28° Ironias...

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Aline,

Deito a cabeça da Naty no meu ombro e, enquanto faço carinho no cabelo dela, penso em pegar meu celular e mandar uma mensagem pro Ramires, dizendo pra ele recuar, porque não quero passar a noite nessa casa.

Assim que tiro o aparelho do bolso, ouço um assovio e o rapaz que está parado na porta, faz um não com a cabeça. Ele caminha em minha direção, movendo o indicador para lá e para cá, reforçando que não posso mexer no celular.

-Nada disso, dona. Sem celular, dá aqui...-Ele estende sua mão, me intimando a entregar pra ele.

-Qual é? Não vou fazer nada de mais...-Tento protestar.

-Bora, pô! Tô com paciência, não, papo reto! -Ele fecha a cara e me vejo obrigada a entregar a ele o aparelho, que ele guarda no bolso de sua bermuda.

-Depois quero meu celular de volta, hem...-Reclamo, enquanto ele caminha até a porta, para tomar seu posto novamente.

-Brinca muito, tu...sabe nem se vai sair viva. -Ele da risada.

Resolvo ficar calada para não brigar com esse imbecil. O garoto não deve ter nem 21 anos e já está perdido nessa vida. Esse são os que mais gostam de se pagar pra cima de polícia, ainda mais se for policial feminina. Eles adoram dar cantadinhas, se pagarem de garanhão, até tomar uma gravata ou um safanão na orelha, e aprender a respeitar a autoridade. Acho que se eu não voltar a trabalhar o quanto antes, vou enlouquecer...Amo meu trabalho, nasci pra isso. Saudade de botar minha farda, minha arma...

Quando o tal Adriano volta com uma jarra de água e dois copos, nos entrega e enche.

-Obrigada, pode ligar a tv, por favor? - Natália pede, assim que lhe devolve o copo.

-Porra, folgadona tu em, novinha...Deixa o copo no canto ai do chão, pô! O controle tá ai do teu lado, faz teu corre! -Ele deixa a jarra em uma mesinha branca de canto que tem encostada na parede, e sai bolado para perto do Farinha. Os dois ficam conversando e daqui de onde estamos quase não escutamos o que falam, porque a sala é enorme.

-Nossa...eu só pedi...- Natália fica sem entender, erguendo os ombros, assutada com a grosseria. Acabo rindo e isso faz ela se tranquilizar e rir também.

-Se acostuma, eles são assim. -Termino de virar o último gole de água e me levanto para deixar meu copo na mesinha ao lado da jarra.

-Você acha que vamos ficar muito tempo aqui? -Ela pergunta, franzindo a testa.

-Acredito que se o seu pai for esperto, não. -Me jogo novamente no sofá.

-Ah, ele é esperto, não é? -Seu tom é brincalhão e eu enfio os dedos na franja, jogando todo o cabelo para trás e arqueando as sobrancelhas.

-É...quando ele quer né, Naty?! Hoje ele foi bem burro, estavamos quase fora do morro já. -Sinto meu rosto esquentar de raiva só em lembrar disso.

-Ele não confia em bandidos, sempre me fala isso. Acredito que ele não confiou que iriam nos soltar. Por ele, todos esses bandidos já estariam mortos. -Ela fala normalmente, mas sinto certo receio em seu tom. Talvez, não seja algo que ela aprove, mas como o pai vive dizendo isso, ela acabou aprendendo que deve ser o correto.

-Seu pai é...seu pai! -Sorrio, tentando não pesar ainda mais o clima. Se teremos que esperar, que esperemos da melhor maneira, até porque não estão nos tratando mal.

-Liga a tv, ai! -Peço e ela procura o controle ao seu lado. Evitamos de deixar nos canais de notícias ou coisa do tipo e opitamos pôr em um filme que se chama "O quarto de Jack" e está passando na HBO.

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now