Capítulo 60 (Dia 15)

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Fronteira | 15 ºC
Contagem regressiva: 4 dias

Depois de jantarmos, espalhamo-nos pelo grande salão. Tudo é branco com detalhes em azul, e o ambiente não está úmido ou empoeirado. Já não me sentia tão bem em um lugar há algum tempo.

Lucas nos pediu licença e foi para o lado de fora do prédio dizendo quenão iria demorar. Queria saber o que foi fazer, mas não vou atrás, ele pareceuum pouco distraído nas últimas horas. Pode ter a ver com algo que a Anna faloupara ele, não sei.

Mas mesmo sabendo que ele pode precisar de um tempo sozinho, se demorar muito vou ver o que está acontecendo.

Anna ficou sozinha sentada em um sofá perto de onde estou, ela parece desconfortável. Sempre tão linda, com os lábios vermelhos, o cabelo preto brilhoso, os olhos bem marcados. E eu com o cabelo úmido, sem nenhuma maquiagem, vestindo as roupas pretas de costume. Sempre foi assim, mas agora é estranho eu me importar com isso.

Ela continua atenta, então sigo o olhar dela e vejo que está olhando para o Vitor.

Ele está contando para Matt, Nathan e Armon uma história que se passou enquanto servia na Guarda. O cabelo loiro um pouco maior do que o de costume e a barba por fazer o deixam mais bonito que antes, e é impossível não reparar nos bíceps bem definidos, já que, apesar do frio, ele está apenas de camiseta. Mesmo sorrindo enquanto fala, ele não deixa de parecer perigoso, principalmente com o coldre e arma expostos.

Um movimento me faz olhar para o lado. Kyle, que estava largado em um dos sofás cantarolando algo baixinho, levanta-se e anda na minha direção, mas ele passa direto e se senta ao lado da Anna.

— Não perca seu tempo — diz deixando-me curiosa. — Ele é comprometido. — Ela desvia o olhar do Vitor e o encara confusa. Aproximo-me discretamente para ouvir melhor.

— Não, eu não estava olhando... — ela começa a negar, mas o Kyle a interrompe.

— Ainda bem, porque a noiva dele é raivosa igual a um cão — completa rindo.

— Obrigada pelo aviso! — A expressão dela é de completo tédio agora. — Por um momento achei que vocês dois estavam juntos e você estava com ciúmes — ela o provoca, mas ao contrário do que poderia esperar, Kyle não consegue controlar uma risada.

— Se ele quisesse... — Sorrio quando ele olha para mim. — Era só para vocêsaber mesmo.

— Aonde você quer chegar? — A irritação na voz dela é notável. — Que é o único solteiro? — Consigo ouvir o desdém.

— O quê? Ah, não, não — ele ri. — Eu tenho namorada, ela só ainda não sabe. Mas, olha, o Armon está livre.

Balanço a cabeça quando ele pisca para mim e se levanta, deixando a Annasozinha no sofá.

Mas de repente me sinto mal.

Ela só está tentando nos ajudar, não posso deixar a raiva me dominar e ser injusta com ela. Não sei até que ponto este hospital pode nos servir, mas, só estar em um ambiente amplo e arejado, já nos deixa menos deprimidos. E ela é responsável por isso.

Sem pensar muito, levanto-me e me sento ao lado dela, esforçando-me para parecer natural.

— Oi, Emily! — A voz da Anna soa preocupada. — Como você aguenta isso? —pergunta olhando para cima, tentando impedir as lágrimas de caírem. — Tive que fazer um esforço enorme hoje para não desabar na frente dele.

Meus olhos se enchem de lágrimas também.

— Ainda não perdi a esperança. — É a única resposta que posso dar. — Sei quantos dias nos restam, sei que as probabilidades não estão do nosso lado. Mas se houver uma chance em um milhão, eu vou me apegar a ela.

Enxugo uma lágrima que não consigo controlar.

— Desculpa, eu não queria que você ficasse triste. — É estranho, mas depois da nossa última conversa e vendo o quanto ela tem nos ajudado, consigo vê-la como uma amiga.

— Não se preocupe —apresso-me a tranquilizá-la. — Tem sido sempre assim, dias ruins e dias menosruins. Em alguns raros dias conseguimos até rir um pouco. — Lembro-me do beijoque o Nathan me roubou há pouco com certeza de que este dia foi um dos diasmenos ruins. — Kyle consegue sempre aliviar a nossa tensão.

— Não gostei dele, ele é irritante — ela diz bufando. Não posso defendê-lo, quando ele quer tirar alguém do sério consegue com êxito. Controlo a vontade de rir. — Quantos lugares faltam para procurar o antídoto? — pergunta mudando de assunto e meu coração se contrai.

— Um — suspiro sem esconder o medo e a frustração. — Você tem alguma ideia do que vai acontecer se... — respiro fundo — se eles não tomarem o antídoto?

Não queria ter que pensar nisso, mas é melhor perguntar a ela do que ao Lucas. Estou evitando ter esta conversa com ele.

— Não. Eu conversei com a minha mãe e com outros médicos e eles também não sabem. Ninguém nunca foi deixado sem antídoto. O caso do Armon e do Lucas é único. — A tristeza domina a expressão dela.

— Eu queria ter ao menos uma pista... — penso em voz alta.

— Se o antídoto é o que faz com que o vírus que temos não ataque o nosso coração, sem ele, provavelmente, eles terão os mesmos sintomas que os pacientes que tratamos no hospital. — O que ela diz faz sentido e percebo que não estou preparada para ver isso. — Tosse, cansaço, falta de ar, pulso irregular, palpitações, inchaço... — Ela poderia citar muitos outros, mas estes já são suficientes para me apavorar com as imagens dos pacientes que surgem vívidas na minha mente. Mas a expressão da Anna continua serena, ela sempre teve mais autocontrole do que eu. — Tem uma enfermaria preparada para o Lucas e o Armon aqui, depois mostro para você — ela continua depois do meu silêncio. — Vocês vão ter tudo que precisam...

— Se chegarmos a este ponto — apresso-me a dizer. Já não consigo mais pensar nisso e quero me apegar à esperança de que ainda vamos conseguir os antídotos.

— Sim — ela diz sem esconder a desesperança na voz.

Olho para frente e forço um sorriso quando vejo o Lucas caminhando na nossa direção.

Lover, hunter, friend and enemy
You will always be every one of these
Nothing's fair in love and war

Amante, caçador, amigo e inimigo
Você sempre será cada um destes
Nada é justo no amor e na guerra
(Love and War | Fleurie)

Amante, caçador, amigo e inimigoVocê sempre será cada um destesNada é justo no amor e na guerra(Love and War | Fleurie)

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A Resistência | Contra o Tempo (Livro 2)Where stories live. Discover now