CAPÍTULO 50 - DOIS REIS

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Sentia agora o cheiro de sangue e cinzas vindo do chão. Curvado sobre o solo, descansava a cabeça em meus antebraços enquanto tentava recuperar o fôlego e aplacar a dor. Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali. O vazio incurável da perda ainda não havia me invadido, mas sentia que não tardaria a chegar. Só tinha uma certeza, tia Martha tinha pouco tempo de vida. Um tropel vindo da retaguarda me tirou daquele pesadelo de olhos abertos.

- Ei soldado, qual sua graça? Perguntou um capitão à distância, sem se dar ao trabalho de desmontar.

- Rayd, Rayd Kovach! Respondi.

- Sois o ferreiro?

- Sim!

- Venha, nos siga! Tornou o homem em sua armadura reluzente.

- Para onde?

O homem soltou um meio sorriso irônico, e pensou por alguns instantes se deveria responder.

- Sua majestade, o Rei Casemiro IV demanda vossa presença!

Segui com a tropa ao encontro do rei. Conferi uma última vez a ferida causada pela lança, mas agora era somente uma cicatriz sob o rastro de sangue seco. Suspirei aliviado, o corte fora superficial, o que era quase impossível para aquelas lanças. Um vento suave, mas enregelante, e uma neve melancólica varriam o pátio nas primeiras horas daquela manhã. Uma imensa e requintada tenda já se encontrava montada onde antes jaziam os vários corpos de nossos soldados. A presteza e eficiência do exército do rei, eram realmente impressionantes. Caminhei lentamente pela extensa passadeira vermelha e dourada que levava até seu trono. O homem bebericava de uma taça, enquanto trocava algumas palavras com dois outros homens. Reconheci o primeiro-ministro como um deles. General Bazynski, Marielle,os Lagartos, Gudruk, Zatik e os irmãos assim como alguns capitães sobreviventes compunham a audiência. Sua majestade desviou atenção para mim com uma despreocupação irritante.

- Ora ora, eis que nos encontramos novamente jovem Rayd!

Curvei-me respeitoso.

- Vossa majestade, meu coração repleto de gratidão o saúda!

- Nossos futuros aliados aqui, demandam vossa presença nesse nosso pequeno conselho de guerra! Disse em um tom dúbio.

Olhei com estranheza para o general e em seguida para Gudruk. Confuso respondi sem medir o tom.

- Por certo, majestade, mas se me permite, o que há para planejar? Devemos sim partir imediatamente em direção à Balga. Nosso inimigo já deve estar se recompondo, coisa que não podemos permitir!

Mais uma vez o insuportável ar de superioridade e a percepção seletiva do rei desfilaram ante meus olhos. O homem dirigiu-se ao general Bazynski.

- General poderia atualizar o seu valoroso e tão indispensável comandado?

- Erhn.....não haverá ataque à Balga, Rayd! Respondeu o general vacilante.

- Mas..., mas como, quer dizer. Vossa majestade, devemos nos aproveitar da desorganização do exército teutônico causada por vosso providencial ataque surpresa! Declarei sem respirar.

Um de seus conselheiros se aproximou e cochichou algo em seus ouvidos. O sujeito suspirou profundamente revirando os olhos. Olhou para Bazynski e os outros, mas como não viu apoio refletido em nenhum olhar, se viu obrigado a dar alguma resposta.

- Vim até aqui com meu exército com o único propósito de derrubar esse Império e remover definitivamente o espinho de nossas gargantas. As notícias de seus corajosos atos em Vilnius se espalharam como uma doença, causando grande comoção entre a população. Devo confessar que me senti forçado a combater esse grande mal que se instalou entre meus dois reinos. Devemos cortar o mal pela raiz, e a raiz é Malbork, a capital!

Rayd e a lua do caçador Volume 2 - O NecromanteWhere stories live. Discover now