17° Respostas...

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— Como assim não concordou? Para né, mãe?! — Jogo a cabeça para o lado com um sorriso falso. — Cara, olha o que vocês fizeram, mãe! Me transformei em outra pessoa por causa disso. Sofri tanto, tanto... e vocês cagaram! — Tento não gritar, mas quando vejo minha voz já está elevada. Ela me olha irada.

— Não grita! — diz entre dentes. Ela odeia que grite, odeia que as pessoas ouçam. Sempre foi assim. Ela sempre se preocupou muito com a opinião alheia.

— Não quero gritar, mas a raiva que estou sentindo é muito forte! Dói saber que fui enganada a vida toda, sabia? — Não gosto de chorar, não suporto demonstrar fraqueza. Não deixo isso acontecer.

— Por que tocou nesse assunto agora? Pra quê?

— Porque não queria acreditar que era real! Sabia que quando eu falasse com você descobriria que realmente é verdade. Enquanto eu tentava me enganar, estava conseguindo camuflar a mágoa e a raiva. Mas agora, que sei que você ajudou meu pai a fazer essa sacanagem com sua própria filha...

— Eu não sabia, Aline! Seu pai mentiu para mim também. — altera o tom, e, depois, olha em volta com vergonha.

— Uma adolescente boba e inocente cair nessa é fácil, mas uma mulher adulta? Admite que sabia, que é mais bonito, mãe!

— Seu pai me disse que ele morreu. Não cheguei a conversar com ninguém, nenhum vizinho, para saber se era verdade. Você se lembra, foi tudo muito rápido. Quando me dei conta, já estávamos no ônibus...

Meus olhos encontram os dela, então percebo que está sendo sincera. Mas se ela não sabia, por que não está surpresa agora?

Como se ouvisse o que pensei, ela continua:

— Fui descobrir ser mentira dele quando já estávamos no Paraná. Tínhamos uma vida no PPG, eu era obreira da igreja, tinham irmãs que eu amava. Eu não queria ter largado tudo para trás assim. Mas você conhecia bem seu pai. Quando ele metia algo na cabeça... Ele ficou revoltado quando soube que você estava envolvida com o Hudinho. Todos na favela sabiam que ele estava roubando, envolvido no tráfico. Todos sabiam que ele desde muito novo já era perigoso!

— MENTIRA! Ele era do bem, me amava! Eu poderia ter ajudado ele, evitado que ele... — Me interrompo.

Ela não sabe que ele virou o dono da Rocinha e é o bandido que quase me deixou aleijada. Seco as lágrimas que ousaram quebrar minha fachada forte. 

— Não sei que rumo ele tomou, mas coisa boa não é! Aquele garoto já nasceu com coisa ruim no corpo, Aline! —  faz o nome do pai. — O garoto era o diabo em pessoa desde novinho. A avó dele vivia reclamando que ele batia nas crianças, fazia maldades, era cruel… As vezes foi até bom...

— Bom?! — Agora sim, eu gritei. Até o atendente, que estava distraído, olha em nossa direção. Encaro ele furiosa, e ele logo volta a se entreter com o que estava fazendo.

— Foi bom para vocês, para nós não! A senhora por acaso sabe o que é viver com um sentimento no peito a vida inteira? Amar alguém a vida inteira, acreditando que esse alguém está morto e depois descobrir que está vivo?

Ela me olha com remorso.

— Como você descobriu? — pergunta.

— Não importa! — Por que esperei até agora para conversar sobre isso? Justo quando ela está indo embora e não sei quando vou voltar a vê-la? Eu deveria estar me despedindo com alegria, não brigando.

— Eu não podia contar a verdade, filha... —  leva a mão na minha por sobre a mesa, e acaricia. Seus tom é o de uma mãe amorosa e preocupada. — A Isabel, aquela nossa vizinha, me contou quando liguei para ela, que não tinha nada disso, que o rapaz estava vivo. Mas como eu ia chegar para você e dizer isso? Não poderia ir contra seu pai, isso está nas leis de Deus.

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now