-la, como se ela estivesse prestes a escapar e se esvair desse mundo. Monique conseguia controlar a vontade de chorar, enquanto o namorado já tinha o choro dominando boa parte de seu rosto.

— Eu só precisava de um apoio, de alguém que não me deixasse... — Ela falou, com a voz abafada em meio ao abraço forte do namorado.

Ela conseguiu respirar normalmente quando o abraço se tornou mais frouxo. Aquela não era mais uma constatação tão dolorosa, pois olhando para o rosto de Eduardo, não se sentia mais sozinha. 

Continue Reading

You'll Also Like

32.2K 5.6K 60
Connor Wessex em um certo dia, depois de sair para resolver alguns assuntos da empresa do seu pai, conhece um garoto adorável e o salvou. Foi assim q...
20.5K 693 7
Depois de vinte e poucos anos de casamento, Danilo Gomes da Costa, importante fazendeiro de Alagoas, descobre que sua esposa o trai com César Silveir...
1.1K 178 37
" - Temos que terminar. - Eu olhei aquele ser que eu amava com todo o meu ser totalmente descrente. - Enlouqueceu?! Eu te amo Thomas! - O segurei pel...
343K 36.8K 38
Otávio é um homem simples que está até o pescoço com dívidas, se mudou para a cidade para estudar, mas agora o dinheiro está curto e ele está louco p...