Capítulo 3

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Acordei assustada quando senti um jato de água jogado bruscamente em meu rosto.

–Sua puta vagabunda! – Harry falou grosso – Ele era nosso melhor cliente. Sabe como vamos fazer você pagar pelo seu trabalho mal feito? Levem ela para a ala dos doentes. Agora!

Descemos por um elevador que não era público, provavelmente. Fui levada para o subsolo. A mulher que me segurava me colocou de frente a uma grade, a abriu e pegou alguns produtos de limpeza.

– Limpe todas as salas. - ordenou.

Eu vestia uma calça larga azul, com blusa da mesma cor.

As portas das salas usavam cartões magnéticos para serem abertas, que estavam na bolsa junto com os produtos que recebi. Ao longo do corredor eu ouvia gritos, choros, barulhos muito fortes. A primeira coisa que pensei foi procurar uma saída, mas ali não tinha nada por enquanto. O meu plano seria ser uma boa garota até conseguir sair daqui.

Depois de limpar 11 salas com pessoas que se automutilavam, outras machucadas, loucas... entrei em uma onde uma mulher, logo que ouviu a porta sendo aberta, tentou ultrapassá-la. Fui para a última.

Quando abri, aquela era a mais silenciosa de todas. Sentado na beira da cama, ao lado direito da sala, havia um homem com a cabeça baixa, apoiada em suas mãos. Seus dedos estavam entrelaçados no cabelo com certa força, como se o gesto fosse o motivo de seu controle. Seu pé direito balançava-se repetidamente, criando uma espécie de tique nervoso.

Limpei toda a sala rapidamente e faltava apenas a sua cama.

– Preciso limpar aí, está sendo um trabalho difícil, tive problemas com a maioria das pessoas daqui, pode me dar licença?

Ele se levantou e me observou atentamente enquanto eu finalizava a arrumação. Pude perceber várias tatuagens ao longo de seus braços, por conta da malha desgastada que vestia. Foi dessa mesma forma que percebi os ferimentos das outras pessoas.

Saí e ele não disse absolutamente nada, assim como a maioria.


Essa rotina continuou por dias. Eram 40 salas. Fui me adaptando ao modo como as coisas aconteciam ali. Sempre que a família de algum doente chegava, eles eram levados para outra sala no andar de cima. Aquelas salas pelo que ouvi, só eram ocupadas em dias de visita. Era assim que eu sairia dali.

Sentia falta da minha mãe, da minha irmã e do meu pai. Eu não tenho mais nada a perder.

***

Tudo ocorria como se sempre. Mas um contato diferente mexeu comigo naquele dia.

Quando cheguei na última sala, limpei como sempre. Ao sair, o homem que até então era um mistério para mim, assim como a maioria dos outros pacientes, me impediu segurando meu braço.

Olhei para trás assustada. Seu rosto era completamente diferente de qualquer coisa que eu pudesse imaginar. Ele tinha olhos profundamente azuis, uma expressão sofrida, porém alguns traços angelicais. Apertou meu braço e me virou para ele. Seus olhos transmitiam algo que não pude ter certeza do que era.

– O que voc..... – eu disse.

– Saia. – ele disse e então me soltou.

Subi no elevador ainda um pouco confusa com o que tinha acontecido ali, na porta haviam seguranças que me acompanhavam até o meu quarto. Meu quarto... ele tinha apenas paredes brancas e uma pequena janela bem no alto, assim como os que eu costumo limpar, apenas mais limpo. Tenho nele apenas uma cama baixa.

Troco de roupas e tomo banho acompanhada de uma mulher que até hoje não sei o nome. Tentei contato algumas vezes, mas ela apenas me mandou calar a boca.

Harry sempre vinha ver como estava meu comportando e eu me limitava a responder o que era perguntado. Quanto a Casper, já não o via há algum tempo. Melhor assim.

Como todas as noites, não consegui dormir, as lembranças de tudo sempre invadem meus pensamentos quando eu deito nessa cama. Tudo mudou tão rápido. Mas naquele dia outra coisa me fez perder o sono... aqueles olhos azuis.

Eu tinha medo da maioria dos internados ali, menos dele. Preciso saber seu nome. Adormeço apenas quando já consigo sentir a claridade da pequena janela invadindo meu quarto.

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Dúvidas, sugestões ou angústias chamem no twitter da tia Pal, o Peynetrado



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