CAPÍTULO 34 - ALGIMAS, O RATO

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A Condessa ancorou no meio da madrugada em silêncio e aproveitando-se da escuridão, mas de nada adiantou. A tropa Teutônica já a aguardava no cais leste, o local de embarque mais distante da Doca dos Ratos. O capitão Laurent pego de surpresa desceu a rampa de embarque para a inesperada revista. Os soldados truculentos entraram trovejando suas botas pelo convés e devassaram a embarcação de cima a baixo. Detiveram-se nos porões, revistaram-nos por completo, mas além da carga de vinho lituano nada mais foi encontrado. O comandante do pelotão deu a ordem de retirada, mas não sem antes advertir severamente Laurent.

- Qual o motivo da chegada em hora tão avançada Comandante Moreau? Berrou o capitão responsável pela guarda do porto.

- Oh capitão Drucker, tivemos alguns contratempos na viagem, não deveis saber, mas o estreito do Brandemburgo está congelando, isso deixa a navegação muito mais lenta e....!

- Pois saibas que todas as embarcações estão agora proibidas de procederem embarque ou desembarque após as dez badaladas do sino do torreão de Honeda! Essa violação, somada às advertências anteriores já bastam para uma ordem de prisão contra vossa mercê! O homem vomitou as palavras sem pausas, cortando qualquer argumento do comandante da Condessa.

- Oh, capitão queira me perdoar, isso não mais acontecer, o que posso fazer para resolvermos essa contenda! Disse Laurent já sabendo a resposta.

- Algumas caixas desse vinho dos lituanos devem bastar para esquecermos tudo isso! Respondeu o homem sem cerimônias e vergonhas, tinha para si próprio o direito de merecedor do prêmio. Monsieur Moreau acostumado com os muitos subornos apenas acenou aos seus homens dando a permissão. Levaram quantos vinhos puderam carregar.

Zigouvia os passos pesados no convés acima, espremido entre o casco e o assoalho do porão. Graças aos cuidados dos excelentes físicos da Lituânia, se recuperara com poucas sequelas e agora estava de volta junto com aquele que se tornara mais que um amigo, o capitão Laurent Moreau. Se escondera ali com a ajuda do comandante quando ambos pressentiram a abordagem no porto. O minúsculo compartimento secreto da Condessa acomodava pequenas cargas ilegais e Laurent mal acreditou quando viu Zig entrar e se acomodar lá dentro. Ele fechou a tampa do alçapão, e em seguida empilhou várias caixas de vinho sobre ela.

Agora, Zig ouvia as caixas sendo retiradas e temia o pior, temia ter sido descoberto. Mas o silêncio que se seguiu, fê-lo respirar aliviado, os soldados tinham-se ido. Esperou um longo tempo para sair do buraco claustrofóbico e seguiu com cautela para o convés. Pode ver, oculto na amurada da proa, a tropa ganhando a distância com várias caixas de vinho nos ombros. Estava ao lado do comandante Laurent, que sorria maliciosamente para ele.

- Então meu amigo, quais são os próximos passos!

- Preciso voltar ao Esturjão, tenho que encontrar um velho amigo! Disse Zig com uma determinação sombria, até então desconhecida de Moreau.

Algimas o Rato, ganhara essa alcunha devido a sua incrível capacidade se meter em qualquer buraco por menor e mais imundo que fosse. Muitos de seus assaltos mais memoráveis tinham sido através da intrincada rede de esgotos de Balga. E ele gostava de se vangloriar de seus feitos. Principalmente após algumas doses do forte conhaque da Bretanha. Bebida cara, que ele fazia questão de pagar com o fruto de seus roubos. Um mimo para si mesmo, dizia.

Zig o olhava à distância, não o via já a alguns anos, desde que recebera a incumbência de cuidar das salas frias como escrivão da Ordem. Desde então, Algimas se afastara daquele que ele considerava seu irmão. Zig também assim o considerava. No passado, dividiram o mesmo catre em muitas noites geladas de Balga aquecendo-se mutuamente. Protegiam-se um ao outro dos molestadores noturnos dos orfanatos. Quando tudo ficou insuportável, fugiram juntos, sobrevivendo de pequenos furtos por toda a juventude. Zig devia sua vida ao amigo, por diversas vezes ,foi ele quem cuidou ou encontrou cuidadores para suas doenças. Também lhe devia a alcunha de Esqueleto, um apelido amedrontador, que funcionava bem, dando a fama que ele precisava para os roubos.

Tudo mudara desde a ocupação Teutônica. Rato e Esqueleto seguiram caminhos diferentes por força de suas escolhas. Agora, a vida os juntava novamente na luta contra esse inimigo em comum. Esqueleto saiu de seu abrigo nas sombras e seguiu até o final do balcão.

- Saudações irmão! Disse num tom soturno.

O Rato virou-se e não acreditou no que viu. Sua expressão foi da satisfação à confusão em uma pequena fração de tempo.

- Esqueleto! Mas com todos os demônios, o que faz aqui?Tendes noção de que os malditos Teutões querem a sua cabeça? Essa coisa feia vale uma pequena fortuna! Sussurrou e sorriu preocupado, enquanto sondava a taberna em busca de soldados.

- Não tem nenhum deles aqui, agora! Respondeu Zig, despreocupado.

- O que vos trouxe aqui e, depois de tanto tempo? Tornou o Rato.

- Preciso de vossa ajuda!

- Ajuda? Por que eu, e por que agora?

- Preciso entrar e sair de Honeda sem ser visto?

O Rato ao ouvir a menção ao castelo dos teutões pareceu mais interessado.

- Honeda, e o que há lá de tão valioso para arriscarmos nossos pescoços naquele lugar assombrado?

- Uma pessoa, preciso retirar uma pessoa de lá. Um prisioneiro!

Algimas não se conteve e soltou uma gargalhada engasgada pelo álcool. Tossiu algumas vezes e escarrando, engoliu a gosma grossa que se formara na garganta.

- De onde tiraste ideia tão estúpida seu desvairado?

- Bem sabeis que só me arriscaria por uma das belas peças sacras da igreja, feitas de ouro puro, mas isso é mais difícil que roubar a espada do general Von Plauen! O sujeito já ia armando outra gargalhada, mas a engoliu em seco.

- Duzentos táleres de prata! Respondeu Zig.

- Como...o...o que disse? Tornou Algimas confuso.

Zig puxou a mão do Rato e bateu a pesada bolsa em sua palma, olhando-o fixamente.

- Cem agora, cem quando estivermos fora de Honeda. Sãos e salvos, eu e meu amigo!

Algimas foi da bolsa para os olhos de Zig e calou-se ante o brilho de determinação que dardejavam. Bebeu o último gole, jogou algumas moedas no balcão e ambos saíram para a noite.

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteWhere stories live. Discover now