Uma criança que perdeu a mãe tenta consolar outra

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Leona acordou suada e ofegante no parapeito de uma larga janela. Ela girou a cabeça, observando, em pânico, as poltronas, a escrivaninha e o tapete do lugar em que acordou. Lá fora, as árvores erguiam-se esplendorosas e suas copas balançavam no ritmo da brisa suave. Graças ao céu sem nuvens, o sol entrava livremente no aposento, trazendo a Leona uma familiar sensação de acolhimento. Ela conhecia aquele local, entretanto, não conseguia lembrar-se de onde, por mais que forçasse a memória e batesse na própria cabeça.

— Ei, — Hange, sentada ao seu lado no parapeito, segurou seus pulsos. Sua mãe não estava aqui antes. Ou será que Leona não a viu? — Por que você está se batendo? Teve um pesadelo, filhotinho?

Por fim, Leona soube aonde estava: no escritório de sua mãe. Leona possuía boas recordações do escritório. Às vezes, na falta de Minnie, Hange a levava para lá, e Leona passava a tarde brincando no tapetinho e recebendo visitas de seus amigos soldados. A sua parte favorita do escritório era a janela onde sentava agora. Leona amava encostar-se no vidro e aproveitar o sol, tal qual as árvores lá fora. E quando Hange resolvia largar a papelada e se juntar a ela, o momento de preguiça se tornava um período de aconchego entre mãe e filha.

Uma interrogação inocente pintava o rosto de Hange. Vê-la lhe deu vontade de chorar. Leona enfiou-se no colo da mãe e escondeu o rosto lacrimejante em seu peito.

— Puxa, você teve um pesadelo feio. — Hange a abraçou com divertimento. — Consegue lembrar como era?

Hange alisava as costas da filha e arranhava a nuca raspada numa coceirinha amigável. Leona respirou o aroma da comandante. Quando Hange estava no escritório, ela ficava com cheirinho de papel e de caneta de tinteiro. Leona inebriou-se com o amor da mãe e com o calor do sol. Enfim controlado o pranto, ela mirou a paisagem. Lá em baixo, no pátio de treinamentos, o instrutor berrava uma ordem aos recrutas. Os soldados começaram a realizar polichinelos desengonçados. Leona não conseguia ver o rosto dos militares; estavam borrados, como uma pintura danificada.

Estivera tendo um pesadelo? Se sim, os elementos, o contexto e a ambientação do sonho ruim já se dissiparam da sua memória. Ela se lembrava da raiva que sentia no pesadelo, contudo. Ainda era capaz de senti-la - uma fúria devoradora e destrutiva. E também recordava de uma dor lancinante que a mera menção esmagava o seu peito.

De súbito, a ficha caiu.

— Mãe, o senhor Levi disse que você morreu. — Falou Leona, perturbada.

Hange levantou as sobrancelhas e fitou-a com ar surpreso. Em seguida, a comandante riu de lábios cerrados. Era tudo mentira do senhor Levi, então! Leona abraçou Hange pelo pescoço e a beijou nas bochechas, na testa, no queixo, no olho, no tapa-olho... do jeito que devia ter feito antes de ir para a fazenda da rainha. A comandante, rindo, intentou empurrá-la, mas não pôs empenho na investida.

— Ai, Bolinha, você vai derrubar os meus óculos. Ei, cuidado. — Hange apanhou os óculos antes que se espatifassem no chão. — Sua louca.

— É que eu estou tão feliz! Eu pensei que nunca mais ia te ver.

Hange recolocou os óculos. Ela deu um cutucãozinho no nariz de Leona e dis


Leona abriu os olhos e encarou a parede do outro lado do aposento. Aquele não era o escritório, nem o seu quartinho, e muito menos o dormitório feminino da fazenda. Era o quarto que o senhor Levi fez para ela na cidade feia chamada Belavista. Mesmo assim, Leona olhou em volta, esperançosa. Sua mãe esteve aqui. Leona ouviu a voz dela e sentiu o seu carinho. Foi tão real... não poderia ter sido um sonho.

— Mãe? — A curtíssima palavra esfolou sua garganta desidratada.

Ninguém apareceu. Leona continuou sozinha na escuridão. O tormento subiu pelo peito da menina. Leona recomeçou a chorar, porém, não sobrara nenhuma lágrima para ela derramar, de maneira que o seu pranto era apenas a gesticulação do choro – a respiração entrecortada, as fungadas, os soluços e os olhos comprimidos.

Venha me pegarWhere stories live. Discover now