CAPÍTULO 24 - ALEK KARVELIS

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O Bispo saíra do último compromisso do dia cansado e ofegante. Mais uma vez a idade cobrava seu preço, e ele não conseguia se conformar com isso. Para piorar, a luz do fim de tarde apesar de suave, era-lhe insuportável, sentia a pele queimar e o suor grudar em cada dobra de seu corpo. Cobriu-se com o capuz do hábito, e seguiu rapidamente para os seus aposentos. Entrou irritado na antessala, e foi para o quarto sem sequer reparar na mesa posta para a ceia do fim de noite. Os diáconos terminaram tudo e saíram apressados, precisavam preparar o convidado.

Karvelis ainda guardava as amargas lembranças do encontro com a enfermeira. A sensação que teve ao tocá-la o abalou profundamente. As forças pareciam ter se esvaído de seu corpo, sugadas sem misericórdia pela maldita mulher. Os braços e pernas trêmulos quase não o sustentaram, precisou da ajuda dos guardas para chegar até os seus aposentos. Mas o mais assustador foi a visão que acompanhou esse lapso de energia. Tentava dissipá-la a todo momento, mas a sensação não mais o abandonou. Sentia raiva de si mesmo ao perceber que a jovem guardava em si, algum tipo de energia que o consumia, tornando-o fraco. Desprezava a ideia de se sentir impotente, e essa sensação o fez afastá-la o mais rápido possível de Balga, e assim que possível iria eliminá-la. Queimá-la. Sim, reduzi-la a cinzas. Sentia não poder fazer isso agora, pois afortunadamente a moça tinha se tornado valiosa demais. Há muito não se sentia assim, detestavelmente encurralado, nem mesmo quando escapara ileso do ataque ao castelo do Príncipe Dragão.

Lembrava como se fosse hoje o desgraçado fim de seu discípulo e protetor, príncipe Vlad Drakul. Homem deliciosamente astuto e sanguinário que adotara o bispo como seu protegido. O monarca tornou-se o seu mecenas do oculto, e assim, ambos buscavam as mesmas coisas, a vida eterna e a destruição de seus inimigos. Não conseguiram, não tiveram o que mais almejavam em toda sua vida, tempo. O exército otomano invadiu o castelo e queimou tudo, inclusive Vlad.

Foi ali que aprendeu a não subestimar inimigos, e isso quase aconteceu. O inimigo agora parecia ser uma mulher, e não o jovem que povoava suas visões. O jovem que escapara ileso na noite de seu retorno e agora movia hostes contra ele e o Todo-Poderoso.

"Ou seriam ambos?" Pensou levando as mãos à cabeça.

Apertou os olhos, as pálpebras ardiam. Suas visões já não tinham a clareza de outrora. Tudo parecia coberto por uma neblina de incertezas. Lavou o rosto na tina e olhou-se no espelho, o homem que viu refletido não lhe agradou nem um pouco. A pele macilenta e enrugada que agora cobria seu rosto chamava muita atenção. Passava aos inimigos e às multidões uma imagem de fraqueza, de fragilidade.

"Jamais me verão fraco, jamais sucumbirei. Eu consumirei o mundo se for preciso!"

A fome de vida agora pedia saciedade, e ela vinha com a noite, em uma urgência incontida. Precisava se alimentar, absorver a força vital da juventude, e hoje seria mais uma dessas noites. Se deleitaria com o néctar vital de um corpo jovem e cheio de vida. Tomaria para ele toda a vitalidade contida em uma alma pura, cheia de esperança no futuro e na vida. Pensando nisso sentou-se próximo ao fogo e sem que pudesse escolher o passado veio assombrá-lo.

Fugira do Castelo de Bran levando aquilo que tinha de mais valioso em toda sua longa vida, seus livros

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Fugira do Castelo de Bran levando aquilo que tinha de mais valioso em toda sua longa vida, seus livros. O acervo era fruto de séculos de estudos, pesquisas e buscas incansáveis em centenas de bibliotecas usurpadas de seus legítimos donos pelas invasões. Após a invasão Otomana à Transilvânia, e o fim do império de Vlad Tepes, o jovem Karvelis escondeu-se sob as asas da Igreja, numa trajetória anônima e cuidadosamente estudada. Escalou pacientemente os degraus de sua hierarquia com a ajuda dos séculos. Todos, absolutamente todos os seus inimigos haviam sido consumidos pelo tempo. As palavras e ações usadas contra ele agora eram poeiras ao vento. Seu próximo degrau? O Papado, o mais alto posto da Igreja. Governaria Roma e todo o mundo cristão como o Todo-Poderoso havia profetizado.

Sentia um arrepio percorrer-lhe a espinha ao lembrar desse fatídico encontro aos pés dos Cárpatos. A caminhada desproposital interrompida pela aparição. A voz de trovão vinda de todos os lugares e de lugar nenhum, que chacoalhou suas entranhas e jogou-o de joelhos ao chão. A boca seca parecia selada para sempre. Não conseguia falar, apenas ouvia, e por fim, a escuridão.

Acordou dias depois em um dos hospitais mantidos pela Ordem dos Cavaleiro Teutônicos. Considerou isso como um sinal, sua escalada seria feita em sintonia com aquele que um dia seria o seu exército particular. Sorria com um prazer nostálgico, relembrando cada um daqueles dias. Fazendo isso, desviou os olhos para os seus tesouros que repousavam sobre a mesa de estudos.

O sagrado Codex Giga, cuja origem lhe era desconhecida, ao seu lado a combinação perfeita, o Enchridion Sancti e a Clavicula Salomonis, transcritos pelos monges do mosteiro de Fagaras. E o mais importante de todos, a Liber Luratus, o livro das sombras do Papa Honório, seu mestre eterno que o ensinara a se esgueirar pelas entranhas da igreja e do poder. Fosse aonde fosse. Seus livros eram sua herança, e neles estavam contidos todos os segredos que agora tão bem aplicava. Da comunicação com o divino e a convocação de suas legiões, a dominação dos elementos e do espírito dos homens escravos da ganância e da fome de poder. E por último a longevidade sobrenatural, o poder de tornar o tempo o seu aliado. A simples lembrança de seu único e verdadeiro mestre Honório de Tebas causou-lhe uma imensa comoção.

"Ó mestre, hei de honrarte. Hei de reverter a força do tempo a meu favor e trazer vossa mercê de volta da escuridão da morte!" Pensou enquanto as lembranças continuavam a assaltá-lo.

Os livros descreviam minuciosamente todos os procedimentos para se atingir a longevidade sobrenatural. Sim longevidade sobrenatural, a tal vida eterna que ouvira falar nas ruelas sombrias de Brasov naquela época, eram mentiras, simples engodos. O passar do tempo era inevitável e suas marcas no corpo humano eram impiedosas e indeléveis. Os seus exaustivos estudos levaram-no apenas a retardar o tempo e não o parar. Mas isso ele só descobrira depois que a Ordem Teutônica abandonara as terras dos Valáquios.

Cento e sessenta anos haviam se passado, e sua aparência e vigor físico praticamente não se alteraram, isso graças ao vigor roubado de outrem. Envelhecia, mas muito lentamente, mas, envelhecia. Seu único objetivo agora era encontrar a tão esperada resposta. Encontrar definitivamente a fonte da juventude eterna, e o tempo estava ao seu lado, ele jamais se daria por vencido. Seus devaneios foram interrompidos por batidas na porta.

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon