19° Sequestrada...

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Me toco do que falei, e não sei o que fazer agora. Não posso contar a verdade ao Ramires sobre nosso passado. Meu e do Marreco.

— Não... — Ele bota uma mão na cintura e a outra na testa, em negação. — Não é possível que você esteja agindo assim... parecendo ter quinze anos. — Continua negando, fixando o olhar desligado no chão. Um sorriso de incredulidade aparece em seus lábios.

— Você pelo menos está se ouvindo? Ficou alguns meses naquele morro, transou com ele quantas vezes? Duas? E está acreditando que conhece um vagabundo que come, sei lá… dez mulheres por dia? Tu acha que foi a xereca de ouro? Que o cara gamou em você? — Me sinto aliviada por ele não ter se atentado ao que eu disse. Mas, de certa forma, suas palavras me machucam.

Querendo ou não é um tapa na minha cara. Marreco não deve sentir por mim o mesmo que sinto por ele. Muitos anos se passaram, muita coisa rolou. Não é porque ele me salvou, que sente algo. Fez por consideração ao nosso passado. Deixou claro que qualquer sentimento morreu quando descobriu o que eu era e o porque estava lá.

— Esses meliantes não estão nem ai para mulher! O que ele quer é dinheiro, recuperar o comando da Rocinha! Ele nem lembra que você existe! Caramba... sou maluco por você, Aline! — volta a se aproximar e leva uma mão no meu rosto, fazendo um carinho. — Quero ficar contigo. Mas desse jeito está foda...

Afasta a mão, e eu abaixo a cabeça.

— Você está deixando se levar... se perdendo nesse caminho ai! Não quero ser tábua de salvação de ninguém. Se tu quiser tentar comigo, beleza. Mas, desse jeito, não rola.

Permaneço escutando calada enquanto ele lava minha cara. Quando ele já ia saindo, chamo:

— Espera! — Ele se volta para mim. Vejo a decepção em seus olhos. — Você tem razão... — Enterro os dedos nos meus cabelos da testa, respirando fundo. — Estou parecendo criança... Quero esquecer tudo isso. Juro que quero! — Olho desesperada para ele, como se implorasse ajuda.

— Não parece, Aline... Você não se ajuda. — Ele vai até o balcão e debruça os cotovelos sobre ele. Vira a cabeça de lado e me encara. — Você me deixa pirado, a verdade é essa! Quando penso que estou te conquistando, você escorre tipo areia pelos meus dedos...

Mas também, por que você tinha que vir até aqui usando esse perfume?, penso.

Ao invés de dizer isso em voz alta, e arrumar mais motivos para brigas, caminho até ele e o abraço por trás. Sinto que preciso do Ramires. Ele me traz força, de alguma forma.

Aperto meus braços ao seu redor. Ele não diz nada, não se move. Encosto a testa em suas costas e resmungo:

— Quero esquecer... preciso esquecer. Não desiste de mim, por favor... — Imploro, porque é verdade. Então ele se vira, me envolvendo em um abraço cuidadoso e cheio de carinho.

Estou cansada de viver nesse dilema, nessa solidão. Quero me sentir cuidada, protegida... Ramires faz eu me sentir assim, e não dou valor a isso. Não dou valor a quem realmente gosta de mim.

Ele tem razão, depois que reencontrei o Hudinho mudei muito. Minha cabeça está bagunçada. Preciso voltar a ser eu - a boa e velha agente Aline.

Ramires disse verdades indiscutíveis. Marreco não sente nada, não significo nada. E mesmo se ele sentisse, não seria possível ficarmos juntos. Isso é algo fora de cogitação. Preciso botar na minha cabeça de uma vez por todas e esquecê-lo.

— Aceito namorar você. — declaro, ainda grudada nele.

Ele me afasta, me segura pelos ombros e me olha nos olhos. Parece confuso.

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora