Capítulo 75

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Acabei de limpar o corpo com a toalha e atirei-a para cima da cama, deixando-a repousar timidamente. Caminhei, com o corpo nu, até ao armário e abri-o, em busca de roupa interior. A manhã estava fria e pesada, o novueiro impedia a paisagem de surgir no campo de visão, a partir da janela. As ruas estavam cobertas de neve e não existiam vestígios de sol, a não ser a claridade do dia. Sentia-me cansada, só pelo facto de não ter dormido bem, só pelo facto de que a minha mente parecia um oceano revoltado, repleto de fúria e emoções inconstantes. A cada dormida, um pesadelo e sempre que acordava, lembrava-me do inferno.

“Evelyn, nós preci-“ A voz grave de Liam surgiu quando este entrou repentinamente pelo quarto. Gritei, assustando-me com a sua atitude despreocupada e puxei a porta de madeira, de forma a tapar-me. “Ai desculpa.” Pediu, levando as mãos à cara. Grunhi, sentindo a pele arrepiar-se devido ao frio que piorava a situação.

“Podias ter batido à porta.” Resmunguei enquanto afastava a madeira, abrindo as gavetas à procura dos trajes que me cobririam o corpo desprovido.

“Desculpa é só que, estamos a ficar sem tempo.” Depois de selar o soutien, vi a sombra ser criada atrás de mim e depressa me voltei, assustada.

“Liam…” Murmurei ao encarar-lhe os olhos castanhos escuros, dilatados e presos em mim. Dei um pequeno passo para trás, mas parecia que o meu próprio corpo se queria dirigir em frente, para ele.

“Tu sabes onde ele está não sabes?” O moreno agarrou o meu pulso e puxou-me para si. “Não fujas, sabes que não é nada que eu já não tenha visto.” Afastou a minha mão esquerda, que mantinha uma posição defensiva, tentando tapar o pouco que conseguia do meu corpo. Acabei por desistir e deixei-me levar, sentindo as suas mãos pousarem na minha cintura.

“Eu não sei de nada.” Admiti-lhe, sentindo a voz fugir-me aos poucos. Não queria falar sobre Harry, tenho andado a afastá-lo da minha cabeça o máximo que conseguia, não queria começar a despontar memórias agora.

O calendário marcava cinco de Janeiro. Há cinco dias que prometi a mim própria não invocar recordação alguma que me ligasse a ele. Mas era uma missão impossível, cada objeto, situação, cada ínfimo pormenor do dia a dia parecia ter-lhe uma ligação, um momento vivido ao seu lado. Cada detalhe do meu quotidiano parecia querer voltar a contar-me uma pequena história sobre ele.

“Sabes que estamos a fazer isto para o teu bem, não sabes?” O meu corpo foi colado no seu e a mão direita subiu até ao meu queixo, enquanto a outra deslizou para o fundo das minhas costas. Assenti levemente e engoli em seco com a intimidade que eu nem dera conta de chegar. Sentia o conflito no meu interior rebelar-se de repente. A luta entre o que deveria ou não fazer estava a tomar conta da minha consciência e, por momentos, perdi-me no tempo e no espaço, perguntando-me o que estava na verdade a acontecer.

Como é que o tempo passa desta forma? Há uns meses atrás deixar-me-ia cair nos seus braços e jogar-nos-íamos naquela cama sem pensar duas vezes. Mas agora, existem dúvidas e receios que nem eu percebo de onde saíram. Existe alguém que me impede de dar o passo em frente, ou de agir. Como se a pequena recordação da sua existência, bloqueasse os meus movimentos antes de sequer tentar fazê-los.

“Sei.” Limitei-me a proferir, de voz rouca e perdida de memórias.

“Mas mesmo assim não entendes.” Constatou, reconhecendo a minha atitude apática. Por vezes assustava-me a forma como ele percebia todos os sentidos dos meus comportamentos. Por vezes bastava olhá-lo para ele perceber imediatamente o que me estava na cabeça. “Evelyn, sabes que eu gosto de ti, não me bloqueies desta maneira.”

“Eu não estou a bloquear ninguém.” Fixei-me de novo nos seus olhos, procurando mostrar-lhe que não existia nada além das minhas palavras. Estava tão cansada de sentir seja o que for, que nem lágrimas pareciam haver mais, como se uma parte do mundo tivesse parado e nada mais desenrolasse aquilo que sinto.

Save Yoυ  △ |h.s|Onde as histórias ganham vida. Descobre agora