Ouvidos

1 0 0
                                    

Nunca me ouvem por me quererem ouvir.
Só me ouvem porque me querem calar.
A cada sílaba rouca que da minha boca deixo escapar,
Mais ideias minhas os outros parecem repugnar.
Olham-me como abutres, na impaciência,
Prontos para que me cale mais uma vez.
E depois lá vão eles, comer-me os restos das palavras, das minhas construções frásicas,
Das minhas fantasias, manias.
E já eu, pronto para falar novamente,
Assim como quem se levanta de repente,
Com um olhar ciente em quem não está mais presente,
Ou talvez como quem ouve quem ainda mente.
Digo poucas coisas quando me ouvem
E digo tanto quando ninguém está a ouvir...
Já pensei em rugir, já pensei em fugir.
Para outro lado fazer-me escutar,
Mas onde é a saída deste lugar?
Que está cheio de ruas para todo o género de sítios,
E nenhum deles respeita os meus vícios?
E não há um que me cubra de risos.
Vá lá, ouçam-me só desta vez,
Não me perguntem os porquês,
Apenas ouçam e não me calem
Ainda sei algo que vocês não sabem.

Azure. Onde as histórias ganham vida. Descobre agora