Indigente [COMPLETA]

By OkayAutora

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Em meio à olhares tortos de reprovação vindo dos clientes, apenas um olhar era de compaixão quando um andaril... More

Capítulo 1 - R$ 1,45.
Capítulo 2 - Arte.
Capítulo 3 - Retrato.
Capítulo 4 - Trajes.
Capítulo 6 - Grãos.
Capítulo 7 - 38.
Capítulo 8 - Tempo.
Capítulo 9 - Humano.
Capítulo 10 - (Res)sentimento.
Capítulo 11 - Decisão.
Capítulo 12 - Recado.
Capítulo 13 - Rumos.
Capítulo 14 - Acolhimento.
Capítulo 15 - Insegurança.
Capítulo 16 - Recomeçando.
Capítulo 17 - Habituando.
Capítulo 18 - Provocação.
Capítulo 19 - Compensação.
Capítulo 20 - Aliviar-se.
Capítulo 21 - Despertar.
Capítulo 22 - Proteger.
Capítulo 23 - Início.
Capítulo 24 - Infância.
Capítulo 25 - Presente.
Capítulo 26 - Dilacerado.
Capítulo 27 - Arrependimento.
Capítulo 28 - Irremediável.
Capítulo 29 - Escolha.
Capítulo 30 - Distância.
Capítulo 31 - Inacessível.
Capítulo 32 - Flashback.
Capítulo 33 - Inconsistente.
Capítulo 34 - Esperança.
Capítulo 35 - Esperar.
Capítulo 36 - Conquista.
Capítulo 37 - Saudosista.
Capítulo 38 - Diálogo.
Capítulo 39 - Queda.
Capítulo 40 - Romantismo.
Capítulo 41 - Necessidade.
Capítulo 42 - Transparente.
Capítulo 43 - Solucionando.
Capítulo 44 - Festejando.
Capítulo 45 - Reivindicando.
Capítulo 46 - Cuidando.
Capítulo 47 - Retorno.
Capítulo 48 - Vínculo.
Capítulo 49 - Elo.
Capítulo 50 - Calúnia.
Capítulo 51 - Testemunha.
Capítulo 52 - Convite.
Capítulo 53 - Negócios.
Capítulo 54 - Coragem.
Capítulo 55 - Namorando.
Capítulo 56 - Sociedade.
Capítulo 57 - Comoção.
Capítulo 58 - Ciclos.
Capítulo 59 - Prestígio.

Capítulo 5 - Frio.

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By OkayAutora


Capítulo 5 — Frio.

O homem já estava longe demais, Fernando não conseguiria alcançá-lo. Sentou-se de volta no canto da calçada que estava seu caderno, tentando ser positivo, pensando que ao menos ainda tinha seus desenhos.

O artista olhou um bom tempo para uma de suas obras incompletas, sem saber o que pensar, há pouco tempo não tinha nada e ao experimentar um pouco mais de dignidade, ela lhe foi tirada novamente, pensando se tudo aquilo seria algum carma que precisava passar.

Ainda estava inconformado com o que tinha acontecido, sem conseguir parar de pensar em como poderia ter evitado tudo aquilo, até ser tomado a atenção por uma voz feminina.

— Com licença, posso ver um pouco do seu trabalho? — Uma moça indagou gentilmente.

— Ah, claro. — Fernando levantou a cabeça, se deparando com uma mulher de semblante simpático.

Entregou-lhe o caderno, por um momento pensando que ela poderia fugir e levar embora o pouco que ainda tinha, mas ela ali ficou, examinando cada folha e apreciando seus traços por alguns minutos. Isso fez com que Fernando retomasse um pouco de seu ânimo, vendo-a parecer interessada e admirada depois de tanto avaliar seus desenhos.

— Nossa! Você não desenha, você humilha! — Ela falou, sorrindo.

— Gentileza sua. — Fernando sorriu, recebendo o caderno de volta.

— Eu quero um retrato, leva quanto tempo?

— Uma meia hora para fazer o básico.

— Sem problema, quanto você cobra?

— O quanto você sentir que vale. — Afirmou, vendo-a arregalar os olhos.

— É sério? Achei interessante a sua forma de pensar. — Ela elogiou. — Bom, eu vou querer um...

A jovem mulher se ajeitou ao seu lado, sentando-se em um degrau de um estabelecimento. Fernando escolheu uma folha livre e começou cada traço enquanto olhava para a moça, que parecia um tanto envergonhada com o olhar do artista sobre si.

