CAPÍTULO 51 - MARTHA E OS ALTARES

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Um Von Plauen desesperado foi recebido pelo bispo na nave principal da igreja do complexo de Balga. O general entrou rápido e afobado. Seus olhos esbugalhados prenunciavam as más notícias. Karvelis ouviu insatisfeito o fracasso do ataque ao Capítulo.

- Não pudemos fazer nada. O exército polonês chegou como uma avalanche. Rápidos e bem organizados, nos superaram em número e estratégia. Ordenei a retirada para evitar maiores baixas! Explicou-se Von Plauen, irritado com a reação do clérigo e consigo mesmo. Pensava no sermão que possivelmente ouviria, se novamente se encontrasse com o irmão mais velho. Heinrich sempre fora impiedoso com o caçula, e após o ingresso na vida militar, seu temperamento irascível beirava ao nefasto.

- Bem general, e agora o que nos resta? Até onde sei, o militar aqui sois vossa mercê! Respondeu Karvelis.

- Precisamos de reforços. O que nos restou do ataque não será o suficiente para proteger a cidade!

- Os reforços estão a caminho! Tornou Karvelis.

- Como disse?

- A carta que enviei junto com o comboio que levou a enfermeira, era um pedido urgente de reforços!

- Oh, graças ao bom Deus, Heinrich não nos abandonará! Suspirou Von Plauen.

- Agora vá, prepare nossas tropas, precisamos resistir o tempo que for possível. Eu darei um jeito de ajudá-los e atrasar o ataque! Disse o bispo dispensando Von Plauen com um gesto.

- Como eminência, me perdoe mas como poderíeis atrasar o ataque de um exército inteiro, ehn.....sentado aqui dentro!

O clérigo fuzilou Von Plauen com olhos de um desprezo pungente. O general não escondeu seu incômodo, mas sustentou o olhar e as palavras.

- Tenho meus meios, vossa mercê sabeis disso!

O soldado engoliu em seco e numa reverência saiu apressado.

Karvelis ficou observando o tolo em seu caminhar silencioso e cabisbaixo em direção a saída. Ele suspeitava que a carta salvadora jamais chegou ao seu destino, mas achou desnecessário dividir a sua suposição. Afinal, tudo o que ele precisava agora era ganhar tempo. Precisava atrair a jovem enfermeira e seu consorte para a cerimônia que planejara. Talvez precisasse somente de um, mas teria os dois para garantir o seu maior objetivo, a vida eterna. Com ela garantida, seguiria seus planos. Desapareceria nos corredores do tempo e ressurgiria em seu devido lugar. Reinando sobre os mortais, num trono de glória e poder.

Levantou-se calmamente e dirigiu-se para a sala atrás do altar principal. Lá a sua valiosa isca continuava amarrada e amordaçada. Os olhos encharcados eram suplicantes, mas para ele nada significavam. Gheller estava ao lado de Martha enquanto ajeitava todos os apetrechos necessários para a cerimônia.

- Tudo pronto Gheller?

- Sim vossa eminência, tudo pronto! Disse ele com um sorriso satisfeito.

- Pois bem, sigamos então para os altares! Disse Karvelis com uma ponta de insatisfação. Teriam que realizar os rituais ainda à luz do dia. Seria penoso para ele, mas tinha de ser feito.

Um coro de monges iniciou a recitação de um cântico melódico e agradável, enquanto Karvelis vestia os costumeiros hábitos ritualísticos. Martha fora colocada nos fundos do altar atrás da enorme mesa de pedra. Observava tudo com os olhos arregalados. Parecia prever o espetáculo tenebroso que lhe seria apresentado.

O bispo iniciou a recitação de um dos trechos do livro cor de sangue. A mulher jamais ouvira uma língua tão estranha. Como o regente daquela sinfonia macabra ele conduzia uma pequena orquestra e um coro de monges mais ao fundo. Eles pareciam mudar a entonação à cada gesto. Gheller então se aproximou do altar vindo de não se sabe onde, trajava os mesmos hábitos dos monges e caminhava cabisbaixo e concentrado. Como que em transe, ajoelhou-se em frente a Karvelis, e juntou-se a ele na recitação. Martha estranhou, pois o homem repetia exatamente as mesmas estrofes sem ter nada para consultar. O chefe do hospital foi então levantando a cabeça e fixou o olhar no sacerdote. Nesse momento tudo silenciou, Karvelis retirou da mesa de pedra um afiado punhal e cortou seu antebraço. Um corte profundo, Martha arregalou ao reparar na cor de seu sangue, era negro como a noite. O líquido quente e pegajoso caiu abundante dentro de um estranho cálice de metal, cravejado de pedras. O corte se fechou, quase no mesmo instante em que o cálice se encheu. Karvelis juntou-o nas mãos e estendeu-o ao médico que bebeu sofregamente.

Algum tempo depois, Gheller atirou-se no chão contorcendo-se. Segurava o ventre como se tivesse sido esfaqueado. O homem gritava desesperado enquanto tentava rasgar as roupas.

- Queima........queima........quei......mahhhhhh!

Caiu desfalecido ao lado da mesa próximo aos monges. Karvelis gesticulou para que eles o levassem para a mesa. Deitaram-no sobre ela e em seguida cada um retirou um punhal das vestes. Cortaram a palma de uma das mãos e deixaram o sangue escorrer para dois outros cálices. Gheller despertou e começou a farejar o sangue como um animal, seguiu até a palma da mão cortada de um dos monges tentando sugar o sangue que ainda escorria, foi esbofeteado violentamente. O homem pareceu sair do transe, abaixou-se humildemente, apanhou um dos cálices e bebeu lentamente. Fez a mesma coisa com o outro. Ao final do último gole, o coro e a orquestra explodiram em uma música animada, mas ao mesmo tempo sombria. Gheller sorria satisfeito enquanto o sangue escorria pelos cantos da boca.

"Seja o que for, acabou!" Pensou Martha aliviada.

A música então sealternou para uma batida compassada, lenta e igualmente tenebrosa. O Bispoelevou a mão aos céus e iniciou uma nova recitação, agora de um livro de capanegra. Gheller se juntou a ele e aos outros, reforçando o hino que se seelevava. E então o inesperado aconteceu. Do centro da estrutura circular depedras, uma névoa começou a brotar. No início era de um cinza suave, mas foificando cada vez mais densa e negra, enquanto seguia para o alto em direção àsnuvens. Martha tremia aterrorizada ante a tantos sortilégios, olhava para o céuatônita, não acreditava no que estava acontecendo com as nuvens. Elas estavamse transformando, ficando negras como a noite. E ela reinou, a noite reinou.

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteOnde histórias criam vida. Descubra agora