Capítulo 14 - parte 1 (em revisão)

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"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."

Friedrich Nietzsche.


Ezequiel era rápido e a sua aparência de velho enganava muito bem quem não o conhecesse. Antes mesmo de Caroline reagir ao comentário do dragão, ele já estava de pé segurando o bordão nas mãos e olhando para todos os lados.

A inglesa também levantou-se sem demora, mas o primeiro comentário foi dele:

– Pela Deusa! – exclamou. – O que raio vem a ser isso?

– Não faço ideia, Ezequiel, mas eles não parecem ter boas intenções – respondeu, olhando o bando que se aproximava. – E o pior é que estou sentindo ainda mais sono que antes.

Ezequiel pegou o seu braço e puxou-a para trás, dizendo preocupado:

– Vamos sair daqui. Eu também estou sentindo esse sono e não me parece normal. Além do mais, eles estão armados e não parecem amistosos. Na verdade esses homens-mola estão mais para a encarnação de um pesadelo. Justo agora fomos ficar sem poderes.

Virou-se para trás e descobriu que estavam cercados pelas criaturas que se aproximavam sem pressa, como se soubessem o que aconteceria com os dois. Ezequiel ergueu o bordão e tentou lançar um raio, mas não saiu nada. Ele sentia-se tonto quando Saci disse:

– "Eles sugam a vossa força. Como estão sem poderes, sentem os efeitos mais rápido. Temos que sair daqui, mas não consigo voltar à minha forma" – explicou. – "Vou tentar atacá-los do mesmo jeito que um cão faria, mas vocês precisam de sair e se afastar com muita urgência."

Terminou de falar a avançou com ferocidade. Saci era um "cão" gigantesco e, de pé sobre as patas traseiras, chegava a ser mais alto do que algumas das criaturas. Atacou com toda a fúria, abrindo um flanco por trás enquanto retalhava alguns muscolins. Ezequiel viu o ponto de fuga e puxou Caroline. Eles avançaram devagar porque seus espíritos sentiam os efeitos estupefacientes que lhes provocavam confusão mental e uma letargia forte. Em determinado ponto, ela tropeçou e foi agarrada pelos pés antes que conseguisse reagir, sentindo-se cada vez mais entorpecida.

Ezequiel, com o cajado, desferiu várias bordoadas para cima deles e tentou aproximar-se para salvar a feiticeira, mas a moça gritou, com as últimas reservas de energia:

– Saci, tire Ezequiel daqui o quanto antes e procure socorro. Só Igor e Gwydion conseguirão nos salvar, vá, não se preocupe comigo. – Pensou mais um pouco e continuou. – Vá para o bosque com ele que o povo pequeno talvez ajude. Fujam, pela Deusa, do contrário ninguém saberá que estamos aqui e jamais seremos salvos.

Dizendo isso, o torpor atingiu o auge e ela perdeu a consciência. Ezequiel ainda tentou lutar com eles, mas também enfraquecia a olhos vistos. Nesse momento, ele ouviu um ganido e viu que Saci foi ferido com uma facada.

Furioso, virou-se o mais rápido que pôde para tentar aproximar-se e ajudar, mas acabou tropeçando no inimigo e caindo. Para grande azar do mago, bateu a cabeça com muita força e perdeu a consciência, ferindo-se bastante.

Saci matou mais dois deles e aproximou-se de Ezequiel, puxando-o pela capa e andando para trás. Levou mais duas facadas e, ganindo alto, soltou o mago e virou-se, enfrentando outra meia dúzia e matando-os.

Voltou a pegar o sábio e puxou-o para se afastar enquanto os demais levavam Caroline para uma caverna ali perto, garantindo um prisioneiro e, por outro lado, facilitando a fuga dele. Precisou largar Ezequiel seis vezes para lutar e matar os perseguidores até que eles desistiram.

O dragão sentia-se mal e perdeu muito sangue na batalha, mas ainda estava em condições de se mexer, além de ser dono de uma força considerável. A maior preocupação do Saci era que, na condição de cachorro, ele perdia algumas das capacidades especiais dos dragões, como o poder de cura quase instantânea e a imunidade aos venenos que sentia que corriam nas suas veias.

Quando um dragão imitava algum animal, ele tornava-se em parte como o animal, embora nunca perdesse a sua consciência e fosse muito acima do padrão dessa criatura.

Apesar de sentir que passava muito mal, sabia que o fim estava bastante longe de acontecer e precisava de salvar Ezequiel antes que os monstros voltassem, em especial porque jamais lhe ocorreu abandonar o amigo que acompanhava há cerca de mil e setecentos anos.

Foi puxando Ezequiel pela gola durante quase uma hora até chegar ao riacho em um ponto mais afastado do inimigo, já um tanto perto da floresta. Com o mal-estar muito intensificado pelo esforço de puxar um ser humano, ele aproximou-se da beira do rio para beber água.

Depois voltou e verificou o estado do amigo. Tinha uma forte concussão na cabeça com um golpe um tanto profundo, mas que já parou de sangrar. Os seus sentidos diziam-lhe que havia uma ou duas costelas quebradas e talvez uma perna.

Em outras palavras, Ezequiel não estaria em condições de andar. Arrastou-o para trás de uma pedra grande e voltou ao campo de batalha, procurando o bordão porque o mago ia precisar dele para se apoiar.

Quando encontrou e retornou para o amigo, ele ainda estava inconsciente e Saci sentia-se tão mal que achou preferível descansar um par de horas. Pensava preocupado em como poderia fazer contato com o povo pequeno, como poderia se fazer entendido. Se eles tivessem um pensamento similar ao humano ou dele, seria possível irradiar por telepatia e até muito fácil, como ele fazia com os amigos, mas, se o confundissem com um animal selvagem ou perigoso, o mais provável era que seria morto antes de conseguir se fazer entender.

Apreensivo, viu uma quantidade muito grande dos monstros deslocando-se mais ao oeste, penetrando na floresta. Devido ao seu estado de fraqueza, julgou melhor ficar ali quieto, cuidando do mago e sentindo-se meio cachorro pela primeira vez.

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O Mago e a Sacerdotisa de AvalonWhere stories live. Discover now