CAPÍTULO 35 - ESQUELETO E OS ESGOTOS

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Zig ficou surpreso com a existência da trilha oculta que passava por baixo do cais principal. Conhecida somente pelo Rato e seus comparsas, só podia ser acessada duas vezes por dia, durante as marés baixasexplicou o seu antigo parceiro de crimes. Era feita de pedras justapostas que estavam repletas de cracas cortantes e algas escorregadias. Eram escuras devido ao lodo da baía, que na Doca dos Ratos parecia ser ainda mais denso e negro. O ar ficava mais frio próximo à água gelada e Zig com os pés encharcados, tremia enregelado. Seguiram pelo penoso caminho por três longos quartos de hora, parando exatamente sob o píer do Castelo. Zig teve a certeza disso pois conhecia o porto como a palma da mão. A dez metros do desembarque encontraram o grande e escuro círculo da saída de esgoto principal.

- Por aqui, vamos, eis a minha porta de entrada para o castelo. Não se preocupe estamos seguros, minhas sentinelas são as ratazanas! Disse o Rato, acenando num sussurro sorridente.

Entraram chapinhando no esgoto, que àquela hora era de pouco volume. Um filete corria no meio da imensa tubulação de pedras encaixadas no barranco arenoso. A piada inocente de Algimas se mostrou verdadeira após alguns passos na escuridão à frente, os guinchos de dezenas de ratos ecoaram pelo esgoto, entremeados pelo gotejamento incessante. Tudo era escuro, úmido e frio e a dupla apalpava as paredes para guiar-se, vez ou outra esbarravam nas sentinelas. Seguiam sem tochas, as únicas luzes vinham dos bueiros mais acima, das ruelas do castelo. Afora isso, o que lhes restava era a própria visão, que ia se adaptando ao escuro. À certa altura chegaram ao acesso do castelo, mas não conseguiram prosseguir. Por razões óbvias a passagem estava lacrada com uma grossa grade de ferro.

- E agora, o que faremos? Questionou Zig.

O Rato não se abalou, ou pareceu não ouvir o amigo enquanto apalpava as paredes que emolduravam a grade. Parou em determinado ponto e cravou os dedos na emenda das pedras. Tentou puxá-las, em vão. Sacou então uma adaga e passou a escavar o rejunte que saia com certa facilidade.

- O que está fazendo homem? – Vamos passar o resto da vida escavando essa parede! Disse Zig irritado.

- Essa argamassa não é a original. Foi trocada a alguns anos por mim e mais alguns comparsas, colocamos uma argila mais mole, para ser removida facilmente. Rápido me ajude aqui! Dizendo isso, entregou a Zig um cinzel.

Na hora seguinte, um orifício de bom tamanho havia sido aberto ao lado da pesada grade. Rato e Esqueleto passaram tranquilamente por ele, seguindo para o interior de Honeda.

"Pela Dama da Luz da Aurora, estamos dentro do Castelo!" Pensou Zig enquanto um arrepio percorria sua nuca.

A tubulação a partir da entrada para o castelo se abria em um túnel. O cenário agora era de paredes de pedras cobrindo o túnel de cima abaixo, tão bem encaixadas que não precisavam de rejunte. Caminharam até uma bifurcação e seguiram pelo túnel da esquerda, que possuía uma espécie de passarela construída ao lado do curso da água do esgoto, Zig agradeceu por poder sair daquele fedor. O túnel tinha em suas paredes opostas, grandes orifícios retangulares de onde caía mais água, cada um alimentava o esgoto principal em volumes diferentes. O Rato parou em determinado ponto e indicou um dos orifícios. Em seguida cutucou Zig.

- Ali Esqueleto, ali é a passagem para os níveis superiores, reservados aos hóspedes mais importantes. Se o que falastes estiver correto, é por ali que encontraremos os aposentos do seu querido Doutor!

A subida para os quartos do castelo levou algumas horas. Seguiram se arrastando e agradecendo a inclinação suave e o pouco volume de água. Perceberam então a claridade invadindo as pequenas claraboias. O dia já vinha amanhecendo. A demora não fizera parte dos seus planos, pois eles não poderiam sair do castelo sem a proteção da noite. Teriam que forçosamente passar o dia nas entranhas de Honeda. Algimasresolveu então conceder ao parceiro um passeio pelo Castelo visto de um novo ângulo. Zig não se incomodou pois se sentia tão à vontade quanto o Rato naqueles espaços exíguos e dutos claustrofóbicos, deslizava de um para o outro com a destreza de um roedor. Mas, o cansaço já se avizinhava e ele tinha medo de não ter forças para o resgate definitivo.

- Rato, vossa mercê não tem um ponto onde possamos descansar. Confesso a contragosto que me sinto esgotado!

- O bom e velho Zig querendo descansar, pela Alma do Trovão, por essa eu não esperava. Venha por aqui, tenho o lugar ideal para uma parada estratégica!

Arrastaram-se por mais um tempo, até que o duto foi se alargando para terminar em uma grande galeria. Esta se desdobrava em mais dutos e túneis, Zig ficou tonto e embasbacado diante a labiríntica rede em que Honeda fora construído. Nesse ponto o Rato tinha o que chamava de base de operações. O homem trouxera para ali tudo que pudesse precisar para permanecer no interior do castelo por vários dias. Dois catres relativamente confortáveis, cobertores, algumas ferramentas entre cinzeis e facas e ainda, utensílios de cozinha. Zig desabou sobre um dos catres e adormeceu quase que imediatamente.

Acordou sem saber quanto tempo havia se passado e voltou-se para o Rato que parecia assustado.

- Que foi homem, vistes um fantasma?

- Não vi nada, mas ouvi sons muito estranhos ecoando pelas galerias. Sons que nunca havia ouvido antes!

- Fazia muitos anos que não entrava em Honeda como bem o sabeis, as coisas têm ficado cada vez mais perigosas por aqui. Não é um bom lugar para se visitar e os hóspedes de burras cheias há muito se foram!

- E o que ouvistes homem? Tornou Zig.

- Não sei ao certo como descrever, hum...rosnados, sim, definitivamente rosnados. Graves e profundos, tão profundos que ecoavam por essas grossas paredes como lamentos raivosos. E uivos, não, uivos não, gritos. Pareciam ser de qualquer coisa menos de um ser humano, mas também não pareciam ser de nenhum animal conhecido. Não sei quanto ao amigo, mas eu estou saindo daqui!

- Vossa mercê não pode me abandonar, não agora Rato! Tornou Zig ansioso.

- E como ireis me convencer a ficar? Respondeu irônico.

- O restante do pagamento o aguarda fora daqui. Jamais o recebereis comigo preso nesses malditos esgotos!

- Vossa mercê quer dizer....er...que não está com os táleres?

- E vós acheis que o velho Zig aqui seria tão estúpido em trazer todo o dinheiro?

- Agora vamos, mostra-me de onde vinham os sons!

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteWhere stories live. Discover now