Capítulo 16 - parte 1 (em revisão)

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"Os que ignoram as condições geográficas – montanhas e florestas – desfiladeiros perigosos, pântanos e lamaçais – não podem conduzir a marcha de um exército."

Sun Tzu.


Igor e Valdo montavam Gwydion enquanto Morgana e Ezequiel iam em Saci para a montanha dos cristais. Por terra, Eduarda, Shayla, Gwenhwyar e Kenneth conduziam todos os druidas e sacerdotisas para a floresta. Autorizados pela Irla, iam para o vale das fadas aguardar pelos outros quatro. Na cidade, muitos pararam para ver o grupo que se afastava, alguns apreensivos, outros preocupados com a ausência deles e possíveis ataques, mas todos com a esperança de uma vitória.

O voo foi tranquilo e rápido por causa do levantamento feito antes, mas Igor assustou-se quando sobrevoaram os muscolins, uma vez que um cálculo feito às pressas colocou o acampamento deles como tendo um efetivo de cerca de dez mil indivíduos, isso sem contar o que haveria dentro da grande caverna.

A tarde já ia a avançando quando pousaram no platô da montanha e prepararam-se para agir. Tinham combinado que Igor e Valdo entrariam na caverna para pegar os cristais enquanto eles fariam guarda de cima. Ezequiel e a neta acenaram que estavam prontos e Gwydion mergulhou para o solo, deixando a sua carga no chão e retornando para a plataforma. Maravilhados, os dois amigos olharam a abertura daquela caverna imensa e que parecia a entrada de uma catedral, mas também lembrava uma boca enorme e desdentada prestes a engolir a ambos, de acordo com a imaginação fértil do Valdo.

Logo na entrada, Igor já viu alguns veios de cristais, mas demasiado pobres em pureza para as suas intenções. A abertura era em arco pontudo, ao estilo gótico, e as várias camadas de rocha com cores que variavam do cinza ao rosa faziam desenhos abstratos e atraentes. A altura da entrada devia ser de uns trinta metros e a largura talvez uns dez. Foram avançando devagar para a caverna que ia ficando mais escura. A transição para a penumbra era lenta porque a entrada tinha tamanho suficiente para que a luz do sol avançasse bastante no seu interior, mas, como entardecia e a abertura era virada para o norte, apenas o lado esquerdo recebia boa iluminação e, ainda assim, não muito profunda. Andaram mais alguns metros e aguardaram que a vista se acostumasse com a baixa luminosidade. Igor olhou para cima e cutucou o amigo que exclamou, ao ver para onde ele apontava:

– Mas bah, que lindo!

O teto da caverna devia estar a uns sessenta metros de altura, o dobro da entrada, e tinha muitas estalactites que emitiam brilhos fracos com a pouca luz que refletia nas paredes, dando a ideia que estavam em algum mundo de ficção, rodeados de estrelas que piscavam devagar. Após mais um pouco de contemplação, Igor afirmou:

– Vamos. Morgana disse que as maiores concentrações ficam para baixo e que no fundo desta caverna há uma rampa que desce para as profundezas. – Fez um gesto e uma luz forte surgiu acima deles, acompanhando-os. – Na dúvida vamos com boa iluminação para não nos ferirmos.

– Boa ideia – disse o amigo. – Tchê, tu conhece alguma coisa de espeleologia? Eu gosto pra caramba, mas nunca tive grandes oportunidades para ir a cavernas, embora tenha estado em algumas, só que bem mais modestas. Pelo menos esta não tem morcegos, porque a última...

– Confesso que desconheço tudo sobre isso – respondeu o mago, encolhendo os ombros. – E também confesso que prefiro lugares abertos ou a água. No entanto, conheço o suficiente de geologia exoplanetária para te garantir que este pedaço de Avalon não era da Terra. Acho que uma parte da ilha foi formada por outro mundo, o das fadas ou o das bestas saltitantes, e juntou-se ao resto há muitos milhares de anos.

– Como podes saber disso? – perguntou Valdo espantado.

– Eu vi alguns veios de cristais de um tipo que não existe na Terra, meu velho – respondeu o mago. – Mas já vi esse mesmo tipo de cristal em outros planetas. No Mundo de Cristal existe em grande quantidade.

Continuaram andando e Igor constatou que avaliou mal o tamanho daquela caverna porque deveria ter bem uns cem metros. Como se tivesse ouvido os seus pensamentos, Valdo disse:

– Bah, cara. Acho que cabe aqui um campo de futebol inteirinho.

– Também acho, talvez até maior. – Igor deu uma risada e continuou, mais sério. – Valdinho, diz aí o que te preocupa tanto nestes últimos tempos?

– Como assim? – Quis saber, entrando na defensiva e um pouco nervoso.

– Eu te conheço muio bem, cara – respondeu Igor –, e tenho a certeza que andas bastante preocupado com alguma coisa. Qual é, sou teu amigo e se eu puder ajudar tu sabes que podes contar comigo.

– Bem – disse Valdo, reticente. – Talvez um conselho até ajude, mas a verdade é que estou confuso, mesmo depois do que a fada me disse.

– Desconfio que se trata da Nealie – comentou Igor, sentindo que acertou em cheio. – O que foi? Gostaste dela e pensas em rever teus conceitos?

– Bah, Igor, não é bem isso, mas tem a ver – confessou o amigo, pensativo. – Eu já estive com mulheres antes e não sou inexperiente. Não foram muitas vezes, como deves imaginar. A primeira vez, foi meu pai que não aceitava a minha condição e me forçou a ir com uma garota de programa que ele deu um jeito de arrumar. Isso meio que me traumatizou porque deu tudo errado. Depois, eu mesmo quis ter a certeza do que sentia e acabei saindo uma meia dúzia de vezes. Gostei de algumas e de outras não, mas a minha preferência mesmo é a outra.

– Bem, cara, isso não parece mudar nada e tu continuas sendo o mesmo Valdinho, o meu amigo de sempre. – Igor riu. – Então, pra quê esquentar a moleira se só eu e a Eduarda sabemos e nenhum de nós vai abrir o bico? Estás preocupado com Teodoro?

– Eu e Teodoro não temos um relacionamento cem por cento definido, mas não gosto de enganar ninguém e confesso que gosto dele. De qualquer forma, acredito que ele não se zangaria se fosse uma mulher, como é o caso. A questão é que Nealie queria muito mais do que uma diversão.

– Suponho que ela desejava um filho teu...

– Como podes saber disso? – perguntou o amigo, de olhos arregalados.

– Conheço os hábitos das sacerdotisas celtas.

– Pois é. – Valdo encolheu os ombros. – Acontece que eu desejo ter um filho meu, sangue do meu sangue, sempre quis, e com um relacionamento gay, o máximo que posso fazer é adotar. Sem falar que, mesmo assim, há tantas restrições a gays que é bem complicado. Por isso, eu aceitei sem pensar e pronto. Só que esqueci de muitos detalhes, como o fato de vivermos em mundos diferentes. O que me adianta fazer um filho, uma das coisas que mais desejo na vida, e viver longe dele?

– Tens toda a razão, Valdinho, e a probabilidade dele ser um mago é altíssima – disse Igor. – Terás de fazer escolhas, sim. Ela manifestou desejo de permanecer com os celtas no novo mundo.

– Eu sei, ouvi toda a conversa com ajuda do Gwydion, sem falar que já aprendi muitas palavras celtas para me comunicar de forma razoável.

– Ainda há o caso dos teus poderes – disse o amigo. – De alguma forma a passagem modificou-te e, se essa mudança for permanente, passarás a ser um dos nossos, inclusive com direito incontestável de viver no Mundo de Cristal, mas os mundanos não podem viver lá, apenas visitar em casos excepcionais, como já conheces. Como mago e com as cápsulas planares poderás ver o teu filho sempre que desejares, ou então poderás mudar para lá, mas serias solitário, embora o mais provável fosse que ela te aceitasse como consorte, se tu quisesses.

– Ela é tão legal que eu sei que poderia viver com ela. – Valdo encolheu os ombros. – Até hoje muitos gays são casados com mulheres por medo de mostrarem a verdade, apesar que sempre fui assumido.

– Olha, Valdinho, deixa esse pepino para quando acabar a nossa bronca. – Igor riu. – Uma encrenca de cada vez. Além do mais, quem te garante que ela já engravidou?

– Temo que sim. Aquilo não aconteceu só uma vez. Foram duas noites muito bem aproveitadas e eu tenho uma repentina capacidade que parece premonição.

Igor não aguentou e teve que rir.

– Tchê, a minha princesa diz que tenho o dom de arrumar confusão, mas tu bateste o recorde. Pelo menos ela é linda de morrer.

– Pior que é mesmo – concordou Valdo, acompanhando a risada. – Baita sangue bom esse teu, vovô.

Igor fez uma careta e Valdo riu ainda mais.

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O Mago e a Sacerdotisa de AvalonNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