— Você tem covinhas. — Ele afirmou, enquanto desenhava.

— Ah, eu gosto delas... — Ela sorriu, ressaltando ainda mais os dois pequenos furos na bochecha.

Fernando começou o esboço, fazendo os traços da simetria do rosto, antes de tudo. Após realçar a localização dos olhos, nariz e boca, apagou os traços do fundo, começando a contornar o rosto com fios encaracolados, assim como os da mulher.

Os detalhes começaram a aparecer quando os olhos e sobrancelhas ficaram prontos, em seguida o nariz, restando apenas a boca, que para o artista, era o que mais gostava de desenhar, não tinha nada mais significativo do que os lábios delineando um sorriso.

Não demorou muito para dar o formato dos lábios carnudos da mulher negra, o retrato tomava forma, mas ainda não era o suficiente. Logo as maçãs do rosto ressaltaram ainda mais a beleza do desenho, onde Fernando acrescentou as covinhas.

Fazia traços rápidos para fazer um sombreamento simples ao esboço, para dar um pouco mais de profundidade e realismo ao rosto. Então assim que terminou, assinou e mostrou para a mulher, que o encarava, admirada.

— É todo seu. — Destacou a folha, entregando-a. — Tem algo que queira mudar ou melhorar?

— Mais ainda? Meu Deus, isso aqui está ótimo! Ficou ainda melhor do que eu imaginei!

— Fico contente que tenha gostado.

— Eu não consigo parar de olhar! Você tem muito talento, mesmo! — Ela ria bobamente até parar para ler a assinatura. — Fernando, né?

— Isso.

— Sou Monique. — Ela cumprimentou-o, em seguida pegando sua bolsa, retirando sua carteira. — Você aceita cartão, Fernando?

— Infelizmente, não.

— Tudo bem... — Ela analisou o que tinha e lhe estendeu uma nota de vinte reais. — Eu queria ter mais para te dar, mas é tudo o que eu tenho no momento... Você é muito talentoso, eu ainda estou admirada.

— Já está ótimo, Monique. — Recebeu o dinheiro. — Agradeço muito.

— Foi uma honra para mim. — Ela levantou-se. — Você tem algum cartão de visita?

— Ah, no momento não, mas eu estou sempre por aqui. — Retribuiu o sorriso.

— Tá certo, se eu te vir novamente, te recompensarei melhor! — Ela sorriu, se levantando. — Até outro dia, Fernando! Eu amei mesmo meu retrato!

— Até! — Acenou, vendo-a partir.

Fernando olhou para o dinheiro em suas mãos, seria mais fácil escondê-lo do que a mochila que tinha antes. Pelo menos, com o que tinha, poderia recuperar alguns poucos itens essenciais de higiene pessoal.

Suspirou, sem saber se sentia alívio ou medo, querendo continuar, mas com medo de tudo dar errado novamente. A vida era traiçoeira e não sentia mais ânimo em continuar, todos em quem confiava antes lhe deram as costas e tinha aprendido que tudo o que teria e poderia ser, só deveria vir de si próprio.

♢♦♢

Já era noite quando Carlos olhava para o teto de seu quarto, lembrando-se da despedida com o namorado. André estava na estrada naquele momento, nunca passavam as noites de domingo juntos, por conta do trabalho logo na manhã seguinte.

Então o instrutor encolheu-se em meio a cobertas, percebendo que a temperatura estava caindo, pois uma coberta já não o aquecia por completo. Fungou o travesseiro, deixando-se levar pelo perfume gostoso que o advogado havia deixado em sua fronha, apertando o tecido contra seu rosto.

Pensava sobre o fim de semana com André, mas por um momento lembrou-se de Fernando. Ouvia o vento em sua janela, sabia que talvez choveria em breve e seu coração apertava dentro de si, trazendo um vazio instantaneamente.

Não conseguia tirar da cabeça o frio que o artista deveria estar sentindo, não só ele, mas como muitas outras pessoas que também estariam naquelas condições. Quis levantar da cama, mas pensamentos se esvaíram no momento que o cansaço o venceu e fechou os olhos, caindo num sono profundo.

Um bipe contínuo e irritante fez com que Carlos despertasse, ainda vendo tudo escuro através da janela. Após se arrumar, aproveitou que ainda tinha um tempo e arrumou a casa, tomando o café da manhã antes de ir ao trabalho, quando o sol já nascia.

