Isabel García - Há doze anos

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Passado

Córdoba, Há Doze anos

Isabel Garcia

— Natan! — Meus pés descalços foram magoados pelos pedregulhos do terreno arenoso que levava até um parque infantil vandalizado

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— Natan! — Meus pés descalços foram magoados pelos pedregulhos do terreno arenoso que levava até um parque infantil vandalizado. — Tenho tantas saudades tuas. — Gritei sob o pio suave de uma andorinha que procurava um galho para repousar. — Natan!

Corri até o meu esconderijo nada secreto.

Subi pela passagem do túnel indo de encontro a torre principal. Yoda, o cão sem raça do Natan corria a volta da estrutura em madeira. Quando se apercebeu que não conseguiria subir, deitou sobre as suas patas a soltar um latido baixo.

— Natan, quando chegarás? — Sussurrei para o vazio.

Há cerca de um mês José havia declarado que Natan e a mamã ficariam em Sevilha por apenas alguns dias. Ele afirmou que encontraríamos com eles dentre algumas semanas, não acreditava nele. Natan não gostava de José e isto se tornava claro a cada novo dia. Ao contrário de Natan afeiçoei-me ao José, o chamava de pai. Isto irritava profundamente Natan que não o suportava, quando este começou a namorar a mamã tudo piorou. José era a única figura paterna que conheci nesta vida, talvez tivesse a confundir amor com gratidão.

Estávamos em Córdoba há quatro semanas.

Trinta dias que a minha vida não era a mesma sem Natan. Não sobreviveria sem ele, definharia.

Fiquei em pé a fungar, Yoda olhou-me com os seus grandes olhos negros como tivesse a ler os meus pensamentos, ele soltou mais um latido sem vida. Não era a única a sentir falta de Natan, seu cão morria de saudades dele. Mimei os pelos sujos de Yoda enquanto ele baloiçava o rabo sem qualquer alegria.

Chorar não os traria para Córdoba, corri por entre as árvores que soltavam pólen naquela altura do ano. Sentia falta de Sevilha, do cheiro do perfume adocicado da mamã logo pela manhã, das histórias que Natan contava antes de adormecermos. Queria-os de volta.

Meu coração estava acelerado enquanto avançava para o interior de uma floresta fechada, empurrei os fios ruivos que tentavam ofuscar a minha visão. Yoda vinha ao meu encalço, ele não me deixaria sofrer sozinha.

Parei bruscamente.

Ele estava envolta de um círculo dourado resultado da luz solar que espreitava pelas folhas das árvores que nos cercava. Borboletas multicoloridas esvoaçavam a sua volta como mariposas atraídas pela luz. Mas aquele garoto não possuía luz.

Yoda sentou como tivesse sido vítima de um comando que apenas ele ouviu.

Dei um passo em direção ao espetáculo natural.

O garoto continuava petrificado.

— Que lindo. — Anunciei.

— Deveria cortar as suas asas. — A sua voz era poderosamente cheia de um sentimento que uma criança na sua idade não deveria ainda ter experimentado, ira absoluta.

— Que crueldade seria. — Inalei profundamente quando o garoto virou-se na minha direção. Ele não era um menino normal. Nos seus olhos azuis vítreos habitavam indícios de uma frieza que jamais constatara na minha vida.

— Algo belo precisa de liberdade. Mas esta liberdade custará demasiado, um dia esta borboleta preferirá nunca ter saído do seu casulo. — Domínio reverberava de si com uma fluência invejável. — Não cortarei as suas asas hoje, mais um dia terão que fazê-lo.

Abri a boca para perguntar sobre aquela incógnita, mas o garoto com feições moldadas em frieza desapareceu do círculo luminoso como num passe de mágica.

Sem a sua presença, as borboletas dissiparam-se por entre galhos e folhas ressequidas.

Yoda moveu as suas patas contra as folhas secas, voltara a si.

Suspirei a sentir um arrepio incomum.

Em Córdoba não há flores - Filhos Do Cartel Do Sul 1 Where stories live. Discover now