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Aline,

É um alívio sair de lá e poder devolver a Natália sã e salva ao pai. Nunca havia visto o Ramires chorar como chorou ao abraçar sua primogênita. Tive que segurar as lágrimas, assim como todo o resto do pessoal. Em seguida, depois de abraçar e apertar muito a Naty, ele vem até mim, secando o rosto com um sorriso feliz, e me abraça muito apertado, dando em seguida um beijo na minha boca- um selinho bem demorado, como se estivesse sentindo saudades.

Eu me esforço para parecer animada, mas a realidade é que ter deixado aquele último recado pro Hudson, foi pesado, muito pesado. Tenho certeza que assim como eu, aquela mensagem teve um efeito forte nele e não sei bem qual era minha intenção naquele momento. Joguei suas roupas no cesto e vesti as minhas já quase secas. Quando bateram na porta, pedi que a Naty fosse indo na frente e corri até o espelhinho do banheiro, onde tinha visto o batom nude.

Bem rápido, escrevi no espelho do guarda-roupas as palavras que a muito tempo não escrevia, e que por tanto tempo foram tão significativas para nós. Acho que bem no fundo, queria lembrar a ele do que vivemos, queria que ele sentisse o que sinto, ao pensar no passado todos os dias. A cena no postinho, de quando ele levou um tiro de raspão e eu cortei meu dedo para juntar nossos sangues, ficou passando na minha mente enquanto eu voltava o batom pro lugar. Ao sair do quarto, a mudança de temperatura e o contraste do ambiente gelado, devido ao ar condicionado, com o mormaço do lado de fora, me deram um tipo de choque, e enquanto eu seguia até a Naty, que estava falando com o tal Farinha na porta, me toquei do quão ridícula eu fui em escrever aquela mensagem.

Dei uma olhada pra Naty, repreendendo por ela estar de papo furado com o tal carinha e ela ficou vermelha, entregando meu celular sem graça. Pôs o cabelo atrás da orelha, antes de dizer:

-Vim pegar seu celular.

Eu sabia que era mentira, sabia que ela sequer tinha noção de que meu celular estava com ele porque estava dormindo quando ele tomou de mim. Mas quem sou eu pra jugar alguém? Olha o nível de doença e de dependência que eu tinha do Hudson! Eu fui capaz de cortar meu dedo feito uma louca, para demonstrar que eu estava tão ligada a ele que se ele morresse, eu seria capaz de morrer também. E obviamente eu não me mataria, porque naquela época eu era bem mais ligada a Deus e sabia que era pecado; eu era temente. Mas eu acreditava cegamente que se ele morresse eu iria definhar de tristeza, e aquilo causaria certamente a minha morte. Mas não morri. Quando ele supostamente morreu, continuei viva; talvez pela força do ódio que habitava em mim, pela vontade de destruir toda e qualquer pessoa ligada ao tráfico. Não queria deixar a morte dele impune, isso jamais! Então deicidi vencer meu estado físico de deterioração, e segui.

Com certeza posso seguir agora também.

Apesar de no fundo querer ele, mesmo sabendo que é algo errado e impossível devido a minha profissão, as palavras que ele me falou ontem, doeram; cortaram a minha alma.

O que eu esperava? Que após tudo que fiz ele simplesmente me perdoasse? Tive sorte de sair viva.

Enquanto Ramires me aperta e me abraça mais e mais forte, observo o olhar amigável do Osvaldo que se aproxima com cautela, não querendo atrapalhar.

Como uma boa desculpa para me soltar do afeto exagerado do Ramires, que as vezes me sufoca, digo:

-Quero matar vocês, Osvaldo! -Faço uma cara de brava, mas ao mesmo tempo querendo rir. Ramires se toca e desgruda, deixando o Osvaldo se aproximar e me abraçar também.

Bato nas costas dele e ele esfrega os dedos no meu cabelo, fazendo um carinho, enquanto o repreendo pelo vacilo.

-Eu não ia deixar você correndo risco, porra! -Ele se afasta, segurando meu ombro. Osvaldo sempre foi um pai pra mim; as vezes seu comportamento me lembra do meu pai.

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now