Segundas-feiras eram sempre cansativas e nunca se sentia animado o suficiente, mas nunca quis que seu expediente acabasse logo como aquele dia em especial. Era o dia onde mais recebia alunos empolgados e os pirralhos infernizavam os instrutores mais do que os outros dias.

Conseguiu se exercitar e treinar os alunos, tirando um intervalo rápido para o almoço pela quantidade de tarefas que tinha a desempenhar. Montou planos de treino e algumas fichas dos novos alunos, mal tendo tempo de conversar com Eduardo, que estava tão ocupado quanto ele.

Assim as horas se passaram e chegou ao tão esperado horário de saída, já arrumando as coisas, indo para o vestiário para tomar uma ducha rápida e se agasalhar para sair, pois o tempo frio ainda não tinha dado uma trégua.

Apesar de estar cansado e só pensar no seu sofá, sua consciência não deixou com que fosse para a casa. Assim caminhou até chegar numa rua do centro que já era habitual, virando o muro pichado, encontrando o artista deitado.

Aproximou-se de mansinho, verificando que ele se mexia, então não estava dormindo. Fernando notou sua presença e se sentou, retirando o caderno de desenhos debaixo de sua camiseta.

— E aí, Nando? — Carlos aproximou-se mais, estranhando o gesto dele de ter deixado os pertences debaixo da roupa.

— Boa noite. — O artista cumprimentou, abrindo um sorriso fraco. — Nando?

— Não gostou do apelido? — O instrutor quis saber, ligeiramente envergonhado. — Ah, eu posso trocar, talvez Fer? Fê?

— Como preferir. — Afirmou, sem se importar.

— Tá com fome? — Carlos indagou, colocando as mãos dentro dos bolsos da calça.

— Não, não se preocupe.

— Ah, Fernando, eu ia perguntar... — O instrutor recordou-se. — Você conseguiu se agasalhar bem essa noite? Esfriou muito, as roupas que eu te dei foram suficientes?

— Ah, sobre isso... — O outro hesitou em responder.

— Cadê suas coisas? — Carlos perguntou, não vendo a mochila nem os outros pertences.

— Então... Levaram tudo. — Respondeu, espantando o outro.

— Sério? — O instrutor retirou a mão dos bolsos, agora se aproximando mais e sentando-se ao lado dele

— Pois é. — Assumiu, olhando os olhos desapontados do outro ao seu lado. — Infelizmente, não é muita surpresa para mim.

— Olha, eu posso te trazer outras coisas...

— Não. — Interrompeu-o bruscamente. — Não adianta.

— Como assim? — Arregalou os olhos, sem entender o que ele quis dizer.

— Eu já sei como isso funciona, Carlos. Não vai adiantar, você vai se desgastar em vão.

— E por que você tá pensando em mim? O foco é você e eu quero poder te ajudar.

— Olha, só... Você já fez mais do que a maioria das pessoas faz, então relaxa. Eu já sou muito grato por tudo. — Fernando disse, convicto, assustando o outro pela sinceridade.

— Enquanto eu puder ajudar, eu vou. — Carlos suspirou, triste por ele estar se conformando com tão pouco.

— Existem muitas pessoas na mesma situação. — Fernando iniciou. — Você não pode se compadecer de todas.

— Eu sei que essa é a realidade, eu não estou negando isso... Eu só não quero que você negue ajuda só porque tem gente passando pelo mesmo. — Engoliu em seco.

— Eu agradeço pela sua bondade, Carlos. Você fez muito por mim, sou muito grato, mas já está na hora de você seguir o seu rumo. — Desviou o olhar do dele, envergonhado por estar falando aquilo.

— Eu não posso. — Carlos negou. — Não posso fazer isso.

— Vai chegar uma hora que você vai perceber que isso é inútil. — Reforçou, olhando para o outro, nitidamente descontente.

— Não, não é inútil! — Ralhou, frustrado. — Como você pode falar assim de si mesmo? Por acaso não tem esperança de que as coisas podem mudar?!

— Carlos, eu sou um indigente, eu não tenho documentos, não tenho nada, não existo perante a sociedade. — Respirou fundo, mantendo a calma. — Mesmo que você queira me ajudar, não adianta.

