✨ Capítulo 183 ✨

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Ele estava de bruços, escutando o silêncio. Absolutamente sozinho. Ninguém o observava. Ninguém mais estava ali. Nem tinha absoluta certeza de que ele próprio estivesse ali. Muito tempo depois, ou talvez tempo algum, ocorreu-lhe que devia existir, devia ser mais do que pensamento incorpóreo, porque estava deitado, decididamente deitado, sobre alguma superfície.

Portanto, possuía tato, e a coisa sobre a qual deitava também existia.

Quase no instante em que chegou a esta conclusão, Thomas tomou consciência de que estava nu.

Convencido de sua total solidão, isso não o preocupou, mas deixou-o ligeiramente intrigado. Perguntou-se se, uma vez que podia sentir, também seria capaz de ver. Ao abrir os olhos, descobriu que os possuía.

Estava deitado em meio a uma névoa brilhante, embora não se parecesse com névoa alguma que já tivesse visto. O espaço que o rodeava não estava toldado, pelo contrário, a névoa vaporosa ainda não se formara ao seu redor. O chão em que estava deitado parecia ser branco, nem quente nem frio, existia apenas, algo plano, vazio sobre o qual estar.

Ele se sentou. Seu corpo parecia ileso.

Então, do nada informe que o cercava, chegou-lhe aos ouvidos um barulho: as batidinhas suaves de algo que adejava, se açoitava e se debatia. Era um barulho que inspirava piedade, mas também era ligeiramente obsceno. Teve a desconfortável sensação de que estava bisbilhotando alguma coisa furtiva, vergonhosa.

Pela primeira vez, desejou estar vestido.

Mal acabara de formular mentalmente esse desejo, apareceram vestes a uma pequena distância.

Apanhou-as e vestiu-as: eram macias, limpas e quentes. Era extraordinário como tinham aparecido, instantaneamente, no momento em que as desejara...

Ele se levantou e relanceou ao redor. Estaria em alguma ampla Sala Precisa? Quanto mais olhava, mais havia para ver. Um enorme domo de vidro faiscava ao sol, lá no alto. Talvez fosse um palácio. Tudo era imóvel e silencioso, exceto por aquelas estranhas lamúrias e pancadas surdas que vinham dali perto em meio à névoa...

Thomas se virou lentamente no mesmo lugar, e o ambiente pareceu se reinventar diante de seus olhos.

Um grande vão, claro e limpo, um salão muito maior do que o Salão Principal com aquele teto abobadado de vidro. V azio. Ele era a única pessoa ali, exceto por...

Encolheu-se. Localizara a coisa que estava produzindo os ruídos. Tinha a forma de uma criancinha nua, enroscada no chão, a pele em carne viva e grossa, parecendo açoitada, e tremia embaixo de uma cadeira onde fora deixada, indesejável, posta fora de vista, tentando respirar.

Teve medo. Pequena, frágil e ferida como estava, Thomas não quis se aproximar dela. Contudo, ele foi se acercando devagar, pronto para saltar para trás a qualquer momento. Logo estava perto o suficiente para tocá-la, ainda que não conseguisse se obrigar a isso. Sentiu-se um covarde. Devia consolá-la, mas ela lhe causava repugnância.

– Não há nada que você possa fazer.

Ele virou-se depressa. Era uma mulher, desconhecida para ele, ela tava um vestido esvoaçante em um tom claro se azul, seus cabelos brancos desciam como uma cascada pelas costas e ela ia em seu encontra animada.

– Thomas.- Ela abriu bem os braços, e suas mãos estavam, ambas, inteiras, brancas e ilesas. – Você é um menino tão corajoso! Venha comigo! vamos andar..

Aturdido, Thomas acompanhou-o; a Mulher se afastou da criança flagelada que choramingava, e o conduziu a duas cadeiras em que Thomas não reparara antes, dispostas a alguma distância sob aquele teto alto e cintilante. A mulher sentou-se em uma delas e Thomas se largou na outra, fitando a desconhecida.

O Herdeiro do lorde das trevasWhere stories live. Discover now