Capítulo 14

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Milo Giordani

Ela cheirava a grafite, flor de laranjeira e a pureza. Uma perfeita combinação das memórias dos meus dias mais felizes. Sabia que cometia mais um erro, esta aproximação não deveria acontecer. Contudo, me via atraído pela sua presente a cada maldito dia. Queria protegê-la do diabo que a abraçava agora, almejava vê-la em segurança longe do maldito Cartel, à distância da crueldade que envolvia os nossos mundos. Todavia, não conseguia pensar na possibilidade de a deixar partir, de perdê-la de uma vez por toda. Este dia chegaria, eventualmente.

Isabel suspirou baixo ao depositar a mão sobre a tatuagem do Barão de Samedi.

- O seu coração...- Seus olhos verdes encontraram os meus, lentamente. Ela pensou por um segundo como se aquilo que estivesse para proferir fosse um acontecimento histórico. - bate muito rapidamente. Julgava que não tinha nenhum tipo de, hum, alteração que evidenciasse o seu estado emocional. - Sorriu satisfeita com seu apontamento sobre os meus sentimentos moldados em insensibilidade.

- Estás a sugerir que sou um psicopata?

- Não. - Sua mão ainda estava pousada sobre meu coração a procura de vestígios de humanidade. - Talvez tenhas Alexitimia. São pessoas que não conseguem expressar suas emoções. Ou seja, talvez seja um analfabeto emocional. - Ela suspirou ao depositar novamente a cabeça em meu ombro. Não sabia ao certo o motivo que a levou a confiar em mim naquele momento, Isabel estava sempre desconfiada quanto a minha aproximação. Mas, neste instante parecia que estávamos no passado. Cercado pelas árvores da floresta fria e apinhada de borboletas multicoloridas. A Isabel em meus braços acreditava que este era o melhor lugar de se estar, ela confiava no garoto mistério.

- Analfabeto emocional? - Inspirei cuidadosamente entre os fios ruivos. - Que maneira educada de amenizar minhas aptidões emocionais.

- Por alguns segundos da minha vida, gostaria de não sentir absolutamente nada. - Dedilhou a ampulheta com cuidado. - Deve ser bom não ser magoado por quem amamos. Ter o controle de colocar limites em nossos sentimentos, ou melhor, ser indiferente. - Havia tristeza em seu tom de voz. - Por mais que sinta que devo te odiar, não consigo. Eu não entendo o que se passa no meu interior quando ele está conectado a ti, Milo. A sensação é estranha, sufocante. Tenho a impressão que as nossas vidas foram projetas numa linha que nos leva a uma única direção. Eu...apenas não entendo. Não deveria estar neste avião contigo. Não deveria confiar no homem cujo tenho uma dívida generosa. Mas, eu sinto que há algo à mais. Eu não sei... Apenas não sou imune aos sentimentos. Não deveria confiar em ti, pois não?

Seus olhos intensos que reluziam uma verdade cravaram além daquilo que os seus olhos poderiam ver, ela tentava descodificar as 'nuances' irresolutas da minha alma.

- Não, García. - Confessei a observar uma camada de lágrima enevoar o seu olhar.

Isabel deitou a cabeça mais uma vez em meu ombro.

- Já amou alguém?

Seus dedos se moviam sob meus batimentos acelerados.

- Com tanta força que este amor se desintegrou em vários minúsculos pedacinhos de ti?

Os movimentos tornaram-se lentos.

- Como se respirar não fosse o bastante? - Parou. - Eu já. E ele levou tudo de mim. Meus sorrisos, minha alma e minha inspiração. Por vezes penso que ele não existiu.

Ficamos em silêncio por um longo momento. A respiração quente de Isabel batia no meu peito, sob meus batimentos, como numa contagem decrescente do nosso tempo, juntos.

- Já amei alguém, García. - Confessei, assustado. - Isto foi há muito tempo, mas amei.

Ela quebrou nossa distância, cuidadosamente.

Em Córdoba não há flores - Filhos Do Cartel Do Sul 1 Where stories live. Discover now