— Isso é o de menos! — Rebateu. — Se você não acredita em você mesmo, eu acredito!

— Agradeço por isso, mas não gaste mais suas energias, eu sei como as coisas são. — Continuou, olhando para o homem esperançoso ao lado.

— Quanto aos seus documentos, eu posso te ajudar a recuperá-los... É só você se lembrar do cartório que foi registrado e... — Carlos procurava o que dizer, sem saída.

— Por favor, Carlos. — Interrompeu-o.

Fernando viu o instrutor calar-se, olhando para a frente. Por ele estar calado, voltou a dizer:

— Eles tirariam de mim de novo, nada do que eu tenho é meu. Tudo vai ser tirado de mim... Você entende?

— A gente poderia... — Carlos falou, quase num sussurro. — Sei lá, tentar procurar um abrigo pra você, talvez?

— Eu realmente agradeço por se preocupar tanto...

— Eu quero fazer isso, de verdade, Nando! — Voltou a se exaltar, entristecido.

— Você acha mesmo que se houvesse lugares disponíveis e com boas oportunidades, teria tanta gente na rua? A prefeitura está pouco se lixando para nós, lide com isso. — Suspirou, olhando para ele. — Sem contar a quantidade de pessoas que têm problemas muito maiores que os meus.

— Você não pode me impedir de tentar... É isso. — O instrutor continuou, olhando no fundo dos olhos do outro.

— Você está certo, eu não posso. — Afirmou seriamente. — Mas se você continuar, irá quebrar a cara, não quero que se frustre à toa.

Ao ouvir aquilo, Carlos sentiu algo queimar dentro de si, como se ele tivesse o desafiado, ao mesmo tempo que pedia para que ele parasse de se esforçar. Sabia que aquela raiva que sentia não era de Fernando, mas sim de como ele mesmo já havia desistido de si próprio.

— Então está decidido. — O instrutor declarou, se levantando num impulso.

Carlos foi para a sua casa com a cabeça cheia, durante todo o caminho sentiu seus olhos lacrimejarem, não conseguindo evitar o peso em seu coração. Seu peito apertava, não conseguia imaginar o que se passava na cabeça do artista para falar com tanta frieza de sua própria situação.

Se lembrava da voz de Fernando, lhe dizendo que estava acostumado, se dando por vencido. Não conseguia entender, tinha aberto o seu coração para ajudá-lo e era retribuído daquela forma.

Ao chegar em casa, já tinha se deixado levar pelo choro que chegava para ficar. Seus olhos inundavam ao mesmo tempo que algo ruim o consumia por dentro, era um misto de ódio pela gestão pública de péssima qualidade e por não entender como aquele homem conseguia ser tão orgulhoso, qualquer outra pessoa no lugar dele seria grata.

Respirou fundo e se ajeitou no seu sofá. Se cobriu com uma coberta extra que sempre deixava na sala. Não queria assistir nada, só queria pensar no que tinha acontecido, nem mesmo paciência para verificar suas mensagens, tinha.

Foi então que um pensamento caiu sobre si, o preenchendo de consciência sobre suas últimas reflexões. Levando a um momento de sanidade em meio a tanta emoção, o demonstrando o quanto estava sendo infantil por ficar contra um homem de rua que provavelmente já havia sido calejado das mais variadas formas.

Carlos sabia que não poderia simplesmente deixar tudo para lá como o artista pediu, também começando a se sentir mal por virar as costas para ele e ter cogitado não vê-lo mais.

Mesmo que o artista não acreditasse mais que as coisas pudessem melhorar, o instrutor se sentia na obrigação de terminar o que começou. Se ajeitou debaixo da coberta pelo frio e pegou o celular, pesquisando na internet sobre abrigos e casas de apoio na cidade.

Achava poucos resultados e muitos desses lares eram destinados a pessoas viciadas. Pensou então que existissem mais instituições, mas imaginou que não estivessem nas redes sociais.

Se levantou e pegou a lista telefônica, sentando-se na mesa da cozinha, passou boa parte da sua noite revirando-a, anotando em um papel os telefones e nomes. Carlos sentiu as pálpebras pesarem, acabando por apoiar a cabeça na lista, deixando que o sono o levasse.

♢♦♢

Fernando sentia o queixo tremer, não conseguindo pegar no sono por conta do frio. Assim puxou os papelões para cobrir seu corpo, preferindo ficar em contato com a calçada gelada ao invés dos ventos cortantes.

Encolheu-se quando ouviu passos se aproximando da sua rua, querendo passar despercebido por qualquer um que fosse estar ali naquele horário. Fechou os olhos, ouvindo alguém cada vez mais próximo, apenas torcendo para que o deixassem em paz.

O barulho do sapato parecia cada vez mais próximo e permaneceu de olhos fechados ao sentir o papelão sendo arrastado para longe de seu corpo. Não soube se tremeu apenas pelo frio ou pelo medo do que fariam algo consigo, apenas desejando mentalmente que o que quer que fosse, desistisse logo.

Seu queixo tremia e permaneceu imóvel até sentir algo substituir o papelão, sendo coberto por um tecido felpudo. Sua curiosidade foi maior e assim abriu os olhos, se deparando com um rosto conhecido em meio à escuridão.

— Te acordei? — Carlos se abaixou na altura dele.

Fernando permaneceu calado, receando que estivesse dormindo ou delirando pelo frio. Apoiou o cotovelo ao chão para se sentar e encarou o homem deixar uma sacola ao seu lado.

— Eu trouxe o que eu fiz de jantar, tá quentinho, caso queira. — O instrutor continuou, agora sentando-se no papelão que tinha retirado de cima dele. — Eu te devo um pedido de desculpas...

— Não me deve nada. — O artista encarou a sacola e em seguida olhou para o homem a sua frente. — Por favor... Se tiver algum débito, a maior dívida com certeza é minha.

— Bobagem. — Carlos abriu um sorriso gentil. — Posso ficar um pouco com você aqui?

— Claro. — Aproveitou para também se ajeitar sobre o papelão e sair do chão gelado. — Mas não tá tarde?

— Tá um pouco, sim. Já passou da meia-noite. — Carlos afirmou. — Eu costumo dormir antes das dez, mas hoje não consegui... Eu tinha que fazer isso por você. E eu não tinha direito de ficar bravo.

— Eu te provoquei... — O artista rebateu, encarando-o.

— Então estamos quites? — Sorriu amigavelmente.

— Depende, deixa eu experimentar a sua comida e depois eu te falo. — Brincou, fazendo-o rir.

— Toma aqui. — Entregou-lhe a sacola, ainda rindo. — Eu espero mesmo que goste.

Fernando jantou ao lado dele e enquanto experimentava pela primeira vez a comida do outro, falavam sobre culinária e um pouco mais do que gostavam de comer. Carlos viu que ele aprovou seu prato e se animou em ver que as coisas estavam bem novamente.

O instrutor sabia que já tinha passado da hora e se pegou pensando que corria perigo em estar na rua tão tarde, quase se sentindo ridículo ao lembrar-se que esse deveria ser um medo constante de Fernando. Ao menos estava ali ao lado dele naquela noite.

O artista agora contava sobre como sua mochila foi levada e Carlos se ajeitava sobre o papelão, deitando suas costas nele, olhando para o céu estrelado enquanto o ouvia. Não lembrava-se de antes ter passado por um situação como aquela antes, admirando o céu de fora de casa.

— E você acha que o cara te deu um soco pra te distrair e levar suas coisas? — Carlos indagou, colocando as mãos atrás da cabeça.

— Não sei, eu pensei isso por um tempo, mas não tem como saber... — Suspirou, olhando para o homem deitado.

— Que saco, viu. — Estalou a língua.

Um silêncio se fez por um momento e puderam se atentar a qualquer mínimo ruído que dominava a noite. Era como se estivessem longe de tudo ali e Carlos pensava mais em como seria se levasse aquela vida, ainda olhando para o céu.

Fernando colocou as mãos para trás, também olhando para cima e admirando as estrelas por um segundo, até que encarou o instrutor deitado, vendo-o fechar os olhos com sono.

Não sabia se deveria acordá-lo ou deixá-lo dormir, então pensou em vigiar a soneca dele pelos próximos minutos e mantê-lo seguro de qualquer coisa até que ele decidisse seguir seu caminho. Esticou a coberta sobre suas próprias pernas e sobre o corpo dele, cobrindo-os do modo que conseguiu.

Fernando deslizou o tecido sobre o outro e sorriu, sentindo seu coração palpitar com força ao se deparar com o rosto sereno do homem descansando. Pensando que aquela deveria ser definitivamente a visão de contemplar um anjo na Terra. 

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