Capítulo 35

602 70 76
                                    

Harry geme baixinho e respira de forma pesada. Seus pés se mexem desconfortavelmente diante dos meus olhos. Eles estão cobertos por uma meia branca. Seu corpo não está diferente. Ele mexe e remexe no intuito, acho eu, de achar uma posição confortável. Não tenho certeza se ele está dormindo. Coberto apenas pelas roupas que ele veste e a coberta sendo usada como travesseiro para ele.
O colchão se afunda e ele se senta.
Me viro de barriga para cima, pois agora tenho espaço para isso e me sento também.

—Seu colchão é horrível. Nem devia ser chamado de colchão. Vou troca-lo para você quando alguém abrir essa porta. Já deve estar amanhecendo.

—Você está com dor, não está? Você está suando, vejo daqui. E não está calor.

— Não sinto dor. –ele diz olhando em meus olhos.

—Harry, para com isso. Não quero ter a mesma conversa de horas atrás. Você deveria ser mais aberto.

Ele revira os olhos e tenta se deitar. Um gemido de dor ecoa sobre o quarto e Harry aperta os olhos.

—Ok, chega. Deixa eu ver isso.

Ajoelho na cama e vou em sua direção.

—Não precisa. É a segunda vez que você tenta uma conversa essa noite noite. Eu quero dormir. Você não vai querer transar comigo de novo ou sei lá... Querer dar outro sermão, vai?

—Harry...

—Tenho 22 anos, Lisy. Você tem 17. Você não sabe nada da vida. Eu não consigo simplesmente, mudar o que eu sempre vivi pra te tirar daqui. Eu não teria chances com você longe daqui, também. Então você vai ficar e eu posso ir te ajudando trocando seu colchão e mandando comidas melhores para você do que aquele caldo.

—Tenho 17 anos e estou aqui dentro. Trancada. Por causa do seu pai. Harry, ele me tirou tudo. Eu não tenho nem pai, nem mãe. Não pude ir ao enterro delas, e isso me dói tanto. Eu não pude me despedir. Na verdade, a despedida não era necessária se seu pai não tivesse entrado na vida da minha família. Você sabe o que é escutar uma criança de oito anos gritando "papai para" enquanto é estuprada? Ela amava seu pai. Minha irmã amava Cásper e eu não consigo descrever o tamanho do seu amor por ele. Nos dias dos pais ela cantava, dançava e fazia tudo por ele desde que ela entrou na escola. Nos últimos dois anos, específicamente. Ela sorria e abraçava ele. Eu também o abraçava mas sempre fui no meu canto. Sentia falta do meu pai e o luto no meu coração pela morte dele nunca passou totalmente. Sinto tanta falta da minha família. Falta dos meus amigos e dos sonhos que eu tinha. Cresci assim, e me obrigaram a esquecer tudo. Não tive escolha. Pode parecer injusto, mas o que acontece em alguns dias pode mudar o rumo da sua vida inteira. Olha onde eu estou... Você cresceu da forma como você nunca me contou, mas eu estou aqui para te dar escolhas, e você pode escolher mudar e ajudar todos aqui. Podemos fugir, você pode fugir. Eu nunca contaria para ninguém sobre você. Seja bom.

—Não se pode sobreviver sendo o mocinho.

—Você está fugindo. É isso que você está fazendo. Porque é mais fácil ir embora do que lutar pelo o que você realmente quer.

—Lisy, não é isso, é só....

—Eu não vou sentar e esperar até onde isso vai dar. Ver até onde seu pai vai te machucar ou ficar com medo dele tentar me ter mais uma vez. Eu vou lutar contra todas minhas forças para acabar com isso, Harry. E eu repito, mais uma vez, se você não estiver comigo, você estará contra mim.

—Não quero estar contra você. —ele diz.

—Meu pai me dizia que pessoas frias, tipo essa que você finge ser, tem corações cheios. Eles só esperam que alguém os transborde. Eu, por idiotice ou por meu alto ego que esteve sumido por uns tempos, achei que poderia ser essa pessoa. Sabe, me salvar, salvar outras pessoas daqui e te salvar também.

Save MeWhere stories live. Discover now