CAPÍTULO 63 - RAYD E A SEGUNDA MORTE

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A sola de minha bota parecia ter mil agulhas incandescentes. Cada vez que pisava, dores se irradiavam por todo o meu corpo. Não toquei no assunto pois assim que o formigamento passava eu não sentia mais a parte do corpo onde ele se manifestara. E foi assim com o meu pé esquerdo, não consegui mais que ele sustentasse meus passos. Uma muleta me foi dada e nela me apoiava para levantar-me da cama de onde saía somente para fazer as minhas necessidades. Sofrendo por dentro, sabia o que estava acontecendo, mas ao mesmo tempo não queria acreditar. Sem condições de permanecer em Tórun, pedi que Marielle chamasse seu pai para poder me despedir. Tinha em meu coração que não mais o veria.

- O que houve meu rapaz, que mal vos sucedeu? Perguntou aflito.

- Não sei ao certo General, eu....! Fui gentilmente interrompido.

- Ele deve ir para minha casa! Disse Martha categórica.

- Mas...ele...ele deve ser tratado no hospital Martha, temos melhores condições de....!Marielle não conseguiu terminar a frase.

- Por favor, eu insisto! Tornou minha mãe num tom que dispensava qualquer argumentação.

- Façam o que ela pede por fav....favor! Disse quase sem voz.

- Por certo meu filho, mas antes que partam, gostaria de agradecer por tudo, vossa mercê foi certamente a centelha dessa revolução. Serei para sempre grato e agora como regente da Prússia real colocarei todos os recursos de que dispomos em prol da sua cura! Disse Jan e complementou.

- Minha alma hojese enche de tristeza. Pois não os terei nesse que será o dia de minha nomeação e da anexação de Kulmerland ao reino da Polônia!

- Os lagar..os lagartos conseguiram! Disse sorrindo.

- Sim conseguiram! Frederick assim como eu será nomeado regente da voivodia autônoma de Kulmerland agora anexada ao reino da Polônia.

Sorri um sorriso triste, mas sincero. Daria tudo para estar com eles, desfrutando dos louros da vitória, mas não me seria permitido, uma longa e angustiante viajem de volta me aguardava.

Ao final da segunda semana, a brisa me trouxe os aromas familiares da colina de casa. Com o lado esquerdo do corpo completamente paralisado, precisava de ajuda para me ajeitar no catre da carroça. Apenas a cabeça se movimentava livremente, usava-a para apreciar a paisagem e conversar com Marielle e mamãe.

Mãe, ainda precisava me acostumar com essa ideia. Olhava tia Martha com amor redobrado e ela por sua vez, me retribuía um olhar ardente e inconformado. Acomodaram-me rapidamente em meu antigo quarto, Martha carinhosamente me poupou de ver os estragos provocados pelos teutônicos. O pelotão a nós designado ficou também responsável pela reconstrução de tudo. Ouvi Marielle começando a limpeza em algum lugar da casa, enquanto tia M..., minha mãe ajeitava-me na cama.Corajosa ela tentava não se abalar, mas muitas vezes ouvi seu choro sofrido nos cantos da casa e estranhos diálogos sussurrantes.

- Vós sabeis que eu tentei, eu sei, eu fui avisada, vossa mercê me alertou, mas como ia saber....!

Marielle e mamãe se alternavam nos meus cuidados, me fazendo bebericar um chá de gosto suave e de bela tonalidade azul. Parecia funcionar como uma espécie de tônico que melhorava meu ânimo, mas não combatia a estranha paralisia que me invadia. Estranha aos outros, familiar para mim.

Quando Zorn e Nohra chegaram, apanharam-me com o corpo totalmente paralisado, já não movia a cabeça e falava debilmente. Zorn me olhava de soslaio sem entender o que estava acontecendo. Ele se esforçava sinceramente para tentar entender os sintomas, mas era tudo em vão. Ele e Marielle aplicavam emplastros e pomadas sobre as partes paralisadas, mas sem nenhum efeito prático. Logo parei de falar. Minha lingua paralisada e amortecida, sumira, e minha boca parecia selada para sempre. Somente os olhos eram minha janela para o mundo, mas como estavam quase sempre marejados, a visão me lembrava as janelas da casa nos dias frios. Apesar das lágrimas, meu espirito estava tranquilo. Desde o inicio de minha penúria fui tomado por uma inexplicável sensação de conforto e segurança. Dessas que só quem sabe do dever cumprido tem. Não fosse isso, enlouqueceria em minha clausura corporal.

- Martha, tenho que pegar mais unguentos! Disse Zorn num tom frio e estudado, não queria transmitir a desesperança que dele se apossara.

- Sim meu querido, por favor e...e obrigado! Disse Martha.

Pelos olhos turvados mal conseguia divisar minha mãe, ali, parada em frente a cama. Pensava em tudo que vivemos e em tudo que poderiamos ter vivido. Pensava o mesmo sobre Marielle. Não me foi permitido ser feliz ao lado delas, mas rezava para qualquer força superior que lhes desse força e coragem para seguirem em frente e serem felizes.Nossos caminhos se cruzaram e agora se separavam por razões desconhecidas, aceitei tacitamente e agradeci por cada momento vivido e por ter conhecido o amor nesse tempo que me foi concedido.

Meu coração batia cada vez mais devagar. No funil escuro que se resumira minha visão, vi o vulto de Martha saindo rápido e gritando em desespero. Os gritos vinham distantes e sofridos. Chamava Marielle, chamava Zorn, e então tudo ficou escuro e silencioso, o funil se fechou.

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteМесто, где живут истории. Откройте их для себя