Capítulo 3 parte 3 (em revisão)

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O sábio tinha materializado uma cadeira de balanço e aproveitava a noite vermelha quando Igor, do nada, surgiu ao seu lado.

– Pensei que o cheiro incomodava você – disse, trocista.

– Um pouco, mas a sua presença compensa, Ez – respondeu Igor, jovial. – O senhor acha que pode mesmo ter sido a minha filha a escrever aquilo?

– Eu diria que é um alto grau de probabilidade – afirmou, pensativo. – Mas, em tantos séculos, você não vai querer que eu me lembre com precisão de como era a letra dela, não é?

– Sabe, queria tanto ter conhecido essa filha – suspirou de novo, como vinha fazendo sempre que pensava nela. – Às vezes sinto-me mal por ter cumprido aquela promessa para Ailin...

– Não diga tolices, Igor – ralhou Ezequiel, rindo. – Você deu para minha filha o que ela considerava o maior dos presentes e fê-la feliz como nunca. Eu estava lá depois que você partiu e sei bem disso.

– É, mas depois abandonei-a.

– Você não a abandonou. Ela está bem onde devia estar, que é ao seu lado. Em outro corpo, mas, ainda assim, é a sua essência.

– Certa vez o senhor disse que minha filha desapareceu de forma misteriosa, sem deixar rastros e, a partir daí, perdeu contato com os seus descendentes.

– Exato – confirmou o sábio, encolhendo os ombros. – Aquela época foi muito complicada porque a Igreja vencia com vantagem, ainda mais depois que a maioria dos druidas foi para o Mundo de Cristal. Quando a minha filha morreu na última batalha que nós vencemos em conjunto, eu desisti de viver na Terra por muitos anos. Morgana ajudou-me durante um período, mas depois retornou para a Gália. Ela disse que ia liderar os aldeãos a fugirem para um lugar mais seguro e mencionou a Península Ibérica, provavelmente o norte de Portugal de hoje. Dois dos seus filhos, inclusive, já tinham ido para lá e mantinham as suas identidades em segredo.

– Mas se ela foi a autora dos documentos, teria aparecido depois disso e retornado à Cidadela...

– Acontece, Igor, que eu passei uma temporada um tanto longa aqui, que foi quando ergui este castelo – explicou, Ezequiel, pensativo –, e ela pode muito bem ter retornado. Naquele período, eu sofri uma pequena depressão e me afastei de tudo, inclusive do governo do Mundo de Cristal.

– Sim, mas ninguém a viu? – exclamou Igor. – Não acha que haveria algum registro?

– Pode até ter havido, filho – explicou pensativo –, mas fiquei por aqui durante um ano ou mais. Além disso, se Morgana não desejasse ser vista... ninguém a via. Acredito que ela competia tranquilamente consigo em poderes.

― ☼ ―

O dia seguinte já ia no fim quando Gwydion e Saci atenderam ao chamado do guardião supremo, uma vez que ambos aproveitaram para fazer uma pesquisa na biblioteca milenar do castelo. Com o auxílio do Igor, para não haver demora na transição, Gwydion transformou-se no tradicional gavião enquanto Ezequiel fazia o mesmo com Saci, ajudando-o a assumir a forma do já conhecido cachorrão. O sábio pegou o seu bordão e olhou para o casal.

– Estou pronto – disse.

Igor abriu uma pequena brecha direto na casa dos sogros para verificar se não havia estranhos que os pudessem ver. Quando notou que não havia ninguém a não ser a sogra, que estava de costas, enfiou a cabeça para o outro lado, fazendo um barulho fraco para lhe chamar a atenção.

Fátima virou-se e soltou um grito involuntário com o susto que tomou ao ver uma cabeça sem corpo flutuando no ar e sorrindo. O guardião riu de novo e descortinou de vez a passagem.

Um por um, foram atravessando para a Terra, na cidade natal do casal.

– Que susto, Igor. – Fátima respirou fundo. – Pensei que te tinham decapitado e pendurado aí.

– Mas bah, dona Fátima – Igor riu –, que maldade, já quer livrar-se de mim, o seu genro preferido?

– Único genro, queres dizer – contestou ela, rindo e cumprimentando os demais. Sem perder tempo, pegou logo a netinha.

– Oi, minha fofinha! – dizia para a criança, beijando-a. Depois voltou o rosto para o casal e comentou. – Pensei que vocês viessem ontem. Aconteceu alguma coisa?

– Não, mãe – disse Eduarda. – Igor apenas precisava de falar com Ezequiel e fizemos uma escala em Draco.

– Bem, tínhamos um jantar surpresa, mas, como não vieram, transferimos para hoje – comentou Fátima. – Valéria e Valdinho andaram a perguntar por vocês e eu convidei-os, além dos teus pais é claro, Igor, que devem estar para chegar.

Mal acabou de falar, tocaram a campainha e eram de fato os amigos do casal. Após os abraços e beijos, sem falar que todos queriam paparicar a bebê, Valdo disse, para Igor, debochado:

– Ei, meu caro, vocês não pretendem ir para a rua com esses trapos, né? – deu uma risada. – Senão vão pensar que tem um baile à fantasia por aí ou que fugiram do São Pedro. Dudinha do céu, esse verde ficou tri bem em ti. Chocante!

– Mas que barbaridade – comentou Igor, rindo. – Esqueci de trocar as roupas!

Sem transição, as vestes transformaram-se em um jeans, camiseta, tênis e a espada desapareceu. Valdo abanou a cabeça e fez uma careta.

– Bah, eu ia adorar fazer isso – comentou. – E tu, Duda, por que motivo esse visual diferente?

– Estou aprendendo com o guardião da natureza – respondeu a moça, fazendo o mesmo com a túnica. – Vou tentar aprender o máximo possível antes de escolher e uso as cores representativas de cada classe, que nem Igor fez quando aprendeu, mas ele começou com quatro anos e eu só aos vinte e um. Agora eu vou te confessar que estou amando.

Teatral e debochado, Ezequiel bateu o bordão no chão, provocando um trovão e sendo iluminado por uma cascata de raios, enquanto a sua roupa mudava para algo simples e o bordão transformava-se em uma bengala.

– Exagerado! – riu Fátima enquanto Ailin ria com as luzes e fazia o mesmo, impressionando a avó. – Teu pai já devia ter voltado, Eduarda. Dá uma ligada para ele que eu não vou largar a minha netinha tão cedo.

– Calma, mãe – disse a moça. – Vou ficar uns dias aqui com vocês para matar saudades. Vou aproveitar que Igor anda fazendo umas pesquisas históricas com Ez. E também quero ver como estão os vossos poderes...

― ☼ ―

Quando as visitas se foram, Ezequiel pediu que Igor abrisse um portal para a cabana e ficaram de se encontrar lá no dia seguinte.

Deitados na cama, no quarto da Eduarda do seu tempo de solteira, ela comentou baixinho:

– Amor, tu vais me chamar de paranoica, mas eu tô com um pressentimento meio estranho.

– Por quê, anjo?

– Não sei, mas vê se te cuidas – respondeu, apertando-o contra si, preocupada. – Ainda tenho aquele monstro do plano zero entalado na garganta.

– Bobagem, princesa – acalmou-a, rindo baixinho. – Nem pretendo ir para outro plano. São apenas algumas pesquisas históricas sobre os celtas.

– Mesmo assim...

– Bah, amor, te acalma – insistiu o marido. – Isso não se repetirá.

― ☼ ―

O Hospital São Pedro é um hospital psiquiátrico.

O Mago e a Sacerdotisa de AvalonWhere stories live. Discover now