21° Várias cenas... (Degustação)

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Marreco,

Do lado de fora, as luzes alaranjadas dos postes iluminam as caras dos manos, geral tenso. Galego dá a ordem pro Bico buscar a tal mina de moto e esperamos ela chegar. Baiano acende o balão e me passa.

-Quem será? Nenhum policial seria doido de subir o morro... -Yanka cochicha pra mim, como se fosse um segredo.

-Tem doido pra tudo. -Afundo meu boné e, enquanto solto a fumaça, abaixo a cabeça.

Coisa de uns cinco minutos se passam e  o Bico retorna com uma mina na garupa. A moto para em nossa frente e eu tomo um choque ao ver quem é. Como se tudo estivesse em câmera lenta, a mesma luz laranja me permite exergar nitidamente o rosto da Aline e quase não acredito no que estou vendo. Ela também esbugalha os olhos quando me vê. Geral permanece mudo, ninguém além da minha tropa sabe quem é ela.

Paralisado, sustento os olhos verdes e surpresos dela. Minha boca seca, o coração parece que vai pular pra fora do peito. Uma sensação muito louca, como se meu sangue estivesse esfriado na veia.

Engulo o ar e, mais uma vez, olho pra baixo. Meio que não consigo ver ela por muito tempo, sei lá, maluquice. Com mais uma puxada forte no baseado, falo baixo:

-Desce ae!

Se passam mil questões na minha mente. Por que ela está aqui? O que ela tem a ver com essa porra?

Ver ela depois de todo esse tempo...caralho!

Ao contrário do que pensei que eu fosse sentir, no caso raiva, estou em uma mistura de nervosismo e ansiedade, uma parada que normalmente nunca sinto. Quanse nunca fico ansioso. O coração é filho da puta e te trai, o que eu deveria sentir é ódio, mas parece que ela é a única pessoa de quem não consigo sentir.

-Tu veio falar sobre a garota, certo? -Baiano inicia a conversa, e eu me esforço pra levantar as vistas. 

Aline está com as mãos juntas em frente ao corpo, em posição de defesa. Se eu ainda a conheço como conhecia, isso é indício de que está aflita. Seus cabelos estão soltos, ela não usa nenhuma maquiagem, veste uma calça jeans clara e um body preto de alcinha, ( acho que é body o nome desse bagulho) e tênis. Ela é muito gata... Querendo ou não, ter ela na minha frente sabendo quem ela realmente é, me balança, não tem jeito. Ela também está abalada com minha presença, acho que não sabia que eu estaria aqui.

Ela me encarava, mas se atenta ao Baiano. Agitada, responde que sim.

-E o que tu é dela? -Yanka faz a pergunta de um milhão de dólares. É o que eu quero saber também.

-Ela é filha do meu... meu amigo. -A voz da Aline vacila.

Nunca vi a agente Aline assim, tão nervosa. Filha da puta! Desgraçada! Agora entendi, a garota deve ser filha daquele viado do caralho, namorado dela.

Me dou conta de que meu punho está cerrado, apertando meus dedos de ódio. Nem mesmo assim consigo parar de olhar pra ela nenhum segundo. É uma mistura de vários bagulhos ao mesmo tempo.

Sugo a fumaça do back com ira, mas apagou. Então, pego o isqueiro no bolso e levo a outra mão na frente da chama pra tampar o vento e acender.

-Marreco...-Ela pronuncia meu nome contidamente. Permaneço olhando pra chama. Primeiro guardo o isqueiro com calma e fumo, antes de lhe dirigir meu olhar.

Porra, demorei tanto pra encontrar essa mina e quando encontro...

-Podemos conversar? -Ela pergunta com mansidão.

Quer conversar o que comigo, porra?

A Yanka olha pra mim com uma ruga de indagação na testa, esperando minha resposta, mas não consigo falar. O destino é um belo de um pé no meu ovo. Por que trouxe ela até aqui?

- Vocês se conhecem? -Yanka preenche o silêncio. Minha rapaziada está tensa, eles sabem tudo que rolou, me conhecem e devem estar esperando o pior. Devem achar que vou matar ela. Quem dera se eu conseguisse...

-Marreco, eu preciso...-Aline volta a dizer, dando um passo a frente, e eu estendo a mão para que ela não dê mais nenhum passo. Ela fica onde está e eu olho pra Yanka. Geral olha pra mim.

-Vocês se conhecem? -A Yanka repete, sem afastar seus olhos dos meus, seu tom entrega seu desagrado.

Respondo com a cabeça, sua feição passa a ser de espanto e ela olha pra Aline novamente, como se tivesse se dado conta de algo. 

-Você pode falar o que deseja na nossa frente, gata. Meu pai é o dono aqui, pode dar teu papo! -Visivelmente irritada, Yanka ordena com autoridade.

-Pois bem! Eu sou agente Aline da Polícia Civil, vim até aqui fazer um acordo com vocês. Se vocês deixarem eu levar a garota, não iremos invadir e vai ficar tudo em paz. -Aline incorpora a policial fodona de novo. Odeio quando ela age assim, gosto quando ela me lembra a minha antiga Aline; essa policial vacilona é outra pessoa.

Os seguranças do Baiano entram em alerta no mesmo instante.

-Pô, tu é verme, caralho? -Baiano se exalta. -Marreco, que porra é essa, irmão? -Ele abre os braços, me pedindo explicação. Eu conheço a mina, ela é policia, é bem confuso para quem não conhece a história completa.

A Aline responde por mim.

-Sou policial afastada, estou a paisana. Só vim negociar o resgate da menina. -Ela abre suas mãos no ar, mostrando que veio em paz.

Me viro pro Baiano, tirando o back da boca.

-Vou levar um papo com a mina e resolver isso, jaé?

Mesmo sabendo que não é uma boa ideia eu digo, e Baiano não se agrada.

-O papo já está dado, não tem muito o que falar. Quem garante pra nois que quando tu levar a garota os teus parceiros, aquele bando de pau no cú, não vão invadir mesmo assim? -Baiano tira os olhos de mim e os direciona pra Aline.

-Vocês vão ter que confiar em mim! -Ela não dá o braço a torcer. Não é do tipo que se deixa intimidar.

-Esse é problema, não confiamos em vocês! -Yanka se intromete.

Decido acabar com isso logo.

-Eu vou levar um papo com ela e resolver isso!

Tento caminhar em direção a Aline, mas a Yanka segura na barra da minha blusa, me fazendo parar. Ficando em minha frente e de costas pra Aline, ela sussurra só pra eu ouvir:

-É ela, não é? A policial que você salvou? -Seus olhos contêm curiosidade e também certo desapontamento.

Não respondo. Ela vê a resposta que não a agrada na mina cara, largando minha blusa e se distanciando entristecida.

Peço a chave da moto do Bico e ele a joga pra mim. Dou partida e mando a Aline subir.

Pelo caminho, nenhum de nós dois abre a boca. Ela se segura na minha camiseta para não cair e, pelo reflexo do retrovisor, nossos olhares se cruzam. Caralho, a boca dela é linda, ela é toda linda, não consigo explicar a sensação que é saber que depois de quinze malditos anos, estou carregando ela por esses becos novamente, onde tudo começou e onde ela andou comigo de moto várias vezes. É forte. Toda aquela raiva que eu sentia diminui só em ter ela assim, tão perto.

Relembro o passado, várias cenas..

Love na Rocinha( DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now