23° Mágoas do passado...

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Aline,
(tempos atuais...)

Não sei bem onde por as mãos, ele está correndo muito, o vento faz meus cabelos voarem. O silêncio é pertubador, apesar do barulho alto do escape nos meus ouvidos. Sei que temos muito para conversar, mas no momento nenhum dos dois é capaz de falar muita coisa. Os olhos dele se encontraram com os meus pelo reflexo do retrovisor, mas ele logo trata de voltar a olhar pra frente.

Tomei um susto enorme quando vi ele aqui, eu jamais imaginei que ele estivesse envolvido no sequestro da Natália e, mesmo com a preocupação que estou sentindo, uma outra confusão de sentimentos está me dominando desde que o vi. Ramires queria tomar medidas drásticas, mas eu sabia que poderiamos resolver isso de outras maneiras, me ofereci para vir com ele e subir o morro para negociar. Ele não queria, insistiu que não iria me deixar subir, que não me colocaria em risco, mas sou teimosa e ele não teve muito o que fazer.

Sabia que o Baiano era o dono por aqui, ele pode não se lembrar de mim, mas eu me lembro dele. Quando eu morava aqui ele ainda era pequeno, era um gerente geral qualquer, depois foi crescendo. Imaginei que por eu conhecer muita gente na favela isso poderia ajudar, mas se eu soubesse que daria de cara com Marreco, jamais teria vindo. No entando, já estando aqui, resolvi chamar ele para conversar, temos muita coisa pra falar um com o outro.

Quase tive um treco de nervoso quando vi de quem se tratava, não esperava que ele estaria se escondendo justo aqui. Justo onde tudo começou.

Passar com ele de moto, por esses becos e vielas tão familiares, me trás muitas recordações, muitos sentimentos. Minhas pernas estão bambas, a mão trêmula. Ele topou mesmo falar comigo? Achei que iria me ignorar.

Sinceramente, não sei indentificar o que estou sentindo de verdade. Ao mesmo tempo que estou feliz de estar vendo ele novamente, sentindo o perfume dele que o vento está trazendo até meu nariz, também estou nervosa, preocupada. Não sei o que esperar. Aonde ele está me levando?

Enquanto tento entender tudo que está acontecendo, meus sentimentos, a sensação de ver ele novamente depois de tanto tempo, depois de tudo, exatamente aqui onde fomos criados e onde vivemos momentos incríveis, tento também me lembrar do motivo que me trouxe. Onde está a Natália? Será que está bem?

Sinto meu celular vibrar no bolso da calça e sei que provavelmente é o Ramires, mas não tem a mínima condição de eu atender ele agora. Sei que está agoniado por causa da filha, mas vai ter que esperar um pouco. Eu também estou agoniada.

Paramos em frente a uma casa de dois andares na rua 9. Conheço essa rua. Desço primeiro, tentando não segurar muito nele e, enquanto ele desliga a moto e baixa o pesinho, enfio os dedos nos cabelos, tentando dar uma ajeitada. Ou quem sabe, tentando não desmaiar. É exatamente essa sensação que tenho, de que vou desmaiar a qualquer minuto. Porra...Que impacto!

Ele me lança uma olhada que me arrepia, guardando a chave no bolso. Pega um controle e abre o portão enorme da casa. Sem dizer absolutamente nada, ele vai entrando e eu deduzo que devo segui-lo, apesar de estar com as pernas moles. Entramos na varanda e ele fecha o portão, apertando novamente o botão no controle. Começa a subir os degraus de uma escada ao lado da casa e vou atrás, lógico.

A casa é muito bonita, pelo que posso espiar através das janelas de vidro ao lado da escada, que dão pra ver tudo do lado de dentro. Pela foto enorme em um quadro pendurado na parede de uma sala gigante, a casa é daquela morena que estava ao lado do Marreco. A foto exagerada não deixa dúvidas. Ela é muito bonita e vi como ficou olhando pro Marreco ao ver que nos conheciamos; e pelo que conheço do Marreco, devem estar se pegando. Por que isso me incomoda mais do que deveria? Ramires tem razão, estou parecendo uma adolescente de 15 anos. E na verdade, é assim que me sinto na presença dele.

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Där berättelser lever. Upptäck nu