12° Tá difícil esquecer...

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Marreco,

Me olho no espelho, e por milésimo de segundo meu reflexo me engana. Pareço o mesmo, mas não sou. Faltam minhas joias, minhas placas nos dentes, minha ousadia. Falta o tesão pela vida que eu perdi nesses últimos meses!

Hoje sou mais um morto-vivo. No momento, só um pouco mais trajado.

De algum modo somente essa ilusão já aplica no meu entusiasmo. Consigo até me achar bonitão de novo... Visão? Nunca fui realmente bonito, sempre tive ótimo gosto e muito dinheiro, muita postura, malicia. Isso chama mulher, te deixa mais atraente.

Olhando pra mim assim, vestido com uma roupa legal, cabelo na régua, até arrisco dizer que me aproximo de quem eu já fui um dia.

Vagabundo quando tem de um a tudo, quando é acostumado a ser o cara; respeitado, temido, tem autoridade, consegue o que quer e esbanja prosperidade, se apega aquilo. Ao se ver sem nada, na merda, é difícil se adaptar. Me olhar nessa fossa da a impressão de que foi tudo ilusório, passageiro e de que nada valeu a pena. Um sentimento de puro fracasso.

Por outro lado, minha essência não muda. Mesmo em queda livre a marra é a mesma, não perdi a majestade. A postura continua inabalável.

Nasci pra comandar, pra ser rei, ser servido e não servir. Não vou desistir até ganhar novamente!

Enquanto eu era individualista, pérfido, cuzão, como me apontavam, sempre me dei bem, só extraia vantagens de qualquer relação. Bancar o altruísta só me atrasou. O bagulho é perseguir o que tu almeja a qualquer custo, sem olhar pro lado, sem arregar, sem peso na consciência. E, principalmente, sem deixar nenhuma emoção dominar seu jogo.

Ainda não levei xeque-mate, só perdi alguns cavalos, minha rainha está intacta. Bora movimentar esse tabuleiro!

Mandei trazer umas peças para mim. Gostei da calça jeans, da camiseta preta da Ralph Lauren, do tênis da Nike. Mas o que mais curti foi o relógio. É um Rolex, lindo, caro.

Tenho sempre o melhor, de um jeito ou de outro. Se eu não puder comprar, tomo de quem pode. Esse sou eu. Bandido, ladrão, assassino, traficante.

Me encaro pelo espelho. Cumprimento o Marreco que vejo. Ele arruma a gola da camisa, sacode o relógio roubado no pulso, sente o cheiro do perfume caro que está usando e me olha de volta com a cabeça erguida.

Ele diz para o Hudson que não aceita menos do que merece.

O Hudinho lá de trás não aceitava também.

Hudson, Hudinho, Marreco... nós três nos saudamos, mesclados. O moleque de óculos de grau, o traficante magricela e o patrão com seus dentes de ouro.

Me fragmento em três, diante dos meus olhos. Passado. Presente. Futuro.

Nasci enjoado, buscando muito mais do que a vida me deu. Por que me contentar com pouco?

Prata? Não, eu gosto de ouro.

Réplica? Não, eu mereço e vou ter o original.

Perfume dos mais caros? Carro do ano? Moto zera? O que eu preciso fazer para conseguir?

Eu ia la e fazia!

Qual a mulher mais gostosa e desejada da noite? Era ela quem eu arrastava e que sentava pra mim!

Qual o melhor whisky? Faz um corre aqui, outro ali, mete um assalto.

É desse que eu vou beber!

Por isso nunca sai do crime, me costumei a vida de patrão.
Gosto de chegar no baile e geral abrir passagem, de ser notado. Os manos sentindo inveja, as minas me disputando. Essa vida foi feita para mim, e eu para ela.

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now