capítulo 20

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(Lena)


Os dias se passaram, mas a tempestade permaneceu impetuosa e firme, Kara e eu criamos uma rotina.
Foi acontecendo naturalmente, assim como os meus sentimentos por ela, Eu estava  cansada de esconder a verdade para mim mesma e me permiti, aos poucos, vivenciar aquelas novas sensações.

Infelizmente, com o passar dos dias, também aumentaram minhas fraquezas. Era o período do ano no qual os meus pesadelos me consumiam. Eu odiava ficar tão instável e vulnerável diante dos olhos de outras pessoas,principalmente diante dos doces e inocentes olhos de Kara. E não importava o quanto eu tentasse ser forte por ela, eu já estava no meu limite e meu corpo começara a me denunciar. Aconteceu primeiro na quarta-feira.. Quando a sexta chegou eu já havia perdido o apetite, a letargia me dominou bem como o frio e os tremores. 

No domingo — véspera de Natal — o melódico som dos risos de Kara, sua voz suave e sua constante e calorosa presença eram a razão de eu não ter me afundado. Kara era o meu colete salva vidas, mantinha-me na superfície o suficiente para eu respirar sem medo de me afogar.

— Boa tarde! — cantou de costas enquanto se ocupava em preparar algo na cozinha. Ela era um contraste e tanto com sua energia. A animação irradiava de seus poros ao passo que eu mal encontrei forças nesta manhã para levantar da cama.

Vê-la ali daquela forma, alheia aos meus problemas e se deleitando em fazer algo de bom nesse dia que obviamente era importante para ela, fez o meu coração perder um compasso e minhas pernas vacilarem. Naquele instante eu almejei ser alguém melhor, desejei uma história diferente só para poder nutrir do mesmo entusiasmo e me juntar a ela.

— O que está fazendo? — murmurei esfregando o rosto cansada, Eu tentei não soar indelicada, mas como sempre falhei em ser um ser humano.

Kara finalmente levantou o rosto e me examinou hesitante, seus braços pararam de se mover e a mão largou a colher dentro da panela.

— Preparando algo para a ceia... — Abaixou a cabeça para esconder as faces coradas e limpou a garganta 

— Você comentou sobre não comemorar o Natal, mas pensei que talvez eu pudesse fazer algo simples. Espero que não se importe. Eu não sou tão boa na cozinha como a Marta, mas consigo fazer algo comível...

— Eu não gosto dessa data, mas o cheiro está delicioso e alguma hora eu terei de comer, então... — Apontei em direção ao fogão 

— gostaria de saber o que está fazendo. Seus ombros relaxaram ao perceber que a minha pergunta anterior era literal e não algum tipo de reprimenda por estar preparando algo para o Natal.

— Bem, como você não tem um peru, e nem bacalhau eu estou fazendo o possível dentro das opções que temos. — Levantou a tampa de uma das panelas e inspirou fundo com um pequeno sorriso 

— Arroz colorido,salpicão,farofa, rocambole de carne moída e para sobremesa pudim de leite!

Minha boca se encheu de água e pela primeira vez em anos fiquei ansiosa para desfrutar de algo relacionado a esse dia. Meu estômago finalmente deu sinal de vida e percebi não ter comido o dia inteiro, nem um maldito café da manhã com exceção a um copo de café.

— Só me faça um favor, não arrume a mesa. Vamos comer aqui mesmo no balcão como sempre. Daquela forma seria mais fácil de aguentar, sem muitas semelhanças,sem lembranças.

— Oh, é claro. Como quiser, Lena. — sussurrou mordendo o lábio ao terminar de falar e se virou, atarefando-se com os preparos. O modo como ela me respondeu, toda profissional, não soou bem em meus ouvidos.

T h e  B e a s tWhere stories live. Discover now