CAPÍTULO 59 - ZIG E OS DESGARRADOS

2 1 0
                                    

Marielle ia à frente, conhecia mais do que ninguém a região costeira do Vístula. Decidiu seguir pelo melhor caminho, pela floresta dos penhascos. Uma floresta de faias e abetos que terminava num conjunto de penhascos que precedia a cidade. De lá tinha-se uma vista ampla de toda a laguna do Vístula. E o que vimos foi impressionante. Dezenas de embarcações de vários tamanhos se enfrentavam nas plácidas águas azuis acinzentadas da baía. Pequenos bergantins teutônicos tentavam defender o castelo, mas eram mandados um a um para o fundo da Laguna. Galeões fortemente armados, disparavam incessantes salvas de tiros contra Honeda. O complexo do castelo estava quase que totalmente destruído. Algumas torres e edifícios ainda resistiam, mas não por muito tempo. Ao olhar algumas das grandes velas reconheci o brasão azul com a cruz dupla amarela nelas estampado. Era a marinha Lituana de Casemiro. Alguns barcos prussianos, menores e mais rápidos lutavam lado a lado com eles, tive a certeza de que a Condessa era um deles. Capitão Laurent Moreau não perderia aquela oportunidade por nada nesse mundo. Pensava também no rei polonês, o homem era um gênio na arte da guerra. Olhei para Marielle e para tia Martha, ambas estavam esgotadas e em comum acordo decidimos esperar o desfecho de tudo, assistindo à uma distância segura a batalha na baía. Em meu âmago ainda me sentia angustiado. Precisava saber do paradeiro de Zig, de Gheller e do cadáver do bispo.

Um som de trompas ao longe me despertou daqueles pensamentos nefastos. Marielle apontou sorrindo na direção dos sons. Em um ponto não muito distante, ao sul de Balga podia-se divisar três bandeiras tremulando, isso significava a nossa vitória, depois disso, os sons da guerra foram silenciando-se. Os canhões e as espadas se calaram. Nos entreolhamos e decidimos seguir na direção das bandeiras, sentindo que tudo havia finalmente terminado. Pelo menos em Balga. Ainda tínhamos mais um passo a dar. O maior deles, Malbork, a capital da Voivodia.

A noite foi de grande comemoração. A frota lituana abriu passagem para duas caravelas mercantes abarrotadas de bebidas e comidas, que alimentaram um monstruoso banquete para todas as tropas. Não havia distinção, prussianos, lituanos e poloneses celebravam juntos como irmãos a queda da cidadela de Balga. Sentamo-nos todos na mesma mesa do rei olhando orgulhosos uns para os outros, irmanados na vitória. Era uma longa mesa, ladeada por bancos contínuos igualmente longos. Sentei-me ao lado de Marielle e de seu pai já recuperado, graças à Zorn e Nohra Marie. Encontrei os dois, sentados juntos a algumas posições à nossa frente. Nohra Marie me olhou de volta, seu olhar era enigmático, mas o meu transmitia os mais sinceros desejos de felicidade para os dois. A cotovelada nas costelas me fez lembrar da comida e de Marielle que me olhava com um azul ciumento em seus olhos. Sorri e brindei com Gudruk e Zatik, à minha frente e com os Carcaju ao meu lado. Ouvimos ainda os discursos do rei e do general Bazynski. Depois disso todos se juntaram num grande baile regado à bebida e música. Eu e Marielle resolvemos nos recolher. Por mais sofrido e inacreditável, tinha sido um bom dia, e chegara ao fim pleno de vitórias.

No dia seguinte fui acordado pelo pranto sofrido da tia em outra parte da tenda. Eu e Marielle fomos ampará-la naquele momento tão difícil. Desde que deixara o tio agonizando no chão da casa ela não tivera mais notícias dele. Soube de sua morte da pior maneira possível, através da boca virulenta e sarcástica de Von Plauen. Desde então, não tivera tempo de chorar a morte do amado. Agora, na segurança de nossa companhia e sabendo do fim de todo aquele mal, desabara em lágrimas. Deixei-a com Marielle pois tinha uma última pendência a resolver, e seria em Honeda.

A equipe do Subxerife estava novamente reunida, ou melhor, o que restara dela. Eu, Gudruk, Zorn e Zatik cavalgávamos lentamente em direção a cidadela sem dizer uma palavra. As lembranças dos dias e amigos que se foram e a incerteza quanto ao destino de Zig nos calava. Balga era a imagem da desolação. Ao passarmos sob o portal agora em ruínas, tudo era só destruição. As casas eram escombros calcinados, as ruas um cemitério a céu aberto, com restos mortais de homens e feras espalhados por todo o lado. Nosso coração ficou destruído ao passarmos em frente ao que um dia fora o Javali Caolho. Os canhões não o pouparam, era agora uma lúgubre pilha de entulhos. Suspirei profundamente pensando no alegre, truculento e agora saudoso mestre Tynus Kulim.

"Quase nos tornamos parentes!" Pensei num leve sorriso e olhando de esguelho para o doutorzinho.

Entramos em Honeda pelo portão principal e seguimos direto para o portão de ferro na ala sul. De lá ganhamos os túneis. O objetivo acertado na noite anterior, era de encontrar as celas das feras desgarradas e resgatá-las, ou mantê-las ali mesmo, mas com uma melhor qualidade de vida. Todos nós, ficamos atônitos diante da engenhosa rede de túneis construída pelos teutões, todos excetoZorn, para ele, aquela genialidade toda só lembrava dor e sofrimento. Guiados pelo doutor que explicava tudo rapidamente, passamos pela salade pesquisa e tradução dos monges e em seguida pelo salão das feras. Chegando no corredor das celas constatamos surpresos que não havia mais nada, todas as celas estavam vazias. Somente algumas criaturas jaziam mortas no chão. Zorn desnorteado abria e reabria cada uma das celas munido de uma tocha. Não restara uma criatura sequer, todas haviam sumido. Ao longe, no final do grande corredor achei ter visto um objeto conhecido. Segui até lá.E então eu vi, mas não pude acreditar. Gritei para os outros que vieram apressados até mim. Nos entreolhamos incrédulos. Ao lado do último cadeado aberto, pendurado nas grades da cela, estava o meu machado, o primo menor o meu presente para Zig Esqueleto.

A noite foi longa e agitada, praticamente não dormi. Zig povoava meus sonhos. Todos nós já havíamos testemunhado mais de uma vez a grande empatia que o pequeno sentia pelas feras. Eu o via acenando para mim, parecia feliz e sorria. Acordei banhado de suor. A pergunta torturante não mais me abandonou.

"O que aconteceu realmente naquele lugar, o que houve com o nosso pequeno grande amigo!"

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteWhere stories live. Discover now