CAPÍTULO 13 - OS DESGARRADOS

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Zorn voltou seu olhar para o grande círculo de pedra. Ele achava que havia se enganado, mas não, estava certo. Uma das mulheres lobo não reagira ao ritual e permanecia deitada em seu sulco na pedra. Agitou os ombros enquanto olhava para o sumo sacerdote. Com um gesto dele o soldado atrás o libertou das correias e da mordaça. O doutor correu para onde jazia a besta, precisava verificar de perto o que havia acontecido com ela.

A criatura estava ofegante e parecia esgotada, não conseguia esboçar qualquer reação. Mesmo temeroso ele virou a face da fera para ele. O estágio de transformação ou evolução estava primoroso. O rosto exibia quase que completamente os traços faciais do animal. Os olhos estavam esgazeados e pareciam olhar para o nada. A língua exposta caía da mandíbula aberta. Ela lentamente foi voltando do limbo em que se encontrava, olhou para Zorn e imediatamente baixou as orelhas assumindo uma posição passiva. Ele ia esboçar algumas palavras de consolo quando foi rudemente puxado para cima.

- Já basta mestre Zorn, o espetáculo aqui acabou, temos que voltar aos trabalhos que nos esperam nas catacumbas de Honeda! Falou Gheller para em seguida gritar.

- Guardas levem essa coisa daqui! Já sabem o que fazer!

- O que, o que vão fazer com ela? tornou Zorn temeroso do destino da pobre criatura que ainda parecia alheia a tudo.

- O que fazemos com todos os desgarrados meu caro subxerife! Ele se virou para onde vinha a voz. O sumo sacerdote vinha agora em sua direção.

Ele retirou a máscara e todas as suas suspeitas se confirmaram, Karvelis era o bruxo, o necromante responsável por todo aquele espetáculo macabro.

- Tive aqui uma chamada à razão Subxerife, acho que não deveria mais chamá-lo por esse título, já que foi devidamente destituído!

- Doutor, sim doutor, esse título sempre lhe caiu bem! Disse Karvelis com o indefectível sorriso.

- Sabe doutor, a pequena Elza entra agora para a nossa galeria de mistérios. Parece que alguns deles tem uma resistência natural à força que invocamos à cada ritual!

"Força maligna!" Pensou Zorn.

- Na maioria deles sempre temos uma ou outra fera que não entra em sintonia com o nosso Todo Poderoso! Completou Gheller.

- Alguns conseguiram escapar. Outros mais lentos como essa moça aqui, simplesmente ficavam parados esperando a morte chegar! Falou o grandalhão que vinha atrás do bispo.

Zorn não conseguiu dizer mais nada, voltou seus olhos para a fera que sofria tentando recobrar os sentidos. A fera ali era a criada Elza, que há alguns dias estava lutando pela vida nos leitos das catacumbas de Gheller. Mais uma vez seus caminhos se cruzavam. Aquilo não podia ser só uma coincidência, ele tinha que pensar rápido e tentar salvar mais uma vida.

- Mas o que vão fazer com ela? Perguntou.

- Sacrificá-la, como com os outros!

- Matá-la? Mas, por quê?

- Porque nem ela, nem os outros não nos serão mais úteis! Respondeu Karvelis.

- Úteis, úteis para que? Questionou Zorn.

- O doutor com todo o seu poder de investigação ainda não se apercebeu do que estamos fazendo aqui, não é mesmo? Questionou Karvelis.

- Não, sinceramente não, o grau de loucura incutido em tudo isso está muito além da minha concepção! Respondeu o doutor.

- Estamos montando um exército seu romântico pueril! Retrucou Gheller.

- Estamos melhorando essa escória miserável que entulha as ruas e arredores da cidadela. Lhes dando uma segunda chance de vida como soldados do nosso exército invencível! Continuou o louco que se intitulava mestre físico.

- Estamos usando toda a experiência adquirida com a nossa derrota na Transilvânia para sermos bem-sucedidos agora! Complementou o bispo.

Zorn estava boquiaberto. Aqueles homens acreditavam cegamente na verdade de estar fazendo o bem para aqueles pobres sofredores. Um sistema de credos tão arraigado e baseado na sede de poder que os transportou para outra realidade. Jamais conseguiria demovê-los da ideia. A luta entre o mestre físico e o ser humano parecia ter finalmente terminado dentro dele. E a epifania veio no encontro do olhar com a fera ao seu lado. A pobre Elza o olhava com o mesmo carinho e gentileza que expressara quando do serviço na sala do Bispo. Ele tinha que achar uma saída para ambos.

- Não! Digo, peço que não a sacrifiquem agora! Tornou decidido enquanto protegia Elza com o corpo.

- Ora caro Doutor e quem sois vós para pedir algo, não lhe ocorreu ainda a posição em que se encontra? Desdenhou Karvelis.

- Eu posso, quer dizer, existe uma maneira de fazer com que todos entrem em sintonia com toda essa...essa, er... essa energia aqui invocada! E continuou.

- Não sei ao certo, mas existe uma menção em um dos capítulos da Anatomia das Feras. Mas eu preciso de mais tempo e se possível de ter esse espécime como objeto de estudo.

- Os desobedientes devem morrer! Urrou o brutamontes que até então permanecera calado.

- Não, esperem, isso me interessa! - Mestre Zorn tem conseguido ótimos resultados em suas pesquisas. Eu mesmo me encarrego de suas demandas! Atalhou Gheller.

- Ghoran, leve esta criatura de volta ao vagão! Gheller gesticulava apressado para o gigante.

O tal Ghoran estava à frente de um pequeno pelotão. Com um gesto seu, todos agora guardavam suas espadas ou recolhiam suas lanças que seriam usadas para a execução da miserável criatura. Visivelmente contrariado, prendeu a corrente guia ao pescoço da fera e arrancou-a violentamente do repouso. A pobre soltou um ganido sofrido e segurou nos braços de Zorn.

- Eu, eu posso seguir com ela nos vagões? Zorn pediu tentando não soar suplicante.

- Se assim preferir! Respondeu Gheller num tom desdenhoso.

O doutor tomou gentilmente a corrente das mãos do gigante e seguiu na direção do carroção que fazia as vezes de jaula. Ghoran os seguiu de perto e assumiu o lugar do cocheiro. Com um estalar do chicote a parelha se pôs em movimento. Zorn olhou uma última vez na direção para onde as feras seguiram. Tudo aquilo não fora em vão, o bando seguia com um claro objetivo. Ele vislumbrava mais um ataque, e a pergunta então voltou a assombrá-lo.

"Quem seriam as próximas vítimas daquela horda ensandecida?"

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteOnde histórias criam vida. Descubra